O Brasil está fortemente amarrado ao passado e sufocado pelas emergências. O curto prazo conspirando contra o futuro. Quase a metade do orçamento da União de 2015 (precisamente 49,58%) foi comprometida com apenas duas rubricas que carregam o passivo e comem a poupança nacional: a Previdência social (juntando INSS e aposentadoria e pensões dos funcionários públicos) e os Serviços da dívida pública (juros e principal). Se forem acrescentados os 3,4% destinados à Assistência Social nos seus diversos programas, o peso do passado (passivo social) compromete quase 53% do orçamento da União. Enquanto isso, o orçamento federal da educação no mesmo ano foi de R$ 115 bilhões ou 5,27% do total, quase um quinto do que foi gasto com benefícios da previdência social. E os recursos alocados com Ciência e Tecnologia alcançaram ridículos 0,48%, um terço do orçamento do Judiciário federal, que contou com 1,47% do total.
E o futuro? O futuro será sombrio se não forem tomadas medidas drásticas e significativas para reduzir este peso do passado, principalmente com a reforma da previdência e a redução das taxas de juros acompanhada do alongamento da dívida. Sem uma reforma relevante da previdência, a carga do passado deverá aumentar continuamente nos próximos anos e décadas, reduzindo mais ainda a parcela do orçamento da União que pode ser destinada à construção do futuro, ou seja, à educação e à inovação. Pura aritmética: o número de beneficiários deve crescer com o envelhecimento contínuo e acelerado da população; de acordo com projeção do IBGE, a população idosa (com mais de 65 anos) no Brasil deve saltar dos 16 milhões de habitantes, em 2015, para cerca de 40 milhões em 2040, crescimento de 4,6% ao ano, gerando uma enorme pressão sobre as contas públicas. A sociedade tem que saber que está diante de uma escolha decisiva para o Brasil, uma escolha entre o passado e o futuro. E a falência do sistema previdenciário leva junto os atuais e os potenciais beneficiários.
E a dívida? A redução do custo da dívida pública parece simples, basta o Banco Central baixar a taxa de juros dos titulos públicos. E por que não o fazem? Em primeiro lugar, os juros não são uma taxa arbitrariamente definida pelo devedor e não servem apenas como um recurso para conter as pressões inflacionárias. Os juros da dívida são, em última instância, o resultado da relação entre a disposição dos credores com liquidez e a necessidade que tem o devedor de financiamento do seu déficit e refinanciamento dos títulos vincendos. Com uma dívida de R$ 2,96 trilhões de reais e com evidente incapacidade de superávit fiscal para resgate dos títulos de curto prazo, o Brasil tem pouca margem para negociar seus títulos no mercado. Além disso, a taxa básica de juros definida pelo Banco Central (Selic) incide em apenas 25,7% do total de títulos públicos na medida em que 33,7% estão vinculadas a um índice de preços (acompanha, portanto, a inflação) e 36,3% são prefixados em base a taxa de juros definidas em contrato anterior.
O nó da dívida é também fiscal: o governo tem que gerar superávit primário, ou seja, gastar menos do que arrecada, para lidar com os custos da dívida pública e, ao mesmo tempo, viabilizar a redução das taxas de juros. Só assim pode inverter o círculo vicioso atual: a dívida aumenta o deficit fiscal obrigando a renegociação da dívida que aumenta os juros e termina ampliando a dívida. A situação se agrava por conta do perfil da dívida pública com forte pressão de curto prazo, precisamente no momento da mais grave da crise fiscal do Brasil; com efeito, 20,4% dos títulos na mão dos credores (cerca de R$ 603 bilhões) são de curtíssimo prazo, vencendo em 12 meses, e 49,2% vencem em até três anos.
Nesta dramática situação, torna-se vital uma negociação politica da dívida pública com os principais credores (portadores de títulos da dívida) para redimensionamento do estoque, troca por ativos e alongamento dos prazos, de modo a aliviar as restrições fiscais do presente e, mesmo, a dimensão do superávit primário. Com quem negociar? Parte dos títulos da dívida pública está dispersa entre mlhões de poupadores individuais, através dos Fundos de Investimento; mas cerca de 23,7% do total estão em poder das Instituições Financeiras e 23,6% são controlados pelos Fundos de Previdência, interlocutores para uma negociação. Claro que será necessário credibiidade e confiança do governo, ativo raro, é verdade. Sem ilusão de contar com generosidade ou patriotismo dos credores (nem dos grandes nem dos pequenos), um acordo é a alternativa para enfrentar a grave crise do Estado brasileiro que atinge a todos, incluindo os credores.
Excelente artigo, Sérgio. É importante que as pessoas, e não somente os economistas, entendam essa dicotomia entre o peso do passado e a necessidade de investimento no futuro, para o bem de todos.