Um conhecido dito latino sintetiza uma das características mais “enigmáticas” do poeta: “o poeta nasce, o orador faz-se”. E de fato não se precisa pesquisar muito ou ser atento observador para saber que isso, mais que um dito, é uma verdade. Basta ler grandes poemas escritos por autores ainda muito jovens. Um Castro Alves. Um Georg Trakl. Um John Keats. Tantos outros. Como é possