A CPI do Senado sobre a Reforma da Previdência chegou a uma conclusão técnica e politicamente equivocada. O erro não foi resultado de ignorância. Foi um ato irresponsável e de má fé que compromete a imagem da Casa e do Senador-relator. Foi feita para confundir parlamentares pouco esclarecidos, a imprensa e a opinião pública em tema sabidamente controverso.
Quem assessorou a CPI e conduziu os trabalhos para esta estúpida conclusão, o fez com dolo, provavelmente refletindo algum escuso interesse corporativo disfarçado, como sempre, na defesa de “nenhum direito a menos,” o que, na verdade, significa a manutenção de privilégios em nossa sociedade profundamente desigual e ainda muito pobre.
A CPI, para avaliar o déficit, usou o conceito de orçamento da seguridade social que contempla recursos para a saúde, assistência social e previdência. Os dois primeiros são financiados com impostos e contribuições federais. A Previdência Social funciona no sistema contributivo da repartição simples onde os recursos entram pelo bolso direito e saem pelo esquerdo. Um grupo financia intergeracionalmente o outro. Como essa conta é deficitária, recursos do tesouro constantes dos demais itens da seguridade social são convocados para cobrir o rombo. Isso significa que recursos da saúde e da assistência social estão financiando a previdência. Transforma-se, assim, o orçamento da seguridade social em orçamento da previdência o que é tecnicamente errado e feito, conscientemente, para confundir. Daí a conclusão indevida de que não há déficit previdenciário.
Se esse foi o “erro” técnico, o político é mais grave pois a intenção foi destruir qualquer possibilidade de se reformar a Previdência Social, mantendo-a como está. Isso significa conservar privilégios, ignorar o constante envelhecimento da população brasileira e esconder que boa parte do déficit primário federal (94%) deve-se ao desequilíbrio previdenciário.
Dizer que o Congresso não daria 308 votos, em duas votações, para aprovar o texto da reforma como saiu da Comissão Especial por ser proposta “impopular” – especialmente em ano que precede ou se realizam eleições para renovação da Casa- levanta a questão do significado desta palavra. Por certo, não houve manifestações da população em geral (o povão) que está inserida no Regime Geral da Previdência Social. Para esse regime (e para os regimes próprios), a mudança mais importante seria o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição para homens e mulheres, ambos determinados por questões demográficas e orçamentárias.
A reação “popular,” liderada pela CUT, é motivada pela mudança proposta nos regimes próprios dos servidores públicos e sua convergência com o regime geral, onde seriam extintos, por exemplo, benefícios- como aposentadorias integrais bancadas pelo estado brasileiro- entre outros. Esses grupos profundamente corporativos e incrustrados nas castas mais elevadas do serviço público, defendem apaixonadamente seus privilégios tais como aposentadoria com salário integral, paridade com os ativos e incorporação dos inúmeros penduricalhos que foram colocando na arvore remuneratória ao longo do tempo. Esses “direitos” foram obtidos pelo fato desses grupos estarem próximos ao núcleo do poder político ou por possuírem, eles mesmos, poder decisório e força institucional. Os parlamentares são sensíveis a esses grupos entre os quais se situam os policiais federais, os membros do ministério público, do judiciário, os promotores e defensores, os auditores da receita e do trabalho, os agentes penitenciários, etc. Esses “coletivos” é que passam para a imprensa e para os parlamentares o estigma da reforma da previdência como “impopular,” pois as propostas sugeridas extinguem ou reduzem privilégios que, de fato, são inaceitáveis do ponto de vista da equidade e do equilíbrio fiscal.
Os membros do Congresso Nacional acreditam que esses grupos são determinantes para sua reeleição por serem de nível educacional elevado, formadores de opinião e mobilizadores pela força dos seus sindicatos. No entanto, esses grupos são minoritários. À maioria da população interessa ter uma reforma que assegure o pagamento de suas aposentadorias durante o resto de suas vidas. Não se deseja transformar o Rio de Janeiro do presente no Brasil do futuro. Todavia, independentemente de ano eleitoral e dos interesses corporativos, a Reforma da Previdência interessa ao país e isso, boa parte dos parlamentares e de alguns partidos políticos, ignoram. Pensam apenas no curto prazo. Falta-lhe sabedoria política no sentido mais nobre da palavra que é a promoção do bem comum. E se falharem, o “povão” poderá lhes cobrar um alto custo político-eleitoral. Tornar-se-ia, assim, em Congresso imprevidente.
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