Frederico Toscano (*)

“Músicos na corte dos Medici” de Antonio Domenico Gabbiani (1652-1726). Palazzo Pitti, Florença (Itália).

“Músicos na corte dos Medici” de Antonio Domenico Gabbiani (1652-1726). Palazzo Pitti, Florença (Itália).

Barroco é o termo geral atribuído ao estilo artístico que predominou do final do século XVI a meados do século XVIII, inicialmente na Itália, difundindo-se pelos países católicos da Europa e da América, antes de atingir, de forma modificada, as regiões protestantes e alguns pontos do Oriente. Originalmente, “barroco” era um termo pejorativo, mas na época em que os músicos o adotaram havia perdido grande parte de sua conotação negativa.

Pode-se considerar o Barroco uma continuação natural do Renascimento, pois ambos os estilos compartilharam de um profundo interesse pela arte da Antiguidade clássica. O Renascimento enfatizava qualidades de moderação, economia formal, austeridade, equilíbrio e harmonia. O tratamento barroco, porém, distinguia-se por mostrar maior dinamismo, contrastes mais fortes, dramaticidade exacerbada, exuberância e tendência ao decorativo, além de manifestar uma tensão entre o gosto pela materialidade opulenta e a vida espiritual. O período foi dos mais criativos – de Shakespeare e Cervantes na literatura a Newton e Galileu na ciência.

A música também floresceu. Trata-se de uma das épocas de maior extensão, fecunda, revolucionária e importante da música ocidental, e provavelmente também a mais influente. Por volta de 1590, um novo estilo musical emergiu em contraste com a polifonia exuberante de Palestrina e seus contemporâneos (vide artigo anterior). Em lugar de complexas partes entrelaçadas, o novo estilo colocava a voz ou instrumento sobre um acompanhamento simples, que consistia numa linha de baixo apoiada levemente por acordes (o baixo contínuo). Havia, em geral, dois instrumentos fazendo o contínuo: um teclado, alaúde ou guitarra com um instrumento grave, como violoncelo, viola baixo ou fagote.

O temo “monodia” (do grego, “uma melodia”) se refere a essa nova combinação de solista e baixo contínuo. A monodia dava ao intérprete a liberdade de embelezar e ornamentar a linha melódica a seu bel-prazer, algo impensável no velho estilo polifônico. Esse novo estilo permitiu aos compositores transmitir o texto claramente por meio de uma voz solista, enquanto vários cantores podiam interpretar as palavras mais dramaticamente. Foi a monodia que tornou a música dramática (ópera) possível.

A invenção da ópera é atribuída a um grupo de artistas de Florença conhecidos como Camerata Fiorentina, entre eles os compositores Giulio Caccini e Jacopo Peri e o poeta Ottavio Rinuccini, que tentaram recriar o estilo cantado do drama grego antigo. Em 1598 os três colaboraram em Dafne, a primeira ópera autêntica.  Dois anos depois, Peri e Caccini escreveram uma ópera sobre o mito de Orfeu, Euridice. O ritmo da música deveria ser derivado da fala, e todos os elementos musicais contribuíam para descrever o sentimento representado no texto – a chamada “doutrina dos afetos”, de grande influência para o desenvolvimento da música barroca. Essa nova forma de arte combinaria uma gama de números musicais (falas recitadas, árias tocantes, coral e partes instrumentais) dentro de uma estrutura narrativa global.

A Igreja Católica censurou temas “imorais” de algumas óperas e as proibiu durante o Advento e a Quaresma. O vazio era preenchido por outro tipo de música vocal dramática: o oratório. O nome “oratório” provém da Congregação do Oratório, que realizava apresentações de música sacra, em Roma, entre 1571 e 1594. Embora, como a ópera, usasse recitativos, árias, duetos e peças instrumentais, o oratório não era encenado no palco nem tinha figurinos ou cenários, e tendia para assuntos bíblicos. A ópera cômica foi um desdobramento tardio do gênero, ganhando corpo nos anos 1730. Nasceu de peças cômicas curtas (intermezzi), como La serva padrona, de Pergolesi (1738), apresentadas nos intervalos entre os atos de óperas-sérias (estilo nobre de ópera italiana).

A ópera não foi a única forma musical a se desenvolver. Algumas cortes da Europa mantinham conjuntos de câmara (pequeno grupo de instrumentos ou vozes) como marca de prestígio. Isso criou uma demanda por sonatas e concertos para entreter os nobres patronos e seus convidados. Na sonata, o violino ganhou repertório novo e gerou um interesse crescente pelo seu potencial. Foi também a era dos grandes fabricantes de violino de Cremona – Amati, Stradivari e Guarnieri. Pela primeira vez na história, canto e instrumento estão em perfeita igualdade.

