O neopopulismo nos países desenvolvidos tem sustentação política na população pouco escolarizada, mais velha, de renda mais baixa e de regiões ou cidades economicamente deprimidas. Este foi o perfil do eleitorado que votou no Brexit na Grã-Bretanha, que elegeu Donald Trump nos Estados Unidos e que compõe o movimento neopopulista de direita em toda a Europa. No Brasil, segundo a última pesquisa da CNT/MDA, este é precisamente o segmento da sociedade que demonstra clara preferência pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (como é um segmento social muito grande, coloca Lula na liderança das pesquisas): a intenção de voto em Lula declina na medida em que aumenta a escolaridade e a renda, e se concentra fortemente na região Nordeste, com maior índice de pobreza (chega a 58,2% nesta região e apenas 17,5% no Sudeste). Esta semelhança da base eleitoral não permite, em absoluto, confundir Lula com o neopopulismo dos países desenvolvidos, menos ainda com Trump, que se caracteriza pelo nacionalismo xenófobo. Lula é um populista de país pobre, como Chavez e Maduro na Venezuela, um populismo rentista, fundado nos mecanismos de distribuição de renda com os pobres que está longe de promover uma transformação social.
O político brasileiro que compõe o espectro da direita populista é Jair Bolsonaro, com seu discurso autoritário e conservador. E, no entanto, o seu eleitorado é completamente inverso ao que elegeu Trump, e aprovou o Brexit na Grã-Bretanha, exceto quando se trata de gênero (predominância masculina). Segundo a pesquisa, os eleitores de Bolsonaro diminuem com a idade (chegam a 17% para quem tem entre 25 e 34 anos e caem para 5,1% entre os idosos), e crescem com o nível de escolaridade (de 2,3% para os que têm ensino fundamental, saltam para 20,7% para os eleitores com nível superior), e com a renda (chegam a 20,4% para os que possuem renda acima de 5 salários mínimos). Além disso, os eleitores de Bolsonaro se concentram na região Sudeste (14,4%) e alcançam o percentual mais baixo no Nordeste (apenas 5,4%).
Com perfil ideológico semelhante, Bolsonaro e Trump têm, contudo, bases político-eleitorais opostas, o que reflete a enorme diferença das condições econômicas, sociais e políticas do Brasil e dos Estados Unidos. O que mobiliza o eleitorado de Trump é a recusa e o medo das mudanças geradas pela globalização e pelas inovações tecnológicas, que desorganizam os setores atrasados da economia e dificultam a inclusão de alguns segmentos sociais no novo paradigma de desenvolvimento, particularmente os mais velhos, com baixa escolaridade. No Brasil, tudo indica que os sentimentos que orientam o eleitorado para Bolsonaro sejam a violência, a insegurança pública e a desordem social, frente às quais Bolsonaro promete repressão, ordem e autoridade. Nos dois países, o descrédito com os políticos tradicionais e com establishment partidário contribui também para o surgimento de personagens retrógrados, com discursos agressivos e autoritários. No fundamental, lá como cá, com as semelhanças ideológicas e as diferenças da base eleitoral, o populismo representa um grande risco para a democracia.
Sérgio, uma única dúvida: você usa a expressão populismo rentista referindo-se a Lula, Chaves e Maduro. Isto cria dificuldade para quem não conhece a questão porque rentista designa o setor que acumula a partir da RENDA , ou seja, sobrelucro, além do lucro, renda fundiaria, RENT , em inglês. O problema é que na nossa língua renda tem mais de um significado. Gostei do seu artigo.
Cezar
Você tem razão. O conceito pode ser ambíguo. Mas procurei falar de populismo rentista porque não acho correto falar de populismo de esquerda na medida em que acho os projetos destes líderes centrados na distribuição de renda e eu entendo que a grande mudança é a distribuição social de serviços públicos de qualidade e de forma equânime, principalmente educação. Eu aproveitei um conceito de um sociólogo venezuelano, Ignacio Ávalos, que chama o modelo “bolivariano” de “socialismo rentista” porque se baseia na distribuição das receitas de petróleo. Acho Lula é muito melhor que Chavez mas também porque as fontes de renda do Brasil são mais amplas e diversificadas e não se limitam ao petróleo. Obrigado pelo comentário que me ajuda a explicitar melhor o conceito. Sergio
Sérgio, é sabido que as pesquisa apontam um caminho para definir economicamente a população que vota, e isto tem boa correlação com a escolaridade. Entretanto, observo que muitos intelectuais, artistas, e professores universitários doutores, ou seja, formadores de opiniões, são os que mais apoiam o Lula e por vezes combatem o Bolsonaro. Não seria um pouco contraditório isso? Por que tantos intelectuais, com bom poder aquisitivo/não empresários, e a grande massa, tem pensamentos tão convergentes? Existem, mas raramente vejo algum grande intelectual fugindo destas características. Pode ser que esteja com uma visão simplesmente baseada no achismo, mas me salta aos olhos…
Excelente artigo, assinaria junto se me fosse concedida tal honra. Destaco, especialmente, a conceituação do populismo lulista vis-à-vis outras manifestações de análoga natureza — não igual, às vezes nem semelhante. Em benefício dos ideais libertários que informam a esquerda que conseguiu superar a tragédia do stalinismo, convém reiterar sempre e enfaticamente que o populismo petista que nos infelicitou sob Lula e Dilma tem nada a ver com socialismo, muito menos com marxismo, como tenta decretar a direita tupiniquim. Mesmo quando mimetiza o discurso progressista, o populismo é sempre uma força reacionária, vale-se do assistencialismo para anestesiar os desvalidos e impedir que assumam a própria redenção.
O eleitorado do Brexit e Trump e a populacao do centro norte ingles e do rustybelt americano. Areas empobrecidas com retraimento economico e desemprego. O mesmo problema com o centro sul Brasileiro, empobrecido, sem crescimento
e com milhoes desempregados. Sua analise nao esta correta.