21.12.2016
Ainda me lembro da tensão existente no ar. Estávamos invadindo o Colégio Nóbrega em Recife para picharmos as paredes dos banheiros com o “Dia 9 de outubro, dia do guerrilheiro! “, “Che Vive! “ Éramos estudantes secundaristas e era o começo dos anos setenta. A tática era nos espalharmos, e depois da “revolucionária missão” nos encontrarmos no Bar Mustang, na Conde da Boa Vista.
Tarcísio Patrício, nosso colega e economista, falando sobre militância na juventude, lembrou que, quando membro do PCBR, seu grupo invadiu a escola de agronomia em Areias na Paraíba e “expropriou” um artefato de poderosa capacidade tecnológica, fundamental para a difusão das ideias políticas: um mimeógrafo!
Com a rápida evolução das tecnologias de comunicação, alguns até definindo esta fase da civilização como a da era da informação, tudo muda de forma absolutamente disruptiva, deixando o velho para trás, a cada salto tecnológico, a cada inovação. A humanidade navega em acelerada velocidade, a cada applet de smartphone. Não se sabe para onde, mais que vai, vai!
A força da militância política migrou para dentro das redes sociais, onde o fluxo incessante de propaganda e ideias perpassa o incauto cidadão com vertiginosa velocidade, sem tempo para este verificar a veracidade da fonte. Atordoado, reage com um CURTIR ou, se tiver melhor digerido a informação, um COMPARTILHAMENTO em sua rede pessoal —espraiando, para o bem e para o mal, o conteúdo político produzido por uma fonte que tem muito bem definidos seu foco de atuação e resultados esperados.
O mais complicado é que as redes sociais, a exemplo do Facebook, foram criadas com um proposito comercial muito evidente. São bilhões de dólares investidos em tecnologia para mantê-las, e são bilhões de retorno comercial gerados a cada clique. Assim, os algoritmos matemáticos que estão por detrás dessas redes são elaborados para compreenderem, de forma milimétrica, o padrão de consumo dos seus usuários e, sobre ele, se anteciparem com ofertas de produtos e serviços — fazendo girar a máquina do capitalismo moderno.
Nada escapa, uma palavra digitada, um clique, uma marcação em uma foto de família, tudo é registrado e armazenado para ser analisado e, com auxílio de poderosas ferramentas estatísticas, manipular, controlar e lucrar, com nossos desejos, ideias e emoções.
Talvez seja até uma troca justa, tamanhos os benefícios deste aparato de comunicação para o indivíduo, mas não se pode esquecer o fato de que — assim como o consumidor, no ato da compra, é quem realiza a mercadoria, fechando o ciclo da produção — nós, os usuários das redes sociais, sentados em nosso trono da suprema alienação, é quem fazemos tudo se mover.
O QUE FAZER?
Para um movimento político que atue nos pós século XX, compreender como é o comportamento desse público que está nas redes sociais é fundamental para atingir seus objetivos, e para isto é necessário controlar e manusear bem os algoritmos dos sistemas que regem o Google, o Facebook e outros. É isto que fazem com maestria as agências de marketing digital.
Postar conteúdo em sua fanpage no Facebook, no Twitter, no Youtube e outras dezenas de plataformas de comunicação é muito mais relevante do que estar nas ruas levando uma multidão com cartazes e carros de som, para cima e para baixo. Claro que, sem o fato concreto da passeata ou do debate, falta substância na comunicação, entretanto, a materialização dos atos políticos só ocorre, e tem seu efeito transformador nos corações e mentes do seu público-alvo, quando este fatos e ideias são veiculados por meio das mídias sociais, espalhando-se pelas veias periféricas da internet.
No campo da política e, mais recentemente no Brasil pós-impeachment, observamos o que se define como guerra de propaganda e contrapropaganda, conteúdo orquestrado para conquistar o cidadão, levando-o a alinhar-se com sua ideologia ou seus propósitos políticos.
Disse, em recente conversa com um amigo: se Goebbels estivesse vivo hoje, estaria fascinado com estes recursos de comunicação em massa e seu poder extraordinário em capturar o espírito dos cidadãos por meio da propaganda.
Ou seja, estamos onde sempre estivemos, ao longo da história: um grupo menor e mais organizado — a classe política — tentando controlar e conduzir a sociedade civil maior, mais desorganizada e difusa em seus interesses e propósitos, só que, em vez da pichação e do mimeógrafo, as ferramentas são muito mais sofisticadas e poderosas.
João Rego é membro do Movimento Ética e Democracia
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P.S. A respeito da minha promessa de escrever sobre filosofia oriental (leia o artigo Barbárie, cultura e religião) ela ainda está de pé. Com a cobrança de alguns sobre estes textos, me lembrei de um causo que aconteceu comigo, recentemente. Comprei umas bananas verdes na feira, e como ingênuo consumidor, fiz a clássica pergunta:
— Essa banana vai amadurecer?
A vendedora, rápida e segura:
— Segunda-feira estarão maduras, dotô!
Passou a semana inteira e no outro sábado, na feira, reencontro a vendedora.
— Mas, minha senhora! Já se passou uma semana e as bananas continuam verdes. E você me garantiu que na segunda estariam maduras!!!
Ela, na bucha:
— Eu disse segunda, mas não disse o mês.
Bem, o mesmo ocorre com meus textos sobre hinduísmo.
João
A propósito do facebook e das redes sociais, vale à pena observar um desdobramento muito preocupante desta ferramenta analisado por Rafael Galera (artigo citado por Francisco Araujo no whatsapp): a formação de “bolhas ideológicas” por um algoritmo que seleciona a distribuição das mensagens de acordo com a orientação política do usuário. “Por mais que a intenção seja melhorar a experiência do usuário, esse algoritmo tem um efeito nefasto: a criação de uma bolha ideológica”. “O algoritmo mostra aos usuários o que eles querem ver, mesmo que seja uma visão parcial da realidade e que oculte pontos de vista contrários”. Galera cita Vyacheslav Polonski, do Oxford Internet Institute (tradução livre): “As bolhas ideológicas criadas são, de fato, exacerbadas pelos algoritmos de personalização das plataformas, que se baseiam em nossas redes sociais e em nossas idéias previamente expressas. Isso significa que, em vez de criar um tipo ideal de uma ‘ágora’ pública, que permitiria aos cidadãos expressar as suas preocupações e partilhar as suas esperanças, a Internet tem realmente aumentado o conflito e a segregação ideológica entre pontos de vista opostos, concedendo uma quantidade desproporcional de influência para as opiniões mais extremas”. A consequência, segundo o autor, é o aumento do sectarismo e dos radicalismos políticos. Sendo assim, seria difícil “controlar e manusear bem os algorítimos dos sistemas que gerem o Google, o Facebook e outros”, como você sugere. Para um movimento político que preza a democracia e a tolerância, teria que ser feito um esforço adicional para não se deixar enredar nesta “bolha ideológica”, procurar interagir com pensamentos e visões de mundo diferentes.