Apesar do grande impacto na imprensa e da inquietação gerada nos meios políticos, a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha não foi surpresa para ninguém. Foi um desdobramento natural das investigações da Operação Lava Jato, que já levou à prisão dezenas de políticos e empresários e tem ainda uma lista enorme de investigados, denunciados e réus. Mas a prisão de Cunha desmonta o discurso de vitima do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, segundo o qual a Justiça brasileira atuaria de forma seletiva, com o propósito persecutório contra ele e seu partido. No Supremo Tribunal Federal tramitam quatro inquéritos de organizações criminosas envolvidas em corrupção na Petrobrás, destacando os dois maiores partidos políticos, PT e PMDB (que estão no poder há mais de 14 anos), além do PP, incluindo lideranças de peso como o ex-presidente Lula e o atual presidente do Senado, Renan Calheiros. Se esta prisão de Cunha não supreende ninguém, as atividades combinadas do Judiciário, da Polícia Federal e do Ministério Público vêm surpreendendo a cada lance pelo que demonstram da abrangência e profundidade da degradação da política no país e pela denúncia da cultura política corrupta e mafiosa que tomou conta do Brasil. Cada prisão tem gerado um efeito dominó com delações premiadas que derrubam novas peças desta malha corrompida dos governos e do Congresso Nacional e que ampliam os valores bilionários dos desvios de recursos públicos que deveriam ter financiado o desenvolvimento nacional. A prisão de Cunha pode derrubar muito mais peças do dominó. Como um dos principais líderes da máfia política e, portanto, detentor de informação privilegiada sobre a rede criminosa, a detenção do ex-deputado deve provocar (já está provocando) um grande tumulto nos meios políticos de Brasília e, de imediato, um clima de insegurança, incerteza e risco de instabilidade política e institucional. Mas ao Brasil não interessa uma estabilidade baseada no silêncio e na proteção de políticos corruptos que vêm saqueando o país. Ao contrário, o Brasil espera que a Operação Lava Jato e o STF continuem a atuar com firmeza e isenção política na investigação e na prisão dos criminosos, melhor caminho para recompor a dignididade e a ética na cultura política e na gestão pública brasileira.
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Tenho pensado esses dias como esse processo da lavajato está desmontando, mais que uma máfia, um pensamento. Mesmo pessoas honestas ficam às vezes apavoradas, acham Moro facista e sei lá mais o que, porque no fundo estamos em processo de mudança de paradigma e isso atinge o cotidiano de todos. Como sempre falta entrar a educação a todo vapor para que essa mudança seja profunda. Só tenho a achar bom!
Muita gente antevê os desdobramentos indesejáveis da Lava-jato nos seguintes termos:
a) O esfacelamento do “establishment” político, ensejará a aparição de aventureiros nos moldes de Berlusconi que, como sabemos, tanto mal fez à Itália;
b) Os jovens magistrados, anabolizados pelos índices de popularidade e pelo aplauso da rua, cederão à ribalta e, ao virar políticos, verão que nada é tão simples. Protógenes que o diga;
c) A midiatização assombrosa, forma de colocar a opinião pública em seu favor, leva a excessos que corroem primados do sistema jurídico que, embora viciado, agora está manietado;
d) O instituto da delação premiada cria uma cultura onde o mau caratismo de padrão Staasi passa ser moeda corrente pois as respostas buscadas são praticamente induzidas;
e) As injustiças decorrentes do açodamento podem destruir reputações que jamais serão resgatadas, o que levou homens de bem ao suicídio, na Itália e, se pensarmos bem, é uma questão de tempo no Brasil também;
E por aqui fico.
Conquanto todo o acima possa fazer algum sentido, e todos os argumentos são eivados das digitais do sociólogo Domenico de Masi, não nos resta alternativa senão a de perseverar nesse caminho sob a égide do STF e alguns de seus quadros. E apostarmos nos benefícios relevantes.
