As redes sociais têm sido invadidas, nos últimos meses, por uma avalanche de notas e artigos, tentando provar que não existe déficit da previdência social no Brasil. Citam e divulgam estudos e documentos (principalmente da ANFIP- Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) que fundamentam sua posição num artifício contábil malicioso. Para esconder o péssimo desempenho financeiro do sistema previdenciário, estes estudos confundem, intencionalmente, o Regime Geral da Previdência Social com a Seguridade Social, sistema mais amplo do qual faz parte a previdência dos trabalhadores do setor privado. Como está definido na Constituição brasileira, a Seguridade Social reúne o Regime Geral da Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social, e conta com duas fontes diferentes de financiamento: a arrecadação previdenciária dos trabalhadores e dos seus empregadores, que deve cobrir as despesas com benefícios e pensão da previdência; e os impostos e taxas com propósito social (principalmente COFINS, CSLL e PIS/PASEP) fonte de financianciamento da Saúde e da Assistência Social.
Os estudos que tentam negar o déficit da previdência social misturam as fontes e as despesas para mostrar o resultado positivo da Seguridade Social como se fosse saldo previdenciário. Na verdade, como mostra a tabela abaixo, o saldo de R$ 11,22 bilhões de reais da Seguridade Social, em 2015, esconde um déficit de R$ 83,54 bilhões de reais do Regime Geral da Previdência Social (despesas com benefícios de R$ 436,09 bilhões para uma arrecadação previdenciária de apenas R$ 352,55 bilhões).
Desempenho financeiro da Previdência Social e da Seguridade Social
Receita | Despesa | Saldo | |
Previdência social (A) | 352,55 | 436,09 | -83,54 |
Saúde e assistência social (B) | 341,84 | 247,08 | 94,76 |
Seguridade social (A+B) | 694,39 | 683,17 | 11,22 |
Fonte: ANFIP – Previdência Social – contribuição ao debate – Vanderley José Maçaneiro – “Financiamento da Previdência Social: Receitas, Renúncias e Recuperação de Créditos” – Maio 2016.
A tabela comprova o enorme déficit do Regime Geral da Previdência Social (R$ 83,54 bilhões), e demonstra que o mesmo está sendo financiado com recursos de impostos e taxas com propósito social, que deveriam ter sido aplicados em saúde e assistência social, num claro e inaceitável desvio de propósito. O sistema de previdência social deve ser financiado exclusivamente pela contribuição dos trabalhadores e seus empregadores, e não pode penalisar outros segmentos altamente relevantes e carentes da Seguridade Social (Saúde e Assistência Social) para cobrir a insuficiência da arrecadação previdenciária. Os que negam o déficit da previdência estão, no fundo, defendendo ou justificando a contenção dos gastos em Saúde e Assistência Social para financiar o buraco previdenciário.
A situação é mais grave ainda porque o déficit identificado acima considera apenas o Regime Geral da Previdência Social (INSS), que trata dos trabalhadores do setor privado e, portanto, omite o elevado e crescente déficit do Regime Próprio da Previdência Social, que contempla os servidores públicos (não incluido na Seguridade Social). Em 2015, o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) da União registrou um déficit de R$ 72,5 bilhões (SIAFI/STN e Boletim Estatístico da Previdência Social). Além deste rombo do RPPS, que contém apenas os servidores públicos da União, estudo da FGV-Fundação Getúlio Vargas/IBRE estima que a previdência dos sevidores públicos dos Estados da Federação teve, em 2015, um déficit de R$ 77 bilhões. Ou seja, o sistema de previdência do setor público (União e Estados) já apresentava, em 2015, um déficit total de R$ 150 bilhões de reais (ou 2,6% do PIB).
Ao contrário da pós-verdade difundida na rede social, a previdência social (RGPS e RPPS) já é altamente deficitária no presente. E tudo conspira para o aumento continuado do rombo no sistema de previdência, nas próximas décadas, como resultado do acelerado envelhecimento da população brasileira e, portanto, do número de beneficiários (aposentadorias e pensões). De acordo com projeção do IBGE, a população idosa (60 anos e mais) dobrará em vinte anos, saltando de 24 milhões, em 2015, para 48 milhões, em 2035, quando representará 21% da população brasileira (para maiores detalhes sobre a crise da Previdência, ver nesta revista “O nó da Previdência Social” – https://revistasera.info/o-no-da-previdencia-social-sergio-c-buarque/). Assim, sem a realização de uma reforma ampla e profunda da previdência social (principalmente do servidor público), o déficit previdenciário vai continuar subindo e presssionando as finanças públicas, cobrando cada vez mais recursos de fontes que são destinadas à saúde e à assistência social (os impostos e taxas com propósito social), ou comprometendo outros itens do Orçamento da União.
