Maurício Costa Romão

No último dia do seu périplo pelo Nordeste, recentemente, o ex-presidente Lula afirmou que:

“Nós estamos em situação difícil. Eu tenho US$ 380 bilhões em reservas. Vou pegar somente alguns bilhões e vou investir em infraestrutura e não vai ter nenhum centavo para custeio. Vou retomar o desenvolvimento porque a gente pode fazer esse país crescer”

O ex-presidente disse ainda que um aumento na relação entre dívida pública e PIB no Brasil poderia ajudar a economia, citando países que aumentaram a dívida pública para combater a recessão.

No que diz respeito ao aumento da dívida pública, ela está na raiz dos motivos que levaram o país à bancarrota. De fato, o processo de endividamento encetou um mecanismo circular que ainda está, a duras penas, para ser interrompido.

O déficit nominal crescente aumentou a relação dívida/PIB, indicador básico de solvência fiscal de uma economia, e pressionou o aumento do dólar (devido ao risco-Brasil).

As importações ficaram mais caras e a inflação aumentou. Os juros subiram para conter a inflação, mas isso fez crescer o serviço da dívida. Com as receitas estagnadas ou caindo (porque os juros altos aprofundam a recessão), o déficit nominal aumentou mais ainda e o círculo vicioso continuou…

O receituário convencional para desmontar essa armadilha e devolver a confiança de que os agentes econômicos precisam dá-se mediante ajustes e reformas que corrijam o desequilíbrio fiscal, criando condições para a retomada de crescimento sustentável.

Antepondo-se a ajustes e reformas, o ex-presidente prefere utilizar novamente os mesmos ingredientes de endividamento público que geraram a profunda recessão de agora. Desta feita, todavia, vai mais além, e adiciona ao seu cardápio o uso das reservas internacionais do país para investimento interno (na verdade, apenas reverberando o receituário do seu partido, o PT, expresso em “O futuro está na retomada das mudanças”).

Considerando estoque recente, as reservas somariam US$ 382,0 bilhões, cerca de 20% do PIB. Alguns analistas argumentam que esse nível de reservas é mais do que suficiente para proteger o país de movimentações bruscas no fluxo de capitais.

Idealmente, insistem, um estoque adequado gravitaria no entorno de 10% a 15% do PIB, suficiente para conter volatilidades financeiras internacionais. Esse ponto é controverso e não há consenso entre especialistas sobre o nível ótimo de reservas dos países.

Ainda assim, admita-se que o atual governo adote a proposição do ex-presidente Lula e escolha o atalho de usar parte das reservas, deixando o estoque em cerca de 15% do PIB. O governo utilizaria, então, US$ 96,0 bilhões das reservas, o que requereria transformá-los em R$ 307,0 bilhões para investimento interno (supondo uma taxa de câmbio de R$ 3,2 / US$ 1,0).

Um parêntesis: essa transformação não é tão trivial como parece, pois esbarra em impedimentos legais. Quem tem os dólares é o Banco Central (BC) e quem vai gastar reais em investimentos é o Tesouro. Esses reais não estavam previstos no orçamento aprovado no Congresso Nacional.

Jogá-los na economia é equivalente a gerar um crédito suplementar de R$ 307,0 bilhões sem passar pelo Congresso, ou seja, a famosa pedalada fiscal (mas, para efeito de exposição, imagine-se que este obstáculo seja superado).

Injetados R$ 307,0 bilhões na economia, o BC entra em ação para assegurar a estabilidade monetária, enxugando o aumento de liquidez no sistema mediante a venda de títulos da dívida pública, remunerados pela Selic de 9,25% ao ano. Esta operação, é óbvio, aumenta a dívida pública.

Outro parêntesis. Aqui os economistas concordam: há um custo elevado de manutenção das reservas, já que o estoque de moedas estrangeiras do país rende menos de 1% ao ano lá fora e o BC remunera 9,25% ao ano internamente (e bem recentemente remunerava a 14,25%) para esterilizar os reais advindos das compras das reservas. O “seguro” que o país paga pelo seu conforto de liquidez em divisas custa caro, de fato.

Atente-se, agora, para a posição patrimonial do país após o uso de parte das reservas: o estoque total dessas reservas fica diminuído, tornando o país mais vulnerável às intempéries externas, e, ainda por cima, a dívida pública resta acrescida.

Quer dizer: o país reduziu suas reservas, que é o seu ativo, e aumentou a dívida pública, que é seu passivo!

E os gastos de investimento? Bem, certamente terão importância positiva na economia, se despendidos propriamente, mas ao preço de reduzir o colchão protetor do país, as reservas, e de turbinar a dívida pública, impulsionando o movimento circular descrito acima.

A questão que se coloca então é: vale à pena utilizar esse expediente, em termos de custo/benefício?

A rationale econômica diz que não, e que a retomada do investimento se dá com reequilíbrio de contas públicas, que depende, urbi et orbi, de ajuste fiscal e reformas estruturais. A velha ortodoxia não tem charme nenhum, mas onde foi aplicada, funcionou!

———————————————————-

Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.

[email protected]