Frederico Toscano (*)

O compositor Franz Liszt, considerado o maior pianista de todos os tempos, toca no seu apartamento em Weimar, Alemanha, para o grão-duque Karl Alexander durante um concerto de domingo, em 1882.

O compositor Franz Liszt, considerado o maior pianista de todos os tempos, toca no seu apartamento em Weimar, Alemanha, para o grão-duque Karl Alexander durante um concerto de domingo, em 1882.

Saindo do Classicismo, chegamos à era romântica da música. Sua diversidade e densidade são tão complexas que se torna adequado dividir a análise do período em dois blocos. Neste artigo, são comentados os aspectos mais gerais da música do Romantismo. No próximo ensaio, serão analisados os compositores de caráter nacionalista, cujas obras refletiam o espírito de seus países ou regiões de origem.

Beethoven lançou uma grande sombra no século XIX. O poder emocional de sua música fez dele o líder precursor do que hoje se denomina Romantismo. Sua vida coincidiu com um divisor de águas da história: a Revolução Francesa de 1789, manifestação mais clara dos direitos do indivíduo no século XVIII. Apesar dos regimes opressores pós-napoleônicos, o culto romântico do indivíduo floresceu, aliado a uma crescente consciência do direito das nações a se autogovernarem e se orgulharem de sua cultura. Parte da música do período romântico caracterizava-se pelo intérprete virtuose, artista que atingiu altíssimo grau de conhecimento e domínio técnico – por exemplo, Liszt. Uma tendência paralela era a música íntima feita para o salão – como as peças curtas de Chopin e Schumann.

O Romantismo foi uma era de extremos, em que os compositores tanto voltaram o olhar para o passado como abandonaram convenções clássicas e experimentaram linguagens e formas novas e ousadas. Esse estilo progressista é especialmente claro na Symphonie fantastique, de Berlioz, ou na Sonata em Si menor de Liszt, de 1852, e ainda nas estranhas harmonias das peças para piano, quase impressionistas, do mesmo compositor, como Nuages gris. A era romântica pode reivindicar a redescoberta da música do passado. Quando, em 1829, Mendelssohn organizou uma apresentação da Paixão segundo são Mateus de Bach, desenterrou um grande tesouro musical que foi revivido nas décadas seguintes. Não apenas ele alertou músicos e ouvintes para o significado da própria música de Bach, como estimulou músicos a tocar obras do passado e compositores como Brahms a usar seus materiais e formas.

Se músicos de períodos anteriores tenderam a se concentrar apenas em seu ofício, os românticos foram multidisciplinares: tanto Berlioz como Schumann publicaram crítica e música; Weber lançou um romance; Liszt escreveu ensaios variados; e Wagner assinou tanto os libretos como a música de suas óperas. Os compositores românticos, portanto, se referiam frequentemente a ideias para além da própria música – por exemplo, a paisagem e a natureza tornaram-se temas importantes, dos lieder de Schubert até obras do século XX, como as sinfonias Alpina, de Strauss, e Sea, de Vaughan Williams.

Com tantas teorizações sobre as direções que a música deveria tomar, não surpreende que a era romântica tenha sido palco de disputas acirradas. Uma das rixas mais famosas deu-se entre os seguidores de Brahms e os de Wagner. Brahms era visto por seus partidários como um tradicionalista, enquanto Liszt e Wagner eram por sua vez considerados representantes da música do futuro. Na verdade, a linguagem musical de Brahms era às vezes bastante ousada, assim como Wagner não deixou de se voltar para o passado.

Se há um instrumento que simboliza o Romantismo, é o piano. A maioria dos compositores românticos escreveu não só música de concerto para o instrumento, como também música destinada à interpretação de diletantes. Um sinal das mudanças políticas e sociais da época estava na difusão do piano pelos lares. Havia, portanto, uma consequente demanda por música que pudesse ser tocada em casa, e várias obras orquestrais e líricas foram reescritas para piano.

Um capítulo à parte é ocupado pela ópera da era romântica. Os anos entre a morte de Mozart, em 1791, e a entrada em cena de Rossini duas décadas depois foram praticamente estéreis para a ópera. A Europa estava preocupada demais com as Guerras Napoleônicas para ter dinheiro para essa extravagante forma de arte. A ópera do Romantismo abrange um século de composição. Até a Primeira Guerra, a Europa gozou de um longo período de relativa paz, do qual as revoluções de 1848 foram importante marco político. Elas envolveram diretamente Wagner (que foi exilado por sua participação nos levantes da Saxônia) e, indiretamente, vários outros compositores.

