13 de outubro de 2016
Entro na sala de cinema, no primeiro dia de sua exibição, com quase nenhuma informação sobre o enredo do filme. Ser o segundo Longa Metragem de Kléber Mendonça Filho era o suficiente. Aí, logo às primeiras cenas, fui tomada por uma total imersão na minha paisagem, na minha história.
Esse tal de Kleber Mendonça, não fosse um cineasta já quase estabelecido no feroz mundo do bom cinema a nível internacional, seria um sociólogo. Sem nada a dever ao grande, o que fundou a Fundação que abrigou seus primeiros passos no cinema. Esse olhar para captar o universal no particular. Na verdade, olhar mais de antropólogo do que de sociólogo. E o danado consegue levar isso para a tela com uma sutileza!
De “Som ao redor” se poderia falar de um “filme cabeça”. De Aquarius, nunca. Não pelo simples fato de ser mais linear. Mas porque ele é um filme que fala mais ao sentimento do que à compreensão. E aí… aí Sônia Braga é muito!
As raízes dos filmes de Kleber Mendonça estão entrelaçadas no fundo do massapé da cana de açúcar, o que me faz lembrar uma das belas frases de Casa Grande & Senzala:
Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera da vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a primeira sensação completa de homem (Freyre, 1973:283)
O que a frase tem a ver com ambos os filmes? Tudo.
Mas nesse, Aquarius, há a figura feminina doce representada por Sônia Braga. A personagem Clara consegue, mais em gestos, posturas, olhares, sorrisos, caras duras, do que em palavras, representar uma geração que viu o tempo passar muito depressa. Seu dilema é estar sendo vista pela geração dos filhos (o jovem da empresa construtora é parte dessa geração) como um entrave ao mundo que mudou, quando na mesma idade deles ela desbravava o mundo rompendo barreiras. Ironicamente, como se agora, em vez de rompê-las, ela estivesse, tudo ao contrário, colocando barreiras à inevitabilidade do progresso.
O filme é também uma denúncia. Não por acaso partiu de um Estado da Federação que, para além das raízes da cana, tem também um arraigado espírito combativo de longa e recente data. Esse filme nasce no Estado de “Ocupe Estelita”, e de “Direitos Urbanos”. Mas é outra coisa. É arte.
PS: o professor Denis Bernardes, de saudosa memória, sugeriu um dia que eu fizesse um adesivo para meu carro: Não vote em intermediários. Para prefeito, Moura Dubeux, Queiroz Galvão …
Embora nao tenha me encantado com o filme, adorei seu texto.
Querida Teresa,
Já disse o que achei do filme no texto de Sérgio. Antes, aliás, que Helga passasse com a motoniveladora para fazer a terraplenagem completa da área. Mas não posso resistir às saudades que senti de Denis Bernardo, nosso professor no Ginásio de Aplicação. Conosco era sóbrio, éramos crianças. Mas soube que era um azougue nas noites olindenses. Pena que morreu cedo. O conselho dele quanto ao adesivo é simplesmente sensacional.
Beijo