Sérgio C. Buarque é membro do Movimento Ética e Democracia
MAS NÃO FOI O POVO QUEM FEZ ESSE DÉFICE…..É SÓ TIRAR DOS ROUBOS DOS POLÍTICOS E ZERAR ESSA CONTA….COMEÇANDO DO ZERO….TIRE DO PRÓPRIO PRESIDENTE, TB.
Li com muita atencao este texto de meu amigo e colega Sergio Buarque, que contem muitos dados interessantes. Mas este texto nao faz nenhuma referencia a alguns aspectos importantes desta questao.
Neste texto, Sergio se opoe a que recursos recolhidos especificamente para a Seguridade social sejam utilisados para a Previdencia social que eh uma das partes da Seguridade social. Mas ele nao faz nenhuma referencia ao fato que uma parte importante destes recursos recolhidos especificamente para a Seguridade social sao desviados para pagamento
dos juros da divida publica (DP), que nao teem nada a ver
com a Seguridade social. Estes desvios sao feitos atravez de DRU (Desviacoes de Rendas da Uniao). Com a PEC 31/2016, aprovada em 13 de julho de 2016 e em vigor retroativamente desde 1 de janeiro 2016, 30 % das contribuicoes sociais podem ser desviadas para outros fins. Segundo o Senador Jose Maranhao, do PMDB da Paraiba, autor do relatorio aa Comissao de Constituicao, Justica e Cidadania (CCJ) do Senado, isso
significa 110,9 bilhoes de Reais anualmente (*). As Desviacoes de Rendas da Uniao foram criadas em 1994 no governo FHC e permitiam o desvio de ate 20 % das contribuicoes sociais para outros fins.
Nos ultimos anos, uma parte significativa dos recursos recolhidos especificamente para a Seguridade social foi desviada atravez de DRU para o pagamento dos juros da divida publica (DP). Segundo a Associacao Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal, so no ano de 2015 o montante desviado da seguridade social para o pagamento destes juros foi de 63 bilhoes de R$. Se nao tivessem havido estes desvios, as receitas recolhidas especificamente para a Seguridade social teriam sido muito superiores aas suas despesas que incluem as da Previdencia social.
O texto de Sergio tambem nao se refere aos beneficios concedidos aas empresas nem aas politicas de incentivo e renuncias fiscais, cada um destes itens reduzindo a receita da Previdencia social em dezenas de bilhoes de Reais
a cada ano.
A nossa Constituicao estabelece claramente a integracao da Previdencia social com a Seguridade social. O seu artigo 194 estabelece que : ‘A seguridade social compreende um conjunto INTEGRADO de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social’.
Esta integracao eh tambem referida no artigo 195, paragrafo IV § 2º aonde esta indicado que : ‘A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma INTEGRADA pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada
a cada área a gestão de seus recursos’.
O artigo 195 paragrafo IV § 4º estabelece que ‘A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I’. Mas o que tem acontecido eh o inverso. Usando as DRU (Desvinculacao de Receitas da Uniao), se tem transferido receitas da Seguridade social para o pagamento dos juros da DP. Como dito acima, so no ano de 2015, 63 Bilhoes de R$ da receita da Seguridade social foram transferidos para o
pagamento destes juros.
No seu texto, Sergio afirma que : ‘O sistema de previdência social deve ser financiado exclusivamente pela contribuição dos trabalhadores e seus empregadores, e não pode penalisar outros segmentos altamente relevantes e carentes da Seguridade Social (Saúde e Assistência Social) para cobrir a insuficiência da arrecadação previdenciária. Os que negam o déficit da previdência estão, no fundo, defendendo ou justificando a contenção dos gastos em Saúde e Assistência Social para financiar o buraco previdenciário’.
