Ivan Rodrigues
Mesmo mantendo o sentimento da paixão nas coisas da política, não perco meu vezo cartesiano ao apreciar uma necessária lógica, que deveria presidir os fatos que ocorrem atualmente em nosso ensandecido país.
Quando observo uma aguerrida e organizada ofensiva contra uma reforma da previdência, que está em curso nas ruas, nos centros de ensino, nas entidades sindicais e nas forças conservadoras (ou não é característica do conservadorismo a manutenção do status quo?), verifico que o movimento está acentuado por palavras de ordem, slogans, estribilhos e redundantes mensagens.
Desconfio que 90% da multidão ainda não leu, na íntegra, o projeto em questão, e limita-se a repetir a linguagem de comício e a sustentar algumas inverdades, para assustar a imensidão de pobres aposentados, como fizeram na campanha de Dilma, para assombrar os beneficiários da Bolsa Família, o que resultou no maior estelionato eleitoral jamais praticado em terras brasileiras!
Não se discute nem se debate nada. O projeto tramita no foro competente (Congresso Nacional) e pouquíssimos parlamentares (ainda bem!) estão propondo emendas e levantando questões pertinentes. O negócio é ser CONTRA, e a massa manipulada manifesta-se ‘TOTALMENTE CONTRA A REFORMA PREVIDENCIÁRIA’.
A partir de uma campanha TOTALMENTE contra uma reforma, sem sequer admitir a possibilidade de discussão, podemos tirar algumas conclusões inevitáveis, em total consonância com as mais elementares regras de um processo dialético:
1º – Os participantes deste MOVIMENTO, que combate TOTALMENTE essa reforma, estão PLENAMENTE satisfeitos e consideram JUSTO o Sistema Previdenciário Nacional vigente!
2º – O MOVIMENTO concorda e, sem divergências, considera equânime a existência concomitante de um Regime Geral da Previdência e um Regime Público da Previdência, com regras monstruosamente discrepantes, a ponto de alcançar, no ano de 2015, uma média de pensão do primeiro (com 28 milhões de beneficiários) da ordem de apenas R$1.338,15 (mil, trezentos e trinta e oito reais e quinze centavos) e, no segundo (com apenas 1,3 milhões de beneficiários), atingir o valor de R$8.419,18 (oito mil, quatrocentos e dezenove reais e dezoito centavos), ou seja, mais de seis vezes maior!…
3º – O MOVIMENTO aceita a desigualdade e tem como legítimo que – na prática – essa divergência seja responsável pelo mesmo volume de despesa de ambos os regimes, mesmo ao considerar que o público-alvo do Regime Público representa apenas 4% (quatro por cento) da população beneficiada pelo Regime Geral! E que a imensa maioria das pensões do Regime Geral recebe apenas um mísero e infamante salário-mínimo de R$940,00 (novecentos e quarenta reais), e isso a partir de janeiro de 2017. Adianto, antes que coloquem dúvidas nos dados referidos, que a fonte da informação é o SEAFI
4º – Mesmo assim, o MOVIMENTO deve considerar justíssima essa média salarial do Regime Público, da ordem de nove mil reais, mas desafia-se que exista no Brasil inteiro um só professor do ensino médio – entre milhões de servidores públicos estaduais e municipais – recebendo uma pensão de aposentadoria de valor igual ou superior a essa. Essa média só é obtida graças a uma fantástica legião de afortunados marajás da República, que constitui, hoje, uma pantagruélica e nunca satisfeita pequena burguesia que lidera esse Movimento.
5º – O MOVIMENTO está conformado e defende a manutenção de um Regime Geral que limita a contribuição e o benefício decorrente em apenas 10 (DEZ) vezes o salário-mínimo, e ainda estabelece a redução do chamado “fator” ao assalariado comum, enquanto o Regime Público não tem limitações e garante o benefício integral, sem quaisquer reduções e ainda acrescido de diversos badulaques.
6º – O MOVIMENTO aplaude e defende a sustentação de pensões dos parlamentares, mesmo considerando que, em alguns casos, com contribuição de quatro anos de um único mandato, resultando disso que existem atualmente nada menos que 501 (quinhentos e um) ex-deputados recebendo pensão parlamentar. Tanto que nosso amigo e deputado pernambucano Cadoca já se apressou em apresentar uma emenda para garantir a manutenção desse benefício.
7º – O MOVIMENTO, em obstinação pouco inteligente, finge ignorar a importância da migração etária ocorrente no mundo inteiro, por força do aumento da expectativa de vida dos humanos, que não concilia com o cálculo atuarial da Previdência. O mundo inteiro, alarmado com esse novo horizonte e rendido aos novos tempos, vem cuidando de aperfeiçoar os seus sistemas, e apenas o Movimento entende que está tudo “ótimo, no melhor dos mundos”, em ridícula interpretação panglossiana. Lembram todos que, há pouco tempo, o STF com razão aumentou a idade compulsória de aposentação para 75 anos ?
