Sérgio C. Buarque

O neopopulismo nos países desenvolvidos tem sustentação política na população pouco escolarizada, mais velha, de renda mais baixa e de regiões ou cidades economicamente deprimidas. Este foi o perfil do eleitorado que votou no Brexit na Grã-Bretanha, que elegeu Donald Trump nos Estados Unidos e que compõe o movimento neopopulista de direita em toda a Europa. No Brasil, segundo a última pesquisa da CNT/MDA, este é precisamente o segmento da sociedade que demonstra clara preferência pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (como é um segmento social muito grande, coloca Lula na liderança das pesquisas): a intenção de voto em Lula declina na medida em que aumenta a escolaridade e a renda, e se concentra fortemente na região Nordeste, com maior índice de pobreza (chega a 58,2% nesta região e apenas 17,5% no Sudeste). Esta semelhança da base eleitoral não permite, em absoluto, confundir Lula com o neopopulismo dos países desenvolvidos, menos ainda com Trump, que se caracteriza pelo nacionalismo xenófobo. Lula é um populista de país pobre, como Chavez e Maduro na Venezuela, um populismo rentista, fundado nos mecanismos de distribuição de renda com os pobres que está longe de promover uma transformação social.

 

O político brasileiro que compõe o espectro da direita populista é Jair Bolsonaro, com seu discurso autoritário e conservador. E, no entanto, o seu eleitorado é completamente inverso ao que elegeu Trump, e aprovou o Brexit na Grã-Bretanha, exceto quando se trata de gênero (predominância masculina). Segundo a pesquisa, os eleitores de Bolsonaro diminuem com a idade (chegam a 17% para quem tem entre 25 e 34 anos e caem para 5,1% entre os idosos), e crescem com o nível de escolaridade (de 2,3% para os que têm ensino fundamental, saltam para 20,7% para os eleitores com nível superior), e com a renda (chegam a 20,4% para os que possuem renda acima de 5 salários mínimos). Além disso, os eleitores de Bolsonaro se concentram na região Sudeste (14,4%) e alcançam o percentual mais baixo no Nordeste (apenas 5,4%).

 

Com perfil ideológico semelhante, Bolsonaro e Trump têm, contudo, bases político-eleitorais opostas, o que reflete a enorme diferença das condições econômicas, sociais e políticas do Brasil e dos Estados Unidos. O que mobiliza o eleitorado de Trump é a recusa e o medo das mudanças geradas pela globalização e pelas inovações tecnológicas, que desorganizam os setores atrasados da economia e dificultam a inclusão de alguns segmentos sociais no novo paradigma de desenvolvimento, particularmente os mais velhos, com baixa escolaridade. No Brasil, tudo indica que os sentimentos que orientam o eleitorado para Bolsonaro sejam a violência, a insegurança pública e a desordem social, frente às quais Bolsonaro promete repressão, ordem e autoridade. Nos dois países, o descrédito com os políticos tradicionais e com establishment partidário contribui também para o surgimento de personagens retrógrados, com discursos agressivos e autoritários. No fundamental, lá como cá, com as semelhanças ideológicas e as diferenças da base eleitoral, o populismo representa um grande risco para a democracia.