Eu gostaria de fazer 2 comentarios especificos sobre este paragrafo de Sergio.
1- Nao me parece razoavel isolar a Previdencia social da Seguridade social. Como dito acima, a nossa Constituicao estabelece claramente a integracao entre a Seguridade social e a Previdencia social. A nocao de Seguridade social esta intrinsicamente ligada aa previdencia social. A expressao Seguridade social foi usada pela primeira vez no mundo nos
Estados Unidos no ‘Social Security Act’ que dispôs em um mesmo sistema as principais modalidades de seguro e de assistência social (**).
Se costuma considerar a nocao de seguridade social como sendo (***) :
‘[..] um amplo sistema de proteção social, indispensável ao
processo de reprodução da força de trabalho e, portanto, do próprio capital. Esta proteção é oferecida aos trabalhadores em caso de perda ou esgotamento, parcial ou total, temporário ou definitivo, de sua força de trabalho ou das condições de exercê-la– por velhice, doença, acidente ou pela ocorrência de condições sociais adversas, sejam elas conjunturais (ligadas ao ciclo econômico), sejam elas estruturais (resultantes da impossibilidade, para milhões de pessoas que vivem em condições de miséria absoluta, de ter acesso aos mercados formais de trabalho)’.
Podemos tambem considerar que (****):
‘A seguridade social consiste num pacto pelo qual os desiguais
habitantes de um país reconhecem na cidadania uma medida de
igualdade, não apenas formal, mas substantiva, que a todos
capacita ao gozo do patrimônio comum de uma vida digna e
civilizada’.
Quem quiser aprofundar esta questao, eu recomendaria consultar a tese de doutorado no Instituro de Economia da UFRJ de Dr. Denise Lobato Gentil, ‘A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005’ (*****).
2- Ninguem nega que as receitas da Previdencia social sao atualmente inferiores aas suas despesas. O que se diz eh, por um lado, que este deficit eh devido aos beneficios concedidos aas empresas e aas politicas de incentivo e renuncias fiscais. E por outro lado, como o conceito da Seguridade social inclue a Previdencia social, nao tem sentido exigir que as receitas da Previdencia social cubram todas as suas despesas.
As pessoas que se opoem aa reforma da Previdencia social nao estao ‘defendendo ou justificando a contencao dos gastos em Saude e Assitencia social para financiar o buraco previdenciario’. Elas estao se opondo :
– aa transferencia para o pagamento de juros da divida publica de recursos recolhidos especificamente para a Seguridade social,
– aa reducao das receitas da Previdencia social devida aos beneficios concedidos aas empresas e aas politicas de incentivo e renuncias fiscais
Um abracao
Joao Baltar
(*) Ver no site do Senado Federal :
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/07/13/desvinculacao-de-receitas-da-uniao-de-estados-e-municipios-e-aprovada-pela-ccj
Desvinculação de receitas da União, de estados e municípios é aprovada pela CCJ
www12.senado.leg.br
A Desvinculação de Receitas da União (DRU) — que dá ao governo liberdade para realocar 30% das receitas obtidas com taxas e contribuições de aplicação específica — poderá ser estendida a estados e municípios e prorrogada até 31 de dezembro de 2023. É o que prevê o relatório de José Maranhão (PMDB-PB) à Proposta de Emenda à Constituição 31/2016, aprovado nesta quarta-feira (13) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O texto será agora submetido a dois turnos de votação no Plenário do Senado.
(**) SUSSEKIND, Arnaldo. Previdência Social Brasileira. Rio de Janeiro,
Freitas Bastos, 1995.
(***) ARAÚJO, Odília Sousa (2004). A reforma da previdência social
brasileira no contexto das reformas do Estado: 1988 a 1998. Natal, EDUFRN-Editora da
UFRN, 2004.
(****) VIANNA, Maria Lúcia Teixeira Werneck. A americanização (perversa)
da seguridade social no Brasil. Estratégias de bem-estar e políticas
públicas. Rio de Janeiro, Revan, UCAM, IUPERJ, 1998.