E por que o digo?
a) Ora, se o populismo que quase nos abduziu para uma cratera sem fim agravou por demais os atavismos de de nossa praxis política, há de se reconhecer que escancarou (e muito) práticas antigas;
b) Se a inépcia dos populistas e a incapacidade aberrante de lidar com a coisa pública abriu brechas para que os arautos da “Realpolitik” forrassem as burras, sempre imperou no Brasil uma tolerância para com favorecimentos;
c) Ouvi, ao longo da vida, de muita gente boa e insuspeita, que era ato de “burrice” proceder a contratações por mérito em detrimento do alinhamento político e da confiança. Expedientes que, se levados para a iniciativa privada, jogariam qualquer empresa na lona em dois tempos;
d) Os benefícios da Lava-jato serão palpáveis e já se fazem notar pelo interesse crescente que têm os investidores internacionais em, pela primeira vez em anos, se debruçar com interesse sobre nosso País, mais serenos quanto ao poder de veto de que gozavam “players”-donatários;
e) Se condutas como a de Sergio Machado são excrescentes (por induzir interlocutores a lhe dizer o que melhor lhe convinha para salvar a pele), ainda são tênues os indícios de que estejamos nos transformando num estado policial clássico.
Quanto a Cunha, figura central do editorial, não há como negar se tratar de um homem que procede do caldo de cultura dos que fazem política de olho nos negócios. Se, paradoxalmente, lhe ficaremos estranhamente a dever a condução impecável do afastamento de Dilma Vana – tarefa que não era para nervos fracos e que pode nos ter livrado da Venezuelização-, a celebração do rito não oblitera o fato de que é um biltre.
Quanto à tão sonhada mudança de paradigma, pois bem, conheço alguns que acreditam numa renovação radical do Congresso em 2018, e outra quase transcendental para 2022. Não sei. Acredito na força de articulação da sociedade civil e nunca acreditei nos tais governos.
A única certeza que tenho é que tanto eu quanto muitos de meus contemporâneos de perfil mais voltado para o mundo largo fizemos péssima aposta ao perseverar nessa patranha de, ignorando excelentes oportunidades e viver na Europa, Ásia e Estados Unidos, optarmos por ficar aqui por achar que éramos necessários para deslindar os nós.
Constato com amargura que penhoramos parte importante de nossa juventude e energia num cassino onde os dados eram viciados. Bem ou mal, o País seguirá seu curso. Nossas vidas, por outro lado, são datadas e excessivamente curtas para que possamos fazer fração do que poderia ter sido feito.
A nosso modo, nós, os da fornada de 55-65, estamos cada vez mais com cara de uma “geração perdida”. Em todos os cortes, contamos perdedores a mancheias. Os vícios do patrimonialismo e o descaramento da esbulho me fazem pensar que teria eito bom negócio se tivesse seguido meu coração.
Dispensável dizer que hoje é domingo. Dia de pensar com o fígado, aliás.
Fernando
Tão sensatas e instigantes reflexões sobre a dramática situação do Brasil permitem levantar duas questões que o Editorial da Revista não tentou responder: 1. devemos quebrar o cassino ou apenas trocar os dados viciados? 2.quem tem condições (lideranças) de operar essa mudança (qualquer uma das duas) sem criar outro esquema vicioso? Do jeito que vamos, o cassino simplesmente explode. Vê, a lucidez do teu comentário estragou meu domingo, salvo apenas pela deliciosa elegância do texto que carrega o veneno. Sergio
Sou bem mais velho, mas não partilho da descrença do meu amigo Fernando Dourado, exalada em seu brilhante texto, apesar da validez de suas ponderações. Nem tampouco do desânimo que aparentemente acometeu o autor do editorial, o meu caro Sérgio Buarque. Sou otimista por princípio filosófico, tenho repetido isso, e estou certo que, com as transformações por que estamos passando, o país vai melhorar. Aliás, já está melhorando. Viveremos para ver.