8º – O MOVIMENTO engana a população quando NÃO esclarece que, somente no período de 2.000 a 2014, segundo o IBGE (quem quiser confira), a população brasileira ativa cresceu em média 1,46% ao ano, enquanto a população idosa (acima de 60 anos) cresceu em média 3,48%, o que significa que, a cada ano, a diferença entre a população ativa e a população idosa cresce mais de 2%; ou seja, a cada dia há mais gente se aposentando em relação a gente contribuindo. Dá pra fechar a conta?.
9º – O mundo inteiro – de todas as naturezas e culturas ideológicas – corre contra o tempo, e todas as economias buscam ajustar suas medidas e providências para reequilíbrio dos seus sistemas atuariais, que assegurem sua higidez econômica, e o MOVIMENTO – com seu conservadorismo medieval – trabalha com regras, conceitos e tiradas demagógicas, ancoradas na revolução industrial do Século XIX, e esquece que estamos em pleno Século XXI, atropelados pela revolução tecnológica. Corram todos e muito, pois, como dizia Stanislaw Ponte Preta: “Quem se atrasar e não alcançar as caravelas de Cabral, de volta, vai ter que usar tanga e virar índio”.
A primeira vez que leio um análise lúcida sobre a reforma da previdência.
Muito bom texto. Fácil de ser entendido! Seria bom encontrar maneira de ampliar sua divulgação….é possível compartilhar? Acredito que um texto desta natureza poderá sensibilizar um setor mais amplo de nossa população, preocupação de vários de nós!
Bom dia Ivan. Concordo plenamente contigo quanto a tua matéria, todavia, antes de qualquer tentativa de mudança na Previdência, entendo indispensável a realização de uma auditoria, a ser levado a efeito por uma empresa especializada, independente e, de preferência estrangeira, pois as nossas não são confiáveis. Mesmo porque, aqui em Brasília, nos temos aceso mais fácil a dados e inquestionável fatos que são desconhecidos da população em geral, tais, como exemplo, o débito das quinhentas maiores empresas brasileiras para com a Previdência Social e que a União não toma nenhuma providência judicial para recuperar esse astronômico crédito. Demais disso, existe, ainda, o também astronômico débito das empresas públicas e de economia mista, o qual o Poder Público também não faz questão de cobrar, ao contrário, na calada da noite e escondido no porão do desrespeito ao contribuinte, queda-se inerte quanto às providências judiciais pertinentes. E, para piorar ainda mais, os políticos de todos os escalões assumem uma postura de Lordes Ingleses, exercitando suas gestões de forma imperial, o que depõe contra o regime republicado e o sistema democrático. Não sou de esquerda, nem de direita, ao contrário, jamais foi filiado a qualquer partido que seja, mas tenho uma visão bastante clara quanto aos caminhos a serem trilhados pelo Brasil, sendo que, em primeiro lugar, deveríamos proibir o exercício de mandatos como uma profissão, acabando assim e de uma vez, com aquelas famílias que de geração em geração comandam os diversos currais eleitorais que ainda existem no País. Estamos já no Terceiro Milênio, o qual não comporta mais políticos que não pautam suas atividades com base na ética, na moral e na legalidade. Um forte abraço
Sílvio: O texto está lançado no Facebook e lá é fácil compartilhar. De qualquer forma, grato pela referência
Ô Beto. Concordo e assino em baixo sua observação. Agora mesmo o Senador Paim, que tinha como sério, depois de 31 (trinta e um) anos de mandato parlamentar descobriu que a Previdência está errada e toma assinatura para criação de uma CPI da Previdência. Não conheço jeito melhor para não resolver nada do que criar uma CPI neste Congresso Nacional. Você tem toda razão quanto à uma auditoria séria, internacional que possa fazer um diagnóstico rigoroso e confiável em que possamos acreditar. Fora disso é a pura demagogia de centenas de luminares acadêmicos que vivem disponíveis para satisfazer todos os gostos e paladares à feição dos seus interesses corporativos. Grande e afetuoso abraço querido primo.
A auditoria da Previdência pode até ser feita, e deve, mas condicionar a reforma à sua conclusão resulta em manobra diversionista, semelhante à da CPI. A cobrança das dívidas milionárias é processo penoso, que leva tempo. Os privilégios dos parlamentares, que são ignominiosos, devem também ser eliminados, mas não conseguiremos isso a curto prazo. Condicionar a reforma a tais providências é retardá-la, inviabilizá-la, na prática, e contribuir para mergulhar o sistema em situação de inadimplência, em poucos anos, com sacrifícios para aposentados e contribuintes.
Meus irrestritos louvores ao autor, cabeça aberta, espírito jovem, experiência de muitos anos bem vividos.