(*****) Lobato Gentil, Denise (2006) – Tese de PhD A Política Fiscal e a
Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do
período 1990–2005. – Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de
Economia Programa de Pós-Graduação – Doutorado
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/teses/2006/a_politica_fiscal_e_a_falsa_crise_da_seguraridade_social_brasileira_analise_financeira_do_periodo_1990_2005.pdf
Por que o “detalhe” dos desvios para outras finalidades que o governo subtrai desses impostos, atualmente em 20%, e que querem aumentar para 30% não são citados?
Para onde vão os 4% que são destinados de todas as loterias e lotericas do Brasil, para a Previdência Social?????
Imaginem quanto é arrecadado diariamente.
Há mais mentiras e omissões do que possa sonhar a nossa vã filosofia!
Quais são, Raul, estas mentiras e omissões. Seria bom que pudesse explicitar e esclarecer.
O dinheiro que saiu e sai da Previdência Social, para cobrir “despesas” de vários setores governamentais, JAMAIS voltou, volta nem voltará.
Caro João
A questão da previdência social é bastante complexa e pode ser abordada por diferentes pontos de vista e diversos tratamentos conceituais e contábeis. Você levanta algumas questões interessantes e que não teriam sido tratadas pelo meu artigo porque tinha um propósito bem concreto: questionar a tese de inexistência de déficit na previdência social que você ressalta citando principalmente a tese de Denise Gentil de 2006. Como era um artigo curto e objetivo não poderia tratar de todos os aspectos o que me levou a sugerir que, se algum leitor tivesse interesse num aprofundameto do tema, poderia procurar o ensaio publicado na mesma Revista Será? intitulado “O nó da previdência”.
Sua principal crítica ao meu artigo é precisamente a análise que separa, dentro da Seguridade social, o orçamento diretamente vinculado à Previdência social sempre lembrando que este diz respeito apenas ao Regime Geral da Previdência Social e, portanto, não inclui a previdência dos servidores públicos. É verdade que a Constituição agrega os três componentes da Seguridade Social – Previdência social (Regime Geral), Saúde e Assistência Social – mas é igualmente verdade que estes têm características muito diferenciadas de fontes de financiamento e de beneficiários. No que se refere aos beneficiários temos três conjuntos diferentes que não podem ser tratados de forma semelhante: a Previdência beneficia os trabalhadores inativos e seus dependentes que, no INSS representa, atualmente, cerca de 31 milhões de pessoas; a Assistência social beneficia a parcela da população vulnerável em termos de renda (miseráveis, idosos e deficientes pobres) que envolve, atualmente, 4,24 milhões de idosos e deficientes pobres, 160 mil com Renda Mensal Vitalícia, e 13,88 milhões de famílias com Bolsa Família; finalmente, a Saúde deve beneficiar, em princípio, toda a população brasileira que demandem atendimento de saúde pública. Quando analisamos as fontes, também é claro que há uma relação direta entre Previdência social e contribuição dos trabalhadores ativos e seus empregadores, sendo as contribuições sociais (COFINS, CSLL e PIS/PASEP) destinadas aos outros componentes da seguridade social.
Sem desconhecer a definição constitucional, a análise consiste em destacar que, além dessa diferença de beneficiário, as fontes de financiamento também devem ser explicitadas para não jogar na vala comum benefícios tão diferenciados na qualidade. Neste sentido, a Previdência social que beneficia trabalhadores inativos deve ser financiada com recursos da sua contribuição e das suas empresas e não com as outras contribuições que devem ser destinadas à Saúde e à Assistência social. Previdência social não é assistência social porque não tem o objetivo de proteger vulneráveis, mas sim de garantir vida dígna para quem trabalhou e contribuiu para o sistema. Analisando o desempenho da seguridade social com esta diferença, fica evidente que tem sobrado recursos da Saúde e da Assistência Social e faltado muito da Previdência. Não é apenas um tratamento contábil. É a definição de fontes e destinos dos recursos para mostrar que o sistema de previdência está comendo recursos que deveriam ser alocados nos dois outros componentes, principalmente na Saúde que, reconhecidamente, está um lixo no Brasil. Essa é uma decisão política (mais do que apenas constitucional) mas que tem implicações na distribuição orçamentária da União e numa reflexão sobre justiça social.
