Luiz Alfredo Raposo

Guilherme de Baskerville, personagem de O Nome da Rosa, investiga crimes misteriosos.

Justiça se faça: Temer vinha trabalhando certo. Tinha agenda e sabia negociá-la com o Congresso, como há muito não se via. Resultado, o temporal aos poucos ia embora: a produção ensaiava uma recuperação, a inflação e os juros caiam, as demissões pararam. Faltava, para dar força à recuperação, controlar o déficit orçamentário que levou à crise econômica.

A solução era uma reforma previdenciária que atenuasse o crescimento da despesa-mãe do déficit. Na Previdência pública, a aposentadoria média é sete vezes a do INSS. Havia que rebaixá-la e o governo propôs para o funcionalismo o mesmo teto do INSS.  Foi um gesto de coragem histórico, reconheça-se, mexia com o alto escalão, apesar da previsão de regras de transição. E veio a grita pelos “direitos dos trabalhadores”. Embora a reforma quase só atingisse aquela camada. Logo ela, onde há tantos paladinos da luta contra a corrupção e a desigualdades sociais…

Era preciso ainda modernizar a antiquada legislação trabalhista, que facilita o peleguismo e dificulta o emprego. Tanto que no momento a produção se recupera, mas as contratações, não. O governo apresentou suas propostas, e o Congresso as “abrandou” bastante. Estavam, neste mês de maio, prontas para serem votadas, quando se desfere o golpe que põe o governo e o país em knock down.

Como foi? Um empresário e conhecido financiador de políticos (são 1.900 em sua lista) resolve, em março, fazer uma delação premiada. Assinado o contrato, consegue de um juiz do STF autorização para ESPIONAR o presidente da República! Não bastasse, ainda lhe foram dados pela PGR e PF treinamento e meios para realizar a operação. Coisa de novela de TV. Jogo interessante entre o crime e a Justiça, que se vai  enriquecendo de variantes e modalidades…

Depois de instado (cadê o interesse do outro lado?), o presidente enfim o recebe em casa para uma conversa informal, tarde da noite. E a paixão anti-Temer vê crime nisso: o delator recebido em casa, informalmente, em hora avançada. Crimes novos, nunca dantes cogitados, acautelem-se os cidadãos… Quem se lembra de explicar tais circunstâncias pela agenda presidencial, sempre tão carregada?   Volta o delator com uma gravação, e o que se ouve? Começa lamentando o “muito” tempo, desde o último contato pessoal. Dois sócios não passariam tanto tempo assim sem se falar… Depois, se queixa do atendimento no BNDES. Sintoma de que os tempos não eram mais aqueles em que ele levantou bilhões para se tornar “o maior do mundo”. Traz também pedidos. Transferidos a um assessor, como faria um governador ou um prefeito. E o presidente declarou sábado, 20/5, que nenhum deles foi atendido. Onde, o jogo de favores?

E enfim o ponto crucial. O delator fala “do Eduardo” (de “uma mesada ao Cunha”, explica depois, mas a fita não é nada clara, escute!) e Temer diz o que soa como uma concordância. Pronto, era a prova criminis! E que prova! O delator contou algo já feito, que o presidente claramente não sabia. E que, portanto, não ordenara. Suponhamos, porém, que ele temesse que Cunha, com ou sem delação, resolvesse abrir o bico para acusá-lo. De quê? Quando? Demorasse um mês, sua missão presidencial já estaria praticamente cumprida, aprovadas as reformas. Conclusão: não poderia um escândalo desses ter chegado em melhor hora. Ainda a tempo de defenestrar Temer e enviar seus projetos de reformas para o arquivo morto da história. O timing, o mores!

O mais esquisito é que um juiz, de comum acordo com um procurador, aceite como válida e corra a dar a público uma gravação que não atende ao requisito da lei: servir de defesa ao delator. Em nenhum momento aparece ele sob ataque, sofrendo chantagem ou recebendo “cantadas” para praticar uma imoralidade. Explicarão que têm seu método de fazer justiça. Mas e as reformas? E o Brasil? O Brasil que se exploda, resmunga lá do seu túmulo Justo Veríssimo.

Poço da Panela, Recife, maio/2017