Luciano Oliveira

Jornaleiro.

 

Rua sete de setembro, centro do Recife, na frente da extinta Livro 7, carnaval de 2018. Ali volto, como faço todos os anos no Sábado de Zé Pereira, em busca do que sobrou do “Nóis sofre mais nóis goza”. Busco rostos conhecidos, alguns dos quais encontrava ritualmente uma vez por ano. A cada ano eles foram diminuindo. Desta vez, não consegui reencontrar nenhum. Mas confesso que não demorei muito. De todo jeito, a gente brasileira (comigo ou sem migo), se continua sofrendo, continua também gozando. E parece que “gozando” mesmo! Se no espaço (cada vez mais minguado) do “Nóis sofre” o esfrega-esfrega era o de sempre e ainda se ouviam bons frevos e marchinhas, nas adjacências o que se ouvia era um negócio que Ariano Suassuna chamava de “funque”, e se formavam rodas no meio das quais algumas garotas seguravam os joelhos, viravam a cabeça para um lado e outro, e faziam movimentos pra-cima e pra-baixo com as bundas. Ora mais lentos, girando, como se estivessem na posição sexual dita “no torno”, ora mais acelerados, como se estivessem a todo custo fazendo o cara embaixo gozar…

A liberação dos costumes sempre fez parte da própria noção de carnaval. No princípio, era apenas um dia no ano, a chamada “terça-feira gorda”, que antecedia a Quaresma – quarenta dias de jejuns e recolhimento que começavam na “quarta-feira de cinzas” e atingiam o clímax na “sexta-feira da paixão” com a morte dolorosa do Nosso Senhor Jesus Cristo, aquele que veio ao mundo para nos salvar. Para compensar antecipadamente essa tristeza, aceitava-se por um dia a suspensão de alguns interditos tradicionais: um gordo vestia-se de rei, homens fantasiavam-se de mulher e bebia-se à vontade. “As águas vão rolar / garrafa cheia eu não quero ver sobrar” – dizia uma marchinha. E como Eros sempre aparece onde Baco está, o erotismo sempre fez parte do clima do carnaval. Mesmo no tempo dos nossos avós a famosa “Mamãe eu quero / mamãe eu quero mamar” tinha o segundo verso mudado pelos mais afoitos (ou mais bêbados) para “mamãe eu quero chupar”… E, no terceiro verso, “dá a chupeta / dá a chupeta”, a palavra “chupeta” era substituída por outra que, sendo dela uma rima perfeita, o leitor já adivinhou qual era!

O que teria mudado? Boa pergunta. Uma das respostas é a dimensão da coisa. O carnaval, que já foi coisa de um dia, com o tempo, entre nós, virou “tríduo momesco”, que depois evoluiu para a “semana de carnaval”. E o processo de espichamento  (para trás e para a frente) continua, recuando até o Ano-Novo e avançando até sabe-se lá onde. A própria Semana Santa, que fecha a Quaresma, já vai sendo roída… Encenações como a “Paixão de Cristo de Nova Jerusalém”, já faz tempo, vêm adquirindo cada vez mais uma vocação profana, inclusive no sentido carnal-valesco do termo: um tal de “banquete de Herodes”, por exemplo, transmudou-se num tal de “bacanal de Herodes”…

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Na quarta-feira de cinzas, Galvão Bueno transmite um jogo que diz ser entre o Paris Saint-Germain e o Real Madrid. Mas o que vejo na tela é um time chamado Fly Emirates de camisa preta jogando contra outro Fly Emirates de camisa branca. (Como Neymar jogava pelo Fly preto, e Cristiano Ronaldo pelo Fly branco, foi difícil escolher por quem torcer.) Definitivamente, Luís Carlos Prestes estava errado: o mundo não marcha para o socialismo, marcha mesmo é para o capitalismo!