Em relação à DRU-Desvinculação de Receita da União, a PEC 93 que foi aprovada em setembro deixa explicito que a desvinculação não comprometerá as despesas do Regime Geral da Previdência Social. Até porque o sistema é deficitário e os benefícios previdenciários são despesas obrigatórias que não podem ser contingenciadas, ao contrário da Saúde e da Assistência Social que, nos últimos anos, têm sofrido contingenciamento. Por outro lado, me parece estranho o dado da ANFIP- Associacao Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal que você cita de um desvio de R$ 62 bilhões da Seguridade social para pagamento de juros da dívida em 2015. Estranho porque os dados divulgados pela mesma ANFIP para este ano mostram um superávit de R$ 11,22 bilhões de reais comparando receitas e despesas efetivamente realizadas; ou seja, no máximo teria sido desviado para pagamento de juros da dívida o saldo alcançado depois das despesas com Saúde e Assistência Social e cobertuda do déficit da Previdência social (os R$ 11.22 bilhões). Vale considerar, por outro lado, que o governo atual definiu um orçamento para 2017 com déficit primário o que significa que não vai pagar dívida com desvio de recursos orçamentários, o que só seria possível se tivesse superávit primário (receita maior que despesa primária).
Outro argumento que você utiliza é da renúncia fiscal. Nesse aspecto é importante separar a renúncia de impostos – IPI-Imposto de Produtos Industrializados e de Imposto de Renda – que não tem nenhum impacto na arrecadação tributária (pode até ser positivo se atrai investimento e geração de emprego), da redução de outras contribuições que podem penalisar a seguridade social (COFINS e CSLL) mas não diretamente a previdência. Excluindo a farra de renúncia fiscal da política anticíclica do governo Dilma, a maioria das renúncias existentes não pode ser alterada num prazo curto e muitas delas são politicamente muito importantes: FNE-Fundo Constitucional do Nordeste (FNO e FCO), Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, isenções de imposto de renda para o Nordeste e o Norte, isenções da Zona Franca de Manaus, além do SIMPLES que ajudou num amplo processo de formalização da economia com impacto positivo na arrecadação previdenciária.
Para concluir, dois pontos adicionais para reflexão: primeiro que toda a crítica da reforma da previdência tem se limitado ao Regime Geral e deixa de considerar o déficit do Regime Próprio (servidores públicos) que reconhecidamente não beneficia trabalhador inativo pobre e convive com enormes distorções; segundo que nenhuma crítica faz referência à evolução futura da relação entre arrecadação previdenciária e número de beneficiários que tem uma inércia de crescimento acompanhando o rápido processo de envelhecimento da população. Se estamos mal hoje, o futuro pode ser dramático. Já está sendo em vários Estados da federação.
Oi Sergio,
1- Na minha mensagem eu nao contesto a existencia de deficit atual na Previdencia social. Au contrario, eu escrevi claramente ‘ – Ninguem nega que as receitas da Previdencia social sao atualmente inferiores aas suas despesas.’. E eu recomendei a consulta aa tese de Denise Gentil por conta da discussao que ela apresenta quanto aa questao da integracao Seguridade social e Previdencia social.
2- Eh claro que a Seguridade social e a Previdencia social teem fontes de financiamento e lista de benefeciados diferentes. Mas a nossa Constituicao estabelece que estes programas sao INTEGRADOS. Como eu escrevi na minha mensagem, a nocao mesmo de Seguridade social incluse a Previdencia social.
3- O meu ponto de vista, de maneira extremamente resumida eh :
– nao tem nenhum sentido por um lado poder desviar ate 30% das receitas da Seguridade social para o pagamento dos juros da divida publica, que nao tem nada a ver com a Seguridade social, e por outro lado se opor a utilisacao destas receitas para cobrir despesas da Previdencia social que eh uma das partes integrantes da Seguridade social.
Na proxima vez que eu for a Recife, espero encontra-lo para continuarmos esta discussao enquanto caminhamos na Jaqueira.
