Sérgio C. Buarque

As redes sociais têm sido invadidas, nos últimos meses, por uma avalanche de notas e artigos, tentando provar que não existe déficit da previdência social no Brasil. Citam e divulgam estudos e documentos (principalmente da ANFIP- Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) que fundamentam sua posição num artifício contábil malicioso. Para esconder o péssimo desempenho financeiro do sistema previdenciário, estes estudos confundem, intencionalmente, o Regime Geral da Previdência Social com a Seguridade Social, sistema mais amplo do qual faz parte a previdência dos trabalhadores do setor privado. Como está definido na Constituição brasileira, a Seguridade Social reúne o Regime Geral da Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social, e conta com duas fontes diferentes de financiamento: a arrecadação previdenciária dos trabalhadores e dos seus empregadores, que deve cobrir as despesas com benefícios e pensão da previdência; e os impostos e taxas com propósito social (principalmente COFINS, CSLL e PIS/PASEP) fonte de financianciamento da Saúde e da Assistência Social.

 

Os estudos que tentam negar o déficit da previdência social misturam as fontes e as despesas para mostrar o resultado positivo da Seguridade Social como se fosse saldo previdenciário. Na verdade, como mostra a tabela abaixo, o saldo de R$ 11,22 bilhões de reais da Seguridade Social, em 2015, esconde um déficit de R$ 83,54 bilhões de reais do Regime Geral da Previdência Social (despesas com benefícios de R$ 436,09 bilhões para uma arrecadação previdenciária de apenas R$ 352,55 bilhões).

 

Desempenho financeiro da Previdência Social e da Seguridade Social

Receita Despesa Saldo
Previdência social (A) 352,55 436,09 -83,54
Saúde e assistência social (B) 341,84 247,08 94,76
Seguridade social (A+B) 694,39 683,17 11,22

Fonte: ANFIP – Previdência Social – contribuição ao debate – Vanderley José Maçaneiro – “Financiamento da Previdência Social: Receitas, Renúncias e Recuperação de Créditos” – Maio 2016.

 

A tabela comprova o enorme déficit do Regime Geral da Previdência Social (R$ 83,54 bilhões), e demonstra que o mesmo está sendo financiado com recursos de impostos e taxas com propósito social, que deveriam ter sido aplicados em saúde e assistência social, num claro e inaceitável desvio de propósito. O sistema de previdência social deve ser financiado exclusivamente pela contribuição dos trabalhadores e seus empregadores,  e não pode penalisar outros segmentos altamente relevantes e carentes da Seguridade Social (Saúde e Assistência Social) para cobrir a insuficiência da arrecadação previdenciária. Os que negam o déficit da previdência estão, no fundo, defendendo ou justificando a contenção dos gastos em Saúde e Assistência Social para financiar o buraco previdenciário.

 

A situação é mais grave ainda porque o déficit identificado acima considera apenas o Regime Geral da Previdência Social (INSS), que trata dos trabalhadores do setor privado e, portanto, omite o elevado e crescente déficit do Regime Próprio da Previdência Social, que contempla os servidores públicos (não incluido na Seguridade Social). Em 2015, o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) da União registrou um déficit de R$ 72,5 bilhões (SIAFI/STN e Boletim Estatístico da Previdência Social). Além deste rombo do RPPS, que contém apenas os servidores públicos da União, estudo da FGV-Fundação Getúlio Vargas/IBRE estima que a previdência dos sevidores públicos dos Estados da Federação teve, em 2015, um déficit de R$ 77 bilhões. Ou seja, o sistema de previdência do setor público (União e Estados) já apresentava, em 2015, um déficit total de R$ 150 bilhões de reais (ou 2,6% do PIB).

 

Ao contrário da pós-verdade difundida na rede social, a previdência social (RGPS e RPPS) já é altamente deficitária no presente. E tudo conspira para o aumento continuado do rombo no sistema de previdência, nas próximas décadas, como resultado do acelerado envelhecimento da população brasileira e, portanto, do número de beneficiários (aposentadorias e pensões). De acordo com projeção do IBGE, a população idosa (60 anos e mais) dobrará em vinte anos, saltando de 24 milhões, em 2015, para 48 milhões, em 2035, quando representará 21% da população brasileira (para maiores detalhes sobre a crise da Previdência, ver nesta revista “O nó da Previdência Social” – https://revistasera.info/o-no-da-previdencia-social-sergio-c-buarque/). Assim, sem a realização de uma reforma ampla e profunda da previdência social (principalmente do servidor público), o déficit previdenciário vai continuar subindo e presssionando as finanças públicas, cobrando cada vez mais recursos de fontes que são destinadas à saúde e à assistência social (os impostos e taxas com propósito social), ou comprometendo outros itens do Orçamento da União.

Sérgio C. Buarque é membro do Movimento Ética e Democracia