A reserva de vagas parlamentares para mulheres nos Parlamentos brasileiros, nas próximas três legislaturas, na proporção não inferior a 10%, 12%e 16% das cadeiras, respectivamente, figura na PEC 134/2015, em vias de votação na Câmara dos Deputados.
A proposta desequilibra a competição eleitoral, violenta os fundamentos do modelo proporcional de lista aberta e aumenta suas distorções. Pelo menos quinze razões podem ser elencadas em desfavor desta proposta:
1) a vontade do eleitor é desrespeitada. Ao substituir homens eleitos por mulheres suplentes para preencher a cota (vide o novo art. 101 introduzido pela referida PEC), viola-se a preferência original do eleitor, que votou em A e não em B;
2) o princípio universal da democracia representativa de “um eleitor, um voto” é transgredido: o voto nas mulheres vale mais que o voto nos homens;
3) a proporcionalidade da representação no Legislativo é afetada. Nos sistemas proporcionais as cadeiras são distribuídas aos partidos o mais possível em proporção aos votos conquistados. A reserva de vaga interfere neste alicerce e modifica a correspondência entre votos e cadeiras;
4) o vínculo entre o eleitor e o parlamentar é diminuído. O eleitor tinha elos com o seu candidato a quem lhe conferiu o voto, não com seu substituto, em quem não votou. Este, por seu turno, sente-se também distante e descompromissado com o eleitor, que nunca foi seu;
5) a responsabilização (accountability) da atividade parlamentar pelo eleitor é reduzida . Como o eleitor não se sente representado por alguém a quem não deu o voto, fica também alheio às suas atividades legislativas;
6) a personalização da representação parlamentar é aumentada. Posto que a ascensão ao Legislativo é por cota legal, não por méritos quantitativos de votos, a mulher sentir-se-á mais independente de orientações e compromissos partidários, bem como de ligações com as bases eleitorais.
7) a competição individual intrapartidária é aumentada. Já que podem ser substituídos por suplentes mulheres, os homens vão intensificar a disputa interna nos partidos por uma maior votação para fugir das últimas colocações, que serão defenestradas para o cumprimento da cota.
8) a quantidade de votos da representação é sempre diminuída quando a cota é aplicada. As mulheres que ascendem ao Parlamento são suplentes, por definição menos votadas que os homens de quem vão tomar o lugar.
9) a alienação eleitoral (abstenção mais votos brancos e nulos) tende a aumentar. A intervenção arbitrária na composição original do Parlamento, tornando incerta a eleição de seus candidatos preferidos, é um desincentivo a mais para o eleitor comparecer aos pleitos e votar em candidatos.
10) a perda de qualidade produtiva na representação é acentuada. Aos partidos não importa se as mulheres têm baixa votação ou se são desprovidas de vocação para o exercício parlamentar. O fundamental é que elas sejam suplentes, condição na qual, eventualmente, podem integrar o Legislativo no processo de aplicação da regra da cota.
11) o modelo proporcional de lista aberta, que já é pouco inteligível para os eleitores, torna-se mais complexo ainda com a cota eleitoral de gênero;
12) o princípio de justiça recomendado pelas Nações Unidas para sistemas eleitorais (“assegurar que o sistema seja justo, com chances iguais aos participantes”) é transgredido pela arbitrariedade da imposição da cota;
13) a cota vai na contramão das tentativas recentes de instituir cláusula de desempenho individual (PL 5735/13, PEC 352/13 e Lei 13.165/2015), com o propósito de evitar que candidatos com votações inexpressivas ascendam ao Legislativo. Com a PEC, no limite, pode ocorrer de uma suplente tornar-se parlamentar com apenas um voto;
14) os votos descartados (wasted votes), característicos dos sistemas majoritários, aparecem com a PEC. A substituição dos eleitos pelos suplentes dá-se com perdas de votos, os quais não serão aproveitados;
15) o custo da campanha é aumentado, já que o receio de figurar entre os substituíveis levará os candidatos a uma maior disputa por votos, buscando figurar nas primeiras colocações.
———————————————————-
Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
O pior é que a mulher que ocupar um lugar no Parlamento por causa da cota será uma figura desmoralizada logo de início: “está lá por causa da cota!” Quer situação pior que isso? E pior ainda é que é um “faz de conta”, esconde os verdadeiros problemas, já por si invisíveis ou indiretos, que dificultam a participação da mulher na política. Faço votos para que seja vitoriosa essa campanha contra a PEC 134/2015. Parabéns, Maurício Costa Romão, por enfrentar a demagogia do feminismo do “faz de conta”.