Um abracao
Joao Baltar
Oi Sergio,
Desculpe mas nao posso deixar de me referir aa sua questao sobre o que a ANFIP- Associacao Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal afirma sobre as DRU em 2015. O montante desviado em 2015 das receitas da Seguridade social para pagamento de juros da divida publics foi de 63,8 bilhoes de R$. Voce pode ver os detalhes a partir da pagina 34 e sobretudo na tabela 4 pagina 37 do documento da ANFIP no site http://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/20161013104353_Analise-da-Seguridade-Social-2015_13-10-2016_Anlise-Seguridade-2015.pdf
Um abracao
Joao Baltar
João
Já conhecia o estudo da ANFIP que me mandou. Mas voltei a ler com atenção para entender o tal desvio de recursos da Seguridade Social provocada pela DRU. Gostaria de fazer três comentários em relação ao documento:
1. Confesso que não consigo entender como pode ter sido subtraído R$ 63 bilhões se, de acordo com a própria ANFIP, na Tabela 2 do texto, o superávit da Seguridade Social foi de apenas R$ 11,17 bilhões.
2. Mesmo desconsiderando esta inconsistência dos dados, em nenhum momento o texto diz que este desvio teria sido utilizado para pagamento de juros da dívida pública. Consegui identificar no texto apenas que “a utilização desse expediente para construir uma conta de deficit da Seguridade Social demonstra que o interesse real na desvinculação nunca foi resolver problemas de gestão financeira de recursos, mas potencializar os discursos em prol das reformas para supressão de direitos financiados pela Seguridade Social (pag. 36). O texto reclama que na receita das contribuições não foi considerada integralidade das receitas de juros e multas nem os recursos resultantes de aplicação financeira dos diversos órgãos da Seguridade Social. O que é muito diferente de sacar milhões da receita da Seguridade Social para pagamento de dívida pública.
3. Volta a confusão entre Previdência e Seguridade Social. Primeiro porque desde 2000, como diz o próprio texto, a DRU não atinge as contribuições previdenciárias. Segundo porque não conheço nenhum documento que fale em déficit da Seguridade Social, como critica acima a ANFIP (“…para construir uma conta de déficit da Seguridade Social”) mas apenas déficit da Previdência Social.
Bom, meu amigo. Quando vier ao Recife, espero não apenas compartilhar uma caminhada no parque da Jaqueira mas também um reunião para dissecar estes números. Grande abraço, Sergio
Oi Sergio,
Uma resposta rapida a cada um dos seus comentarios :
1- Como indicado explicitamente na tabela 4 da pagina 37 do documento da ANFIP, os 63 bilhoes correspondem a 20 % de cada uma das receitas da Seguridade social, que sao os limites estabelecidos para as DRU. Montantes em bilhoes de R$.
Cofins 20 % de 200,9 40,2
CSLL 20 % de 59,7 11,9
PIS/Pasep 20 % de 52,9 10,6
TOTAL 63
As informacoes que permitiriam saber quanto de cada um destes limites de desvios foi de fato desviado nao sao acessiveis ao publico. Eu citei os dados da ANFIP e indiquei a referencia.
2- Os desvios das receitas que saem do Orcamento da Seguridade social atravez das DRU vao para o Orcamento Fiscal e dai para o pagamento dos juros da divida publica. Se o governo indicasse explicitamente o caminho dos desvios de recursos da Seguridade social para o pagamento dos juros da divida, esta manobra pouco recomendavel ficaria obvia para a populacao que poderia se opor a ela mais fortemente.
3- Nao ha confusao entre Previdencia social e Seguridade social. A Constituicao de 1988 estabelece claramente que a Previdencia social eh parte da Seguridade social. E isso nao foi criacao original dos Constituintes. A nocao de Seguridade social sempre incluiu a Previdenscia social em todo lugar no mundo.
As DRU atingem as contribuicoes Cofins, CSLL e PIS/Pasep, excluindo apenas as contribuicoes especificas da Previdencia social. As DRU permitiam o desvios para outros fins de ate 20 % destas contribuicoes da Seguridade social e, a partir de 2016, permitem desvios de ate 30 % destas contribuicoes.
Eu tenho dificuldades para acreditar que voce concorda com isso.
Na proxima vez que eu for a Recife espero lhe encontrar caminhando na Jaqueira e sera um prazer continuarmos este papo.
Um abracao
Joao Baltar
Prezados Sérgio Buarque e João Baltar,
Os argumentos de ambos são muito interessantes a levantam pontos importantes. Eu sou contra a reforma da previdência que foi proposta pelo governo, não à ideia de que distorções precisam ser corrigidas.