O século XVII também assistiu ao nascimento da orquestra, impulsionada em grande parte por sua crescente importância na ópera. A orquestra no período barroco não tinha uma estrutura fixa, pois havia grande variação entre as formações empregadas por cada compositor, ou mesmo entre obras diferentes do mesmo compositor. Mas já se podiam ver as tendências que se afirmariam plenamente no período clássico: substituição dos instrumentos da família das violas pelos da família dos violinos; abandono da grande variedade de instrumentos antigos de sopro; e a prática de escrever para as cordas em quatro partes, como se fossem as quatro vozes de um coral. A música de teclado (sobretudo para cravo e órgão) também floresceu, e virtuoses como Johann Pachelbel e os Couperin ficaram conhecidos nos círculos das cortes e igrejas.

Embora as inovações do Barroco primitivo não tenham se originado na Itália, estilos nacionais distintos começaram a surgir: o italiano, de predominância melódica, virtuosístico com grande senso de métrica; o francês, desenvolvido por Lully na corte de Luís XIV, bastante influenciado pelos ritmos de dança; o alemão, levado ao auge por Bach, era essencialmente um híbrido dos dois, com o acréscimo do elemento contrapontístico.

Principais compositores

Mais do que qualquer outro compositor, Claudio Monteverdi (1567-1643) definiu a transição do estilo renascentista para o barroco. Embora seus primeiros madrigais reflitam ainda a exuberância do Renascimento tardio, Monteverdi abraçou o novo estilo. Sua ópera L’Orfeo, que explorava as possibilidades musicais e dramáticas do barroco, marcou o início de uma nova era. Os documentos de Monteverdi, além de seus madrigais, música sacra, como Vespro della Beata Vergine, e óperas nesse estilo, fizeram dele o compositor mais influente da época.

Jean-Baptiste Lully (1632-1687) era filho de um moleiro italiano e se radicou na França. Sua rápida ascensão a um importante posto na corte de Luís XIV fez dele o compositor mais influente da música francesa. A morte de Lully é famosa: enquanto regia marcando o tempo com um bastão, batendo-o no chão, atingiu o próprio pé, resultando numa gangrena fatal. Entre suas grandes obras estão o balé Le Bourgeois Gentilhomme e a ópera Armide.

Arcangelo Corelli (1653-1713) foi o mais famoso violonista-compositor do Barroco, e um dos mais influentes depois de Monteverdi. A partir de 1679, tornou-se músico da rainha Cristina da Suécia. Embora sua produção integral resuma-se a seis antologias, sua escrita instrumental era admirada pelo refinamento harmônico e estilo brilhante, tendo sido referência crucial para muitos compositores, entre eles Bach e Händel. Em 1714 publicou os 12 Concerti grossi Op. 6, sua série de concertos mais importante, que representou uma nova forma de composição.

Johann Pachelbel (1653-1706) foi um dos expoentes da música de teclado e de câmara do final do século XVII europeu. Embora conhecido, sobretudo, por seu Cânone em Ré maior, destacou-se como organista e compositor prolífico. Seu patrono, o duque de Saxe-Eisenach, descreveu-o certa vez como um “virtuose raro e perfeito”, sendo também dignos de menção o desenvolvimento que imprimiu ao coral de órgão como forma musical e suas inumeráveis Fugas para Magnificat.

François Couperin (1668-1733) desde cedo ofuscou a reputação de seu famoso tio compositor, Louis, primeiro como organista, depois como autor de obras para teclado. Suas Pièces de clavecin, peças-miniatura para cravo, foram descritas como “tesouros nacionais”, permanecendo marcos do repertório para teclado e símbolo da música barroca instrumental francesa. Era organista-compositor da corte de Luís XIV e tutor musical dos filhos do rei.

Apesar de uma vida relativamente breve, Henry Purcell (1659-1695) permanece um dos mais importantes compositores ingleses. Sua facilidade em compor para todos os gêneros e públicos, sua popularidade na corte durante os reinados de três monarcas e sua vasta produção de odes, música cênica, anthems sacros, canções e catches seculares, música de câmara e voluntaries para órgão são uma prova clara de seu prodigioso talento. As óperas The Fairy Queen e Dido and Aeneas são suas obras-primas.

Um dos mais celebrados compositores barrocos, Antonio Vivaldi (1678-1741) foi também um dos mais prolíficos. Além de seus mais de 500 concertos, produziu muitas óperas, obras sacras vocais (incluindo seu famoso Gloria) e várias outras obras instrumentais, enquanto seu virtuosismo ao violino lhe trouxe fama internacional. É mais conhecido por sua poética obra As quatro estações. A qualidade da música de Vivaldi – temas concisos, clareza da forma, vitalidade rítmica, textura homofônica, frases equilibradas, diálogo dramático entre solista e conjunto – influenciaram diversos compositores, como Bach. Uma série muito interessante que detalha As quatro estações está disponível neste endereço: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/vivaldi-a-primavera.

