Aldemir Teles – Prof. da Universidade de Pernambuco

No final do mês de março passado, surgiu o boato pelas redes sociais na Inglaterra de que a tecnologia 5G estaria por trás da pandemia do Covid-19. A notícia falsa fez com que moradores de três cidades britânicas incendiassem sete torres de transmissão. A bizarra teoria alegava que Wuhan, cidade onde a pandemia teve origem, havia recebido recentemente cobertura 5G, e que a África estava sem significativos registros do vírus por não possuir essa tecnologia.

Esse fato, ocorrido na Inglaterra, serve como exemplo do que chamamos de analfabetismo científico. O conceito significa a ignorância sobre conhecimentos básicos, em ciência e tecnologia, que qualquer pessoa precisa ter para “sobreviver”, razoavelmente, em uma sociedade moderna. A consequência disso, é que a falta de conhecimento produz cidadãos ingênuos, ignorantes, até sobre a própria biologia; apegam-se às crenças mais diversas, onde buscam encontrar explicações e justificativas para os fenômenos naturais, além de deixar-se enganar facilmente por explicações pseudo-científicas, prejudiciais a si próprios e à sociedade.

As consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas neste século do que em qualquer período anterior da civilização. É perigoso e temerário que o cidadão médio continue a ignorar o aquecimento global, por exemplo. Os empregos e os salários passaram a depender cada vez mais do conhecimento, da ciência e da tecnologia. Nas questões de interesse público, como é possível planejar políticas ou tomar decisões inteligentes sobre nossas próprias vidas, se não compreendemos as questões subjacentes e complexas que as tornem eficazes?

Um dos grandes mandamentos da ciência é: “Desconfie dos argumentos da autoridade”. A história nos mostra que um número razoável de decisões mal pensadas provocou consequências dolorosas para a humanidade. As autoridades devem provar suas afirmações como todo mundo, ao contrário de utilizarem argumentos do senso comum. A ciência, por ser independente e, ocasionalmente, relutante em aceitar o conhecimento desprovido de comprovação e evidências, é vista como um entrave para os interesses de governos com tendência autoritária. Esse é um dos motivos do negacionismo demonstrado pelo presidente Jair Bolsonaro na crise do Covid-19.  O desinvestimento na ciência e na pesquisa verificado ultimamente no país é o reflexo disso.

A polarização que assistimos atualmente no Brasil, envolvendo autoridades, especialistas, a mídia e o restante da população, quanto às medidas protetivas contra a pandemia, notadamente o isolamento social e o uso da cloroquina, oferece-nos uma visão do analfabetismo científico de parte considerável daqueles que se aventuram a analisar e opinar. Por mais empenhados em demonstrar a necessidade do isolamento social e outras medidas preventivas, autoridades sanitárias, entidades científicas e de classe encontram dura resistência por parte de alguns autoproclamados especialistas e leigos, em busca do seu momento “celebridade”, com seus egos nutridos pela babel eletrônica das redes sociais. A maior resistência às principais medidas, entretanto, surge de onde menos poderíamos imaginar e admitir: da teimosia e do analfabetismo científico do nosso presidente. Além de implicar com o isolamento, ele assume a recomendação do uso da droga cloroquina, cuja eficácia para o tratamento do Covid-19 ainda não foi comprovada em estudos clínicos.

Impressiona, de forma negativa, quando exatamente a maior autoridade do país, aquele com poderes constitucionais para apoiar as medidas, liderar a sua equipe ministerial e sensibilizar a população para seguir as recomendações, age de forma contrária, gerando dúvidas e desconfiança na população quanto à eficácia das ações preventivas e curativas. A postura do presidente durante acontecimentos recentes pode contribuir para o agravamento da crise e produzir consequências mais sérias do que o estimado.

Algo que poderia ser mais bem explicado é: o que motiva o presidente a resistir tão enfaticamente às evidências que fundamentam as medidas propostas, adotadas na maioria dos países afetados pela pandemia, recomendadas pela OMS, e consensuais entre os mais respeitados especialistas do mundo?  Talvez o comportamento abusado e irreverente do presidente não se deva apenas a sua incapacidade de compreender argumentos científicos, mas, como já vem sendo especulado, a sua insanidade.

Quanto a comportamento insano, Daniel Goleman, psicólogo norte-americano, nos oferece uma pista importante para decifrá-lo no seu livro, recentemente publicado, “Inteligência Social”. O autor divide os narcisistas em duas categorias: o saudável e o doentio, por sua capacidade de empatia. Segundo o autor, quanto menor a habilidade de uma pessoa levar em consideração o outro, mais doentio é o seu narcisismo.

Entre as características do narcisismo doentio elencadas no texto do Goleman estão: “são movidos a conquistas – não porque têm um alto padrão interno de excelência, mas sim porque desejam as vantagens e a glória que o sucesso traz; pouco se importam com os efeitos de suas ações sobre os outros, sentem-se livres para buscar seus objetivos de forma agressiva, independente dos custos humanos; em épocas de grande turbulência, esses líderes podem parecer atraentes, ao menos por terem a audácia de impor programas que acarretem mudanças drásticas”

Líderes narcisistas, continua o autor, são hipersensíveis a qualquer forma de crítica, assim como não são adeptos de buscar informações de forma abrangente: ao contrário, recorrem a dados que corroborem suas opiniões, ignorando os fatos negativos. Eles não ouvem, preferem pregar e doutrinar.

Curiosamente, o perfil descrito por Goleman para o narcisista doentio revela semelhanças com atitudes demonstradas publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro. Tomara que seja apenas coincidência.