A ópera muitas vezes tem origem na literatura. A ópera do século XIX inspirou-se em determinado grupo de escritores: Shakespeare, Walter Scott, Goethe e Schiller. Outra grande fonte de inspiração romântica foram as lendas da Europa medieval. Na Itália, o uso por Rossini de enredos românticos, em geral melodramáticos, inspiraram seus dois discípulos imediatos, Donizetti e Bellini, que levaram o Romantismo adiante. Em suas óperas, a figura central é o grande ícone romântico: a donzela em apuros. Verdi fez outras revoluções na composição de óperas. Suas primeiras obras narram episódios agitados de nacionalismo e heroísmo (Macbeth, Ernani, Nabucco), enquanto sua fase intermediária, em obras como Rigoletto, examinou o relacionamento entre pais e filhos. Os sucessores de Verdi, como Mascagni, Leoncavallo e Puccini, introduziram o “verismo” ou realismo em suas óperas, contando em música histórias que, embora inspiradas no cotidiano, nem por isso eram menos românticas.

Já na Rússia, todos os grandes compositores, de Glinka a Tchaikovsky, produziram óperas sobre temas russos. Na França, a grand opéra parisiense fazia uso de imensos cenários, vastas orquestras e coros. Na Alemanha, a primeira grande ópera romântica foi Der Freischütz, de Weber, baseada num conto popular ambientado nas florestas da Boêmia. Com o que aprendeu em seus estudos sobre Beethoven, Weber introduziu uma nova riqueza na orquestração de sua partitura. Weber inspirou Wagner, que decidiu que o mundo alemão precisava de uma forma própria de drama musical, e inventou-a, escrevendo tanto os libretos como a música de suas obras. Richard Strauss seguiu Wagner, compondo obras românticas século XX adentro. Foi o último dos grandes compositores românticos.

A música da era romântica continua a ser desfrutada por sua riqueza na invenção melódica e harmônica, sua pungência e grandiosidade, bem como suas associações extramusicais. Vários compositores do fim do século XX adotaram certas características do estilo romântico; por exemplo, em sua partitura para o filme Guerra nas estrelas, o compositor John Williams usa a música num estilo sinfônico romântico para representar o futuro. O compositor norte-americano John Adams poderia igualmente ser considerado um neorromântico em virtude de suas grandes obras orquestrais, como Harmonielehre. O Romantismo subsiste até hoje.

Principais compositores

O domínio total do violino, o carisma e a mística de Niccolò Paganini (1782-1840) criaram o modelo para o virtuose romântico. A maior parte da música imaginativa e elaborada, incluindo um vasto corpo de obras de câmara, é raramente apreciada nos dias de hoje. Contudo, o maior violinista de todos os tempos estimulou uma geração de compositores – entre eles Liszt e Chopin – a utilizar a técnica instrumental como elemento expressivo essencial de sua música. Os 24 Caprichos e o Concerto para violino nº 1 são suas obras-primas.

Carl Maria von Weber (1786-1826) foi compositor, maestro e pianista, e sua ópera Der Freischütz marcou o início da ópera romântica alemã, emancipando-a das influências italianas que a subjugavam até então e mostrando como um estilo nacionalista de ópera pode se basear em melodias e contos populares. Weber foi admirado por Beethoven e influenciou Wagner, seu discípulo. O Concerto para clarinete nº 1, o Concerto para piano nº 1 e as duas sinfonias de Weber também merecem destaque.

Nascido poucos meses após a morte de Mozart, Gioacchino Rossini (1792-1868) foi o maior compositor de óperas entre as décadas de 1810 e 1830, quando abandonou prematuramente a composição. Suas óperas cômicas exalam inventividade e alegria, enquanto as sérias têm grande beleza melódica e soberba escrita tanto para vozes como para orquestra. Rossini influenciou praticamente todos os mestres da ópera do século XIX. Suas obras-primas incluem Tancredi, O barbeiro de Sevilha, La Cenerentola, Semiramide e Guilherme Tell.

Numa vida extremamente produtiva, Gaetano Donizetti (1797-1848) escreveu 65 óperas, uma dúzia delas ainda importantes dentro do repertório lírico. Como seu contemporâneo Bellini, Donizetti escreveu ópera de bel canto que celebravam a beleza da voz humana em melodias longas e expressivas com ornamentação elaborada e vívida. Mostrou talento igual na tragédia e na comédia. As óperas Anna Bolena, O elixir do amor, Lucia di Lammermoor e La fille du régiment são grandes partituras de sua autoria.

A trágica e breve vida de Franz Schubert (1797-1828), um dos maiores melodistas, é constantemente encoberta por sua música otimista. Aos 17 anos já atingira a maturidade na composição, e sua vasta produção mostra espantosa fluência, aliada a uma imaginação musical rica e variada. No epitáfio de seu túmulo lê-se: “A música enterrou aqui um rico tesouro, mas também esperanças ainda mais belas”. Sua Sinfonia nº 8, a Inacabada, o ciclo de canções Winterreise e o Quinteto com piano A Truta são algumas de suas obras-primas.