Considerado o compositor mais prolífico da história, com mais de 3.700 obras catalogadas, Georg Philipp Telemann (1681-1767) ganhou renome internacional tanto pela qualidade de sua música – que sempre refletiu a moda musical corrente – como pela ampla difusão de suas obras. Seu periódico pioneiro Der getreue Musikmeister fornecia a músicos amadores e diletantes peças instrumentais e vocais para saraus domésticos. Nesse modelo, sua obra mais famosa é a Musique de Table, analisada com áudios neste post: http://euterpe.blog.br/historia-da-musica/musique-de-table-ou-o-marketing-de-telemann.

Jean-Philippe Rameau (1683-1764) não foi apenas o compositor francês mais importante do século XVIII, como também influenciou a teoria musical com seu tratado. Seu estilo de composição lírica pôs fim ao reinado de Lully, cujo modelo fora seguido por meio século. Também cravista e organista, Rameau escreveu diversas peças para teclado. Suas obras ricamente ornamentadas destacam-se como a síntese do estilo Rococó. Suas famosas Pièces de clavecin foram publicadas em 1724. Aos 50 anos compôs sua primeira ópera, Hippolyte et Aricie, que agradou a Luís XV, proporcionando-lhe várias encomendas reais.

As maiores contribuições do cravista e compositor Domenico Scarlatti (1685-1752) foram suas sonatas para teclado em um único movimento. Embora nascido no mesmo ano de Bach e Händel, o estilo leve e homofônico de Scarlatti é mais característico do período anterior, revelando também inovadoras abordagens da harmonia. Entre suas obras mais importantes estão as Sonatas em Lá maior K181 e K182, além do Salve Regina e do Stabat Mater.

Georg Friedrich Händel (1685-1759) foi o típico artista e empreendedor do século XVIII. Representou a síntese da música instrumental alemã com o canto lírico italiano na Inglaterra. Embora Händel seja mais conhecido por sua Water Music, Music for the Royal Fireworks e pelo Messiah, o foco de sua carreira estava nas obras dramáticas. Escreveu as mais belas óperas do Barroco tardio, como Rinaldo e Giulio Cesare in Egitto. Händel era alemão e se tornou cidadão britânico em 1727. Escreveu quatro majestosos anthems para a coroação de Jorge II naquele ano, obras desde então cantadas em toda cerimônia de coroação britânica, incluindo a da rainha Elizabeth II.

Enquanto vivo, Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi mais conhecido como organista. No final do século XVIII, contudo, sua obra musical para teclado e canto e peças instrumentais foram redescobertas por uma plateia nova e mais sensível, admiradora de sua qualidade única. Também conhecido como 48 prelúdios e fugas, a série O cravo bem-temperado representa uma vida de trabalho de Bach. São peças que exploram toda a área do teclado do cravo. Suas Seis suítes para violoncelo solo são obras-chave para o instrumento, de caráter sofisticado e contido. A composição mais emblemática de Bach talvez seja, entretanto, a Paixão segundo São Mateus. Uma das obras-primas da música ocidental, trata-se um trabalho grandioso para coro duplo, orquestra dupla, dois órgãos e solistas.

Outros compositores que deixaram importantes legados complementam essa lista, como Gregorio Allegri (1582-1652), Orlando Gibbons (inglês, 1583-1625), Girolamo Frescobaldi (italiano, 1583-1643), Francesco Cavalli (italiano, 1602-1676), Heinrich Schütz (alemão, 1585-1672), Dietrich Buxtehude (dinamarquês, 1637-1707), Marc-Antoine Charpentier (francês, 1643-1704), Heinrich Biber (austríaco, 1644-1704), Marin Marais (francês, 1656-1728), Alessandro Scarlatti (italiano, 1660-1725), Tomaso Albinoni (italiano, 1671-1750), Giuseppe Tartini (italiano, 1692-1770), Giovanni Battista Pergolesi (italiano, 1710-1736) e Thomas Arne (inglês, 1710-1778).

No próximo artigo, traremos a era clássica, que envolve a música produzida entre 1750 e 1820, período em que compositores como Mozart e Beethoven desenvolveram um estilo musical novo e mais objetivo, cujas máximas (clareza, contenção e equilíbrio) refletiam valores intelectuais e artísticos contemporâneos. Praticamente todo o desenvolvimento posterior na arte musical ocidental pode ser remontado a esse período.

(*) Frederico Toscano trabalha no Ministério da Ciência e Tecnologia, é mestre em Administração e autor do blog Euterpe [http://euterpe.blog.br], especializado em música clássica.