Em primeiro lugar, deve-se separar a previdência para o setor público da previdência para o setor privado, pois a primeira não tem caráter social e deveria caminhar para critérios mais atuariais.
Em relação à previdência para o setor privado, certamente que quase todos os beneficiários são das classes C, D e E, daí a necessidade de se considerar seus impactos sociais. Então, teremos duas maneiras de encarar os benefícios previdenciários, stricto sensu, “Previdência social não é assistência social porque não tem o objetivo de proteger vulneráveis, mas sim de garantir vida digna para quem trabalhou e contribuiu para o sistema” (Sérgio Buarque), e lato sensu, como uma transferência para os indivíduos de baixa renda no país mais desigual do mundo.
O adepto do stricto sensu poderia dizer que existem formas mais eficientes de reduzir as desigualdades e assistir aos vulneráveis que pagar aposentadorias e precoces e pensões integrais. De fato. Contudo essa redução do fluxo de transferências hoje pagas como benefícios previdenciários terá tal finalidade mais eficiente? Caso tivéssemos garantido que esse fluxo de recursos economizados fosse para a saúde, bolsa família e outras ações que reduzam as desigualdades, eu apoiaria e aposto que teria o apoio dos setores mais sensatos que hoje são contrários à reforma da previdência.
Por isso, proponho que o foco de análise dessas medidas fiscais seja de quem ganha e quem perde. Na proposta do governo, perdem as classes de mais baixa renda, que têm prorrogado o acesso a um “bônus” para amenizar as restrições orçamentárias da família. Existem propostas alternativas, como passar uma parte do custo do ajuste fiscal para os milionários, com a cobrança de imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos: http://cofecon.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3143:carta-aberta-a-presidencia-da-republica-e-ao-congresso-nacional&catid=206&Itemid=840
Outra alternativa seria reduzir a remuneração do capital rentista, baixando mais rapidamente e em maior magnitude as taxas básicas de juros. Alguns enxergam o comportamento dessas taxas como uma lei da natureza, com base em dois argumentos:
(i) “Seria o mínimo exigido pelo mercado para carregar a dívida pública.” Não vejo muito sentido termos a primeira ou segunda mais alta taxa real de juros do mundo por 25 anos, exceto 2012-2013, por necessidade de rolar a dívida pública. Nosso risco de crédito foi sempre o maior do mundo em todo esse período? Em 2012-2013 baixamos consideravelmente essa taxa e não tivemos qualquer dificuldade em rolar a dívida pública e nem fuga de capitais.
(ii) “Seria o mínimo necessário para controlar a inflação.” Também é um argumento de difícil sustentação. Sendo o crédito o principal mecanismo de transmissão da política monetária, temos outras medidas para conter uma expansão do crédito decorrente de taxas básicas de juros mais baixas: recolhimentos compulsórios, limites de alavancagem e de prestações de financiamentos.
Sérgio,
Destaquei o texto abaixo do seu pronunciamento para posicionar-me a favor da sua linha de raciocínio. Contribuí entre uma e duas décadas para Previdência Social em cima de dez salários mínimos. Na minha vida profissional sempre fui celetista. Hoje aposentado do INSS recebo algo em torno de quatro salários mínimos. Na cadeira de Estatística na EEP fui apresentado ao assunto ‘cálculo atuarial’. Pra mim, contribuir para a previdência, pública e/ou privada envolve o uso da cálculo atuarial que permite projetar um possível rendimento mensal depois de um período de anos a contabilizar. É a esperança do contribuinte. No mais, interpretações de itnsm da Carta Magna, usos indevidos dos montantes das contribuições e outra filigranas, pra mim são desvios do assunto principal e/ou má fé dos administradores públicos. Nos anos 60 e 70 o bolo da previdência foi usado em grande parte para mil coisas. Havia ‘saldos gordos’. E de lá pra cá nunca apareceu um governo com olhar mais sério preocupado com os resultados da Previdência para as gerações futuras, botando o ‘dedo na ferida’. Na atualidade, quando se quer fazer alguma coisa, numa tentativa de ‘botar ordem na casa’, aparecem algumas pessoas escrevendo ou discursando sobre um assunto, difundindo intenções não muito claras, discutíveis, sem o uso apropriado da lógica e, aparentemente, sem preocupações com o que possa acontecer no futuro próximo com a Previdência Social.
