Sebastião Vila Nova, desde jovem e com a impaciência ardente dos sensíveis por natureza, recusou-se à linearidade dos acomodados e dos “intelectuários” — para usar uma expressão de Gilberto Freyre para aqueles que formam um híbrido de intelectual e de burocrata. O curso de sua vida, que há pouco se completou, foi um curso de inquietação. Se a natureza deu-lhe talentos, soube fazer deles, não obstante todas as dificuldades, realizações humanas e intelectuais que bem sublimam as frustrações em gozo e criação.
Sociólogo, músico, compositor, poeta, desenhista, cronista de memoráveis crônicas, Vila Nova não teve como escapar ao cerco da arte e das musas em sua vida. Além disso, não devemos esquecer os tempos de seminário, a sua formação teológica e filosófica. Sua vocação, no entanto, estava no século, no mundo, nos apelos sensoriais que, sem esquecer a força nuclear e irradiadora da mística, deixam o homem diante de si mesmo, mas não necessariamente sem a companhia de Deus.
Sebastião Vila Nova foi um apaixonado, um dionisíaco por natureza, na mesma medida em que foi igualmente um homem apaixonante, fazendo amizades com encantadora sedução, distribuindo atenções e afeto entre alunos, colegas e subordinados. Eu próprio — permitam-me a nota biográfica (como falar dos amigos sem falar de nós mesmos?) —, ao longo de tantos anos de convívio na Fundação Joaquim Nabuco, vi-me imerecidamente coberto de inúmeras delicadezas: do bilhete fraterno às indicações de leituras literárias (lembro Kawabata, Mishima, Chordelos de Laclos, Isaac Singer, vários outros, além de Montaigne, por quem se entusiasmara profundamente), do entusiasmo generoso ao conselho que só os verdadeiros amigos sabem dar. Sem dúvida, como escreveu sabiamente Emerson, “A alma cerca-se de amigos para poder alcançar maior autoconhecimento ou solidão; e permanece solitária uma temporada para poder exaltar sua conversação ou sociedade”.
Alagoano de nascimento, Vila Nova se “recifez” — como diria Guimarães Rosa —em Pernambuco. O título de Cidadão Pernambucano outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado em 2002 choveu no molhado: Vila Nova estava já ensopado de pernambucanidade. Que o provem e o alardeiem as suas crônicas e seus artigos reunidos no recente livro “A volta do cigano” (Editora Massangana, 2016), nos quais exaltou nossos artistas — músicos, pintores e escritores—, sem deixar de ser o grande sociólogo que também foi. Sociólogo que se popularizou em todo o Brasil com a obra didática “Introdução à Sociologia” e que nos legou livros importantes como “Donald Pierson e a Escola de Chicago na sociologia brasileira: entre humanistas e messiânicos” e “Sociologias e pós-sociologias em Gilberto Freyre”.
“Viveu” — consta que era assim que os antigos romanos anunciavam a morte de alguém. Com essa mesma visão, Guimarães Rosa pôde escrever: “A gente morre para provar que viveu”. Como quer que se pense ou se creia, agora, quando toda a criadora inquietação de Vila Nova não é mais que uma vibração de nossa saudade, talvez nos consolem os versos de Garcia Lorca: “Duerme, vuela, reposa: también se muere el mar”.
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