Maurício Costa Romão

Os números (arredondados) do último censo da educação superior no Brasil (INEP, 2017) chamam a atenção pela grandiosidade: são 2.500 instituições de ensino e 35.000 cursos, onde estão matriculados 8,5 milhões de alunos, quantidade maior do que as populações de 104 países do mundo.

Registre-se, por oportuno, que o ensino superior brasileiro é predominantemente privado, segmento que compreende 88% das instituições, 70% dos cursos e 75% dos alunos.

Não obstante a magnanimidade numérica, o país está longe de alcançar patamares desejáveis de jovens frequentando o ensino superior, apesar dos avanços recentes.

De acordo com a PNAD Contínua de 2017 apenas 23,2% deles (11,4% em 2005 e 18,4% em 2015), na faixa etária apropriada de 18 a 24 anos, estão cursando esse nível, distante ainda da meta de 33% estipulada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para ser alcançada até 2024.

Observe-se, entretanto, que essa taxa líquida de 23,2% chega a 26,8% para as mulheres e a 32,9% entre as pessoas brancas, alcançando, portanto, a meta do PNE. Por outro lado, entre as pessoas pretas ou pardas a taxa de frequência no ensino superior é de tão-somente 16,7%, atestando mais uma faceta nefasta da eterna desigualdade social do país.

Não é de estranhar então que, embora a grande aspiração da larga maioria dos jovens no Brasil seja obter diploma universitário (mais conhecimento, maior statussocial, maior salário, maior empregabilidade), ainda permaneça muito baixa a proporção da população com curso superior concluído.

Com efeito, segundo dados recentes da OECD (2018), na faixa etária de 25 a 34 anos o Brasil tem apenas 16% da população com nível universitário completo. Países vizinhos da América do Sul, como Chile (27%) e Colômbia (28%), de há muito já atingiram índices maiores de população formada nessa faixa de idade. Isso sem falar no cotejamento com países líderes nesse quesito, como Coréia do Sul (70%) e Rússia (58%), ou com a média da OECD (43%).

Assim, apesar do pujante crescimento do ensino superior no Brasil na última década, alguns indicadores sinalizam que o cumprimento da meta do PNE pode não se concretizar e, por via de consequência, será difícil para o país aproximar-se da média de universitários formados da OECD para a coorte de 25 a 34 anos.

Uma evidência nesse sentido é a de que há no país muito mais vagas ofertadas na graduação do que alunos ingressantes, não obstante um ligeiro crescimento destes em 2017 relativamente ao ano anterior.

De fato, das 10,8 milhões de vagas de graduação nas modalidades presencial (56%) e à distância (44%), em 2017, apenas 3,2 milhões foram preenchidas, um índice de vagas ocupadas de apenas 30%. Destaque-se que 92% dessas vagas ofertadas estavam no segmento privado, que tem uma taxa de ocupação de tão-somente 26%.

Outro sério obstáculo associado ao encalhe de vagas é o fato de que o número de concluintes no ensino médio tem permanecido virtualmente constante desde 2008 (na verdade, com tendência ligeiramente declinante em anos recentes), gravitando no entorno de 1,8 milhão de alunos por ano.

Mais ainda: o número anual de matrículas no ensino médio tem caído sistematicamente desde 2012, quando registrou 8,4 milhões de alunos, ao passo que em 2017 contabilizou 7,9 milhões de estudantes matriculados.

Para o futuro próximo, então, segue-se a inevitável sequência: menos ingressantes no ensino médio, menos concluintes, menos candidatos às vagas universitárias.

Identifica-se assim uma das principais razões das recorrentes vagas ociosas na graduação, especialmente no setor privado: a fonte primária de ocupação – os alunos egressos do ensino médio – está estagnada e com tendência descendente.

Tem-se aí, por conseguinte, um desafio e tanto para o setor educacional universitário, particularmente para o segmento privado, que se expandiu enormemente nos últimos anos.

Tal desafio consiste em atrair essa quantidade anual de estudantes concluintes do ensino médio (quantidade invariante/declinante) e, ao mesmo tempo, avançar na captação de alunos que terminaram essa etapa básica e não continuaram seus estudos em nível superior, uma oferta potencial estimada em 9,0 milhões de pessoas.

A questão é como fazer isso, numa quadra de grandes dificuldades econômicas do país, com massivo desemprego de jovens e adultos e redução de financiamento público para ingresso na graduação privada?

Nesse contexto adverso, como se atingirá a meta 12 do PNE, que estabelece em 33% a taxa líquida de matrícula no ensino universitário em 2024 para jovens no grupo etário de 18 a 24 anos?

A prospecção para estimar como estaria essa taxa em 2024 conta com o auxílio da base de dados de matrículas no ensino superior, extraída da série histórica dos censos do INEP, para o período de 2006 a 2017. Também se pode obter a população da coorte de 18 a 24 anos para 2024 nas projeções populacionais do IBGE.

A limitação óbvia reside no fato de que as matrículas captadas nos censos do INEP são totais, não estando subdivididas por faixa etária. Entretanto, não é por demais agressivo à lógica, imaginar que nos próximos sete anos (2018 a 2024), ceteris paribus, a proporção de jovens de 18 a 24 anos matriculada no ensino superior, em relação às matriculas totais, seja de aproximadamente 67,6%, que é a razão encontrada pela PNAD Contínua para o ano de 2017.

Usando uma regressão linear simples com dados de 2006 a 2017, chega-se a uma projeção de 10,7 milhões de matrículas totais em 2024 (vide tabela do Anexo). Fazendo uso da hipótese de 67,6% de jovens de 18 a 24 anos nesse total, estariam contabilizados 7,2 milhões deles matriculados naquele ano.