Bartolomeu
“Sua principal crítica ao meu artigo é precisamente a análise que separa, dentro da Seguridade social, o orçamento diretamente vinculado à Previdência social sempre lembrando que este diz respeito apenas ao Regime Geral da Previdência Social e, portanto, não inclui a previdência dos servidores públicos. É verdade que a Constituição agrega os três componentes da Seguridade Social – Previdência social (Regime Geral), Saúde e Assistência Social – mas é igualmente verdade que estes têm características muito diferenciadas de fontes de financiamento e de beneficiários. No que se refere aos beneficiários temos três conjuntos diferentes que não podem ser tratados de forma semelhante: a Previdência beneficia os trabalhadores inativos e seus dependentes que, no INSS representa, atualmente, cerca de 31 milhões de pessoas; a Assistência social beneficia a parcela da população vulnerável em termos de renda (miseráveis, idosos e deficientes pobres) que envolve, atualmente, 4,24 milhões de idosos e deficientes pobres, 160 mil com Renda Mensal Vitalícia, e 13,88 milhões de famílias com Bolsa Família; finalmente, a Saúde deve beneficiar, em princípio, toda a população brasileira que demandem atendimento de saúde pública. Quando analisamos as fontes, também é claro que há uma relação direta entre Previdência social e contribuição dos trabalhadores ativos e seus empregadores, sendo as contribuições sociais (COFINS, CSLL e PIS/PASEP) destinadas aos outros componentes da seguridade social.
Sem desconhecer a definição constitucional, a análise consiste em destacar que, além dessa diferença de beneficiário, as fontes de financiamento também devem ser explicitadas para não jogar na vala comum benefícios tão diferenciados na qualidade. Neste sentido, a Previdência social que beneficia trabalhadores inativos deve ser financiada com recursos da sua contribuição e das suas empresas e não com as outras contribuições que devem ser destinadas à Saúde e à Assistência social. Previdência social não é assistência social porque não tem o objetivo de proteger vulneráveis, mas sim de garantir vida digna para quem trabalhou e contribuiu para o sistema. Analisando o desempenho da seguridade social com esta diferença, fica evidente que tem sobrado recursos da Saúde e da Assistência Social e faltado muito da Previdência. Não é apenas um tratamento contábil. É a definição de fontes e destinos dos recursos para mostrar que o sistema de previdência está comendo recursos que deveriam ser alocados nos dois outros componentes, principalmente na Saúde que, reconhecidamente, está um lixo no Brasil. Essa é uma decisão política (mais do que apenas constitucional) mas que tem implicações na distribuição orçamentária da União e numa reflexão sobre justiça social.”
Sabe com referências e fonte, fica claro que a questão é matemática, atuarial. Sei que como ciência exata se arrecado X para a previdência e gasto com todo tipo de coisa que não a previdência, vai haver rombo, simples assim. Logo discussões a parte quem realmente quer licitude no processo abomina quando dizem que a previdência é deficitária porque matemáticamente NÃO É. Recuperem tudo que pertence a previdência, não permitam a DRU , auditoria sobre os incentivos fiscais, cobrar as multas que nunca são cobradas e então só então se poderá dizer com visão matemática se há ou não há déficit. Mais uma lembrança conceitual, previdência é moralmente o conjunto de ações para benefício do povo não dos bancos…
Gostei do debate de Sérgio com João (concordo mais com Sérgio), e também das colocações do Fernando Aquino… mas vou dar meu pitaco sobre ponto levantado pelo Fernando: o ponto que parece (apenas parece!) ser incontroverso é que as despesas com juros são muito elevadas e comprometem orçamento público. Daí, a prioridade, ao meu ver, seria conduzir reformas e alterar políticas econômicas tradicionais para aumentar a eficácia da política monetária; em poucas palavras, juros em patamares mais baixos resultando em inflação sob controle. AH! Mas o que torna a política fiscal mais eficaz????? Resposta: Política fiscal neutra (ou contracionista) e redução drástica do crédito subsidiado… ambas inviáveis social e politicamente, hoje. 2nd best? Gradualismo para resgatar superávit fiscal.