Luiz Otavio Cavalcanti

Uma casa pode ser olhada de fora para dentro. Ou de dentro para fora. De fora para dentro a casa é um cofre. Onde comida, afetos e abraços são guardados. E nós não os vemos. De dentro para fora a casa é um observatório. De onde olhamos o mundo com o binóculo de nossa paz. Ou com a ânsia de uma métrica.

Por dentro, a casa tem a divisão própria do cotidiano. O lugar onde se trabalha, o lugar onde se come, o lugar onde se descansa, o lugar onde se conversa, o lugar onde se dorme. O que é o cotidiano senão trabalhar, conversar, descansar, dormir? Em qual deles mora o sonho?

O sonho mora em todos os lugares. Desde que o queiramos. Sim, porque o homem não é apenas reações químicas. O sonho está no trabalho e no sono. Na sala e no quarto. Na paisagem, no ar. No terraço.

Ah, o terraço. O que vem a ser o terraço ? O terraço é uma linha imaginária. Não está nem inteiramente dentro de casa. Nem está completamente fora. Não constitui uma faixa de Gaza. Nem nunca se assemelhou a um muro de Berlim. Não sugere clandestinidade.

Portanto, não pode provocar a ira do sr. Trump. Nem o risco de receber um muro.

O terraço é uma zona de transição. Quem está fora é capaz de ver algo.  E imaginar. Quem está dentro é capaz de alongar o olhar. E retirar véus do horizonte. Descobrir sóis. Montar em nuvens antropomórficas. Cavalgar ideias. Cair na real.

O terraço é um sim. Quando não queremos sair de casa. Quando queremos simplesmente ficar no nosso canto. Para ouvir tocar e cantar Eliane Elias. Para estender, mais um pouco, os minutos. E tomar calmamente um dedinho de Marula. Para pegar o livro de crônicas de Rubem Braga. E reler, ao acaso, o lirismo do velho Lobo.

O terraço é um não. Quando queremos deixar o território de nosso asilo particular. E ganhar a rua. Quando queremos sair para ver gente. Ir ao cinema. Pegar a Folha de S. Paulo e o Estadão. Apanhar o Capitão (neto de quatro anos). Buscar na Cultura o livro de Umberto Eco. Jantar no Ponte Nova. E passar na frutaria para comprar uns moranguinhos.

O terraço nos prende. E nos solta. Terraço não é de tijolo e cimento. Terraço é uma entidade surreal. Não tem limites. É, sobretudo, inspiração. Porque nos faz voar. Atravessamos atlânticos. Aterrissamos no Boulevard Saint Germain. Alcançamos a Croácia. Navegamos verões. E retornamos íntegros.

Ao mesmo tempo, o terraço nos contém. Porque nos mostra o perigo da altura. E a necessidade de agirmos com os pés no chão. Sem a arrogância que desconstrói. A essencialidade de agirmos com a delicadeza inerente ao bem fazer. Reconhecendo o outro. Identificando no outro um igual. Embora diferente. Pois, aí, nasce o diálogo. Construção se faz a dois.

O terraço é inventário. Para verificar o que se fez. E o que não foi feito. Para atestar que nunca é tarde para rever a si próprio. E consertar. Ainda que o tempo à frente seja pouco. Aliás, por isso mesmo. Pelo pouco que resta, merece conserto. Sendo pouco, que venha a ser duradouramente feliz. Não só um conserto. Mas um concerto. Alegre como um concerto de Mozart.

O terraço é arquitetura de vida. É enfrentar desafios. Lidar com mistérios. Deixar correr. Enterrar o medo. Libertar-se nas possibilidades. Assumir. Mesmo sem estarmos inteiramente prontos. Porque inteiramente prontos não estaremos nem para a morte. E viver é preciso. Como navegar é preciso.

Como disse o poeta, tenho tudo que já tive. Chego ao outono, após conhecer inverno e primavera. Não necessito de mais nada. A não ser, este pedaço de azul, chamado terraço.