Vincenzo Bellini (1801-1835), ao lado de Rossini e Donizetti, foi um dos três grandes compositores da ópera do bel canto. Em sua curta vida, escreveu dez óperas, muitas das quais permanecem no repertório. Sua reputação assenta-se sobre as linhas líricas graciosas e de fôlego que propiciou aos cantores e sobre a grande agilidade vocal exigida por sua música. Sua obra-prima, Norma, contém a suprema ária do bel canto. Além dela, as óperas I Capuleti e i Montecchi, La sonnambula e I puritani merecem especial destaque.

Pouco apreciado na França da época, a música e a vida de Hector Berlioz (1803-1869) talvez tenham personificado os ideais românticos mais que as de qualquer outro compositor, salvo Liszt. A incrível originalidade de sua imaginação, suas concepções grandiosas e seu talento extraordinário na orquestração introduziram um novo pictorialismo na música. Berlioz tornou-se um dos primeiros regentes modernos. A ópera Les Troyens, baseada na Eneida de Virgílio, e a Symphonie fanstastique são suas obras mais populares.

Um dos músicos mais dotados e completos da história, Felix Mendelssohn (1809-1847) preservou os ideais clássicos da harmonia e da forma. Era admirado pelos amantes da música conservadora por seu charme, perícia e imaginação pitoresca, sobretudo nas sossegadas salas de visita vitorianas, mas sua música logo foi ofuscada quando o público se viu arrebatado pelos ideais do Romantismo. Entre suas obras mais notáveis estão as Canções sem palavras para piano solo, a Sinfonia nº 4, Italiana, e o Concerto para violino em Mi menor.

Exilado pela revolução, abandonado pela amante, morrendo de tuberculose, mas sempre vestido impecavelmente, a frágil imagem de Frédéric Chopin (1810-1849) encaixa-se nos estereótipos do artista romântico. Primeiro poeta do piano, sua obra foi imediatamente popular e sempre transcendeu os caprichos da moda. Herói nacional, sua música sofisticadamente elaborada é reputada por seu lirismo, pureza e encanto delicado. A música mais famosa de Chopin é, certamente, a Marcha fúnebre da Sonata em Mi bemol, Op. 35.

A musicalidade profunda e sensível de Robert Schumann (1810-1856) mergulhou o ouvinte no remoto e enigmático mundo interno do compositor, talvez o mais misterioso do período romântico. Sua música é ao mesmo tempo imaginosa, introspectiva e bombástica. Atrevidamente original, e às vezes impraticável, Schumann captou, como ninguém, o espírito inocente dos primórdios da literatura romântica alemã. A Sinfonia nº 3, Renana, a suíte Carnaval para piano e o ciclo de canções Dichteliebe são pérolas de seu legado.

Franz Liszt (1811-1886) pode ser considerado a figura central do movimento romântico. Ainda jovem, incendiou a Europa com seu assombroso talento ao piano. Aos poucos foi reconhecido como compositor, desenvolvendo o potencial do piano e o papel do pianista. Trabalhou incansavelmente para promover a obra dos colegas, lecionando depois a gerações de pianistas e compositores. Entre as suas obras-chave estão a Sinfonia Fausto, a Sonata para piano em Mi menor, o Concerto para piano nº 1 e os Estudos Transcendentais.

Giuseppe Verdi (1813-1901) compôs óperas ao longo de toda a sua vida. Desenvolveu sua arte a partir das influências de Rossini, Bellini e Donizetti, passou pelo uso das formas da grand opéra francesa em óperas escritas para Paris e, finalmente, chegou à criação de grandes obras-primas shakespearianas, Otello e Falstaff, nas quais se esboçavam algumas das inovações de Wagner na forma lírica. Sua originalidade e fecundidade não têm paralelo. La traviata, Il trovatore, Macbeth, Nabucco, Rigoletto, Aida e o Réquiem são pérolas de sua produção.

Richard Wagner (1813-1883) reinventou a ópera como drama musical. Sua meta era um Gesamtkunstwerk, uma “obra de arte total” combinando poesia, drama, música, canção e pintura. Escreveu texto e música de seus dramas musicais maduros e supervisionou a montagem e o espetáculo como seu próprio diretor e regente. Construiu o Festpielhaus em Bayreuth como palco ideal para o seu Ciclo do Anel e sua última grande obra, Parsifal. Merecem menção, ainda, as óperas Tannhäuser, Tristão e Isolda e Die Meistersinger von Nürnberg.