Da feita que o IBGE projetou uma população de 22,1 milhões de pessoas nessa faixa etária para 2024, segue-se que a taxa líquida de matrículas no ensino superior seria de 33%, exatamente como estabelecido na meta do PNE.

Em síntese, para integral cumprimento da meta do PNE, seria necessário que o total de matrículas passasse dos atuais (2017) 8.3 milhões para 10,7 milhões em 2024, o que equivale a um crescimento geométrico médio anual das matrículas de 3,7%.

A tabela (I) do texto desfila alguns números relacionados a outras taxas líquidas de matrículas estimadas para 2024.

   (I)  Projeções para 2024 das taxas líquidas de matrículas no ensino superior do Brasil
Ano Matrículas totais (em mil) Período Taxa anual de crescimento das matrículas (%) por período (A) Projeção das matrículas p/ 2024, de acordo com (A). (em mil) Projeção de jovens de 18 a 24 anos matriculados em 2024 (em mil) Taxa líquida de matrículas em 2024 (%)
2006 4.945 2006-2017 4,8 11.510 7.784 35,2
2014 7.840 2006-2014 5,9 12.403 8.388 37,9
2015 8.034 2015-2017 1,6 9.237 6.247 28,3
2017 8.287

Observa-se pelos números da tabela que a taxa anual de crescimento das matrículas entre 2006 e 2017 foi 4,8%. Se essa taxa permanecesse idêntica até 2024, o país teria 7,8 milhões de jovens de 18 a 24 anos nas escolas universitárias naquela data, e a meta do PNE teria sido ultrapassada em 2,2 pontos de percentagem.

Se a série histórica é subdividida em dois subperíodos, 2006-2014, e 2015-2017, as taxas líquidas de matrículas seriam bem diferentes. O primeiro período compreende o lapso de tempo de maior expansão da educação superior, com incremento anual de 5,9% nas matrículas. Neste diapasão, a meta do PNE seria suplantada em quase 6 pontos percentuais.

Já o período de 2015-2017, coincide com forte recessão no país, combinada com graves problemas sócio-políticos, bem como com acentuada diminuição do financiamento estudantil. Não é a toa que a taxa de crescimento médio ao ano nas matrículas foi de apenas 1,6%. Neste contexto, fosse essa taxa invariante nos próximos sete anos, seria inevitável o descumprimento da meta do PNE, já que a taxa líquida de matriculas em 2024 estaria gravitando no entorno de 28,3%.

Embora tenha havido recuperação econômica do país no ano passado e há indícios de que haja crescimento econômico para este ano e seguintes, ainda assim não se detectam alterações consistentes nos níveis de emprego e renda. Ademais, as restrições fiscais do governo não encorajam perspectivas mais alvissareiras para o financiamento estudantil, em especial às classes menos favorecidas.

Diante de um quadro econômico ainda não muito claro, é mais prudente esperar que as projeções de matrículas universitárias para o lapso de tempo de 2018-2024 tenham um crescimento médio anual abaixo das taxas “áureas” de 4,8% e 5,9% mostradas na tabela que acompanha o texto.

Dessa forma, é razoável supor que essa taxa se situe entre a que caracterizou o período recessivo (1,6%) e a que, idealmente, levaria o país a atingir a meta proposta no PNE (3,7%).  Fosse esta última a taxa que prevalecesse, o Brasil, já em 2022, atingiria a significativa marca de 10 milhões de alunos matriculados no ensino superior (vide tabela do Anexo):

ANEXO

Projeções das taxas líquidas de matrículas no ensino superior do Brasil para o período 2018-2024
Ano Matrículas totais*        (em mil) Matrículas de jovens de 18-24 anos**         (em mil) População de jovens de 18-24 anos***     (em mil) Taxa líquida de matrícula por ano****       (%)
2017 8.287 5.604 24.157 23,2
2018 8.846 5.982 24.113 24,8
2019 9.158 6.193 23.990 25,8
2020 9.469 6.404 23.710 27,0
2021 9.781 6.615 23.354 28,3
2022 10.093 6.826 22.940 29,8
2023 10.405 7.037 22.518 31,3
2024 10.716 7.247 22.111 32,8(a)

Elaboração própria (MCR) com base em dados de matrículas do INEP e de população do IBGE

*Os dados de matrículas totais foram extraídos do INEP (Censo da Educação Superior de 2017), compreendendo o período de 2006 a 2017. A partir dessa série, foram projetadas as matrículas totais para o período 2018-2024, empregando-se um modelo de regressão linear simples.

**Com base na constatação do IBGE, expressa na PNAD Contínua de 2017, de que a coorte de jovens de 18 a 24 anos que estava matriculada nos cursos universitários em 2017 representava 67,6% das matrículas totais nesses cursos, aventou-se a hipótese de que nos anos vindouros, até 2024, essa proporção iria se manter constante, resultando nas projeções apresentadas.

***Os dados populacionais na faixa de idade de 18 a 24 anos são aqueles projetados pelo próprio IBGE.

****A taxa líquida anual de matrícula de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior é simplesmente a divisão das matrículas desses jovens pela população total do país nessa mesma faixa de idade.

a)O Plano Nacional de Educação estabelece como meta a ser alcançada em 2024 uma taxa líquida de matrículas no ensino superior de 33%. Esta meta será atingida (última linha da tabela) se as matrículas totais crescerem a uma taxa geométrica média anual de 3,7% de 2018 a 2024, chegando neste último ano com 10,7 milhões de alunos matriculados, dos quais 7,2 milhões serão de jovens de 18 a 24 anos.