Anton Bruckner (1824-1896) desempenhou papel importante no desenvolvimento da sinfonia. Embora fosse compositor romântico, utilizou – e expandiu – estruturas clássicas como a forma sonata em suas sinfonias, sendo particularmente influenciado pela obra de Wagner. Bruckner também foi organista e, além de compor nove sinfonias, produziu diversas obras corais, sacras e instrumentais. Na sua produção, destacam-se a Missa nº 1 em Ré maior, as Sinfonias nº 3 e nº 9 e o Te Deum.

Johannes Brahms (1833-1897) é uma figura de proa da música do século XIX, talvez o último grande compositor da tradição clássica. Descrito certa vez como a antítese fora de moda de Wagner e Liszt, sua obra revelou-se não apenas poderosamente tocante, como importante influência no desenvolvimento da música do século XX. Homem descompromissado, e às vezes difícil, compôs obras-primas em todos os gêneros (exceto a ópera), como as Sinfonias nº 1 e nº 4, o Concerto para violino, o Réquiem Alemão e o Concerto para piano nº 2.

Talento precoce, Georges Bizet (1838-1875) dedicou grande parte de sua breve e criativa vida à ópera, para a qual escreveu sua melhor música. Embora aclamado como compositor de concerto quando morreu, é por sua obra de vanguarda Carmen que agora é lembrado. Com Carmen, mudou o curso da ópera francesa, consolidando um estilo no drama naturalista e na música sensual que alcançaria o auge décadas depois.

A música intensa de Piotr Ilich Tchaikovsky (1840-1893) condensa diversas influências num estilo original: música folclórica russa com técnica europeia ocidental; nacionalismo com um programa profundamente pessoal; o bombástico com o belo e o assombroso. Os efeitos da homossexualidade do compositor sobre sua obra e o mistério acerca de sua morte continuam gerando especulação e controvérsia, mas sua música permanece popular. Os seus balés O lago dos cisnes e O quebra-nozes, o Concerto para piano nº 1 e a Abertura 1812 são muito famosos.

Giacomo Puccini (1858-1924) foi o último da grande linhagem de compositores italianos de ópera romântica. Com Turandot, sua obra-prima inacabada, pode-se considerar a tradição consumada, embora nessa obra Puccini já explorasse grande parte da nova linguagem musical do século XX. Suas óperas mais populares, La bohème, Madama Butterfly e Tosca, mostram seu talento para hipnotizar as plateias com pura intensidade dramática. Baseiam-se em histórias apaixonadas de amor, vingança e traição.

Conhecido, sobretudo, como maestro durante sua curta vida, Gustav Mahler (1860-1911) compunha nas horas vagas. Seus lieder de grande escala com orquestra e suas nove sinfonias épicas, intensas e emocionalmente exaustivas (mais o esboço de uma décima), estão entre as peças mais gravadas e requisitadas do repertório. É considerado um elo entre a tradição austro-alemã do século XIX e o Modernismo do século XX. Entre suas músicas destacam-se a Canção da terra, as Canções para crianças mortas e a Sinfonia nº 5.

Richard Strauss (1864-1949) começou sua carreira compondo poemas sinfônicos e a encerrou como o maior compositor de óperas da época. Sua trajetória, que raramente escapou à controvérsia, atravessou os últimos dias do Império Austríaco e o período inteiro da Alemanha nazista, com a qual o compositor permitiu envolver-se. As obras-primas de Strauss são seus poemas sinfônicos, como Assim falou Zaratustra (do filme 2001: Uma odisseia no espaço), seus lieder e as grandes óperas, como Elektra, Salomé e Ariadne auf Naxos.

Outros mestres do Romantismo também deixaram respeitáveis legados musicais, como Giacomo Meyerbeer (alemão, 1791-1864), Saverio Mercadante (italiano, 1795-1870), Charles Gounod (francês, 1818-1893), Jacques Offenbach (1819-1880), Franz von Suppé (austríaco, 1819-1895), César Auguste Franck (belga, 1822-1890), Johann Strauss II (austríaco, 1825-1899), Léo Delibes (francês, 1836-1891), Jules Massenet (francês, 1842-1892), Engelbert Humperdinck (alemão, 1854-1921) e Franz Lehár (1870-1948).

O próximo artigo analisará mais profundamente as escolas nacionais que se desenvolveram durante o século XIX e início do XX. À medida que os Estados-nação surgiam, a música transformou-se em veículo de afirmação nacional para vários artistas, como Mussorgsky, Dvorák, Sibelius, Ravel, Elgar, Grieg, Rodrigo e Villa-Lobos.

(*) Frederico Toscano trabalha no Ministério da Ciência e Tecnologia, tem mestrado em Administração e é autor do blog Euterpe (http://euterpe.blog.br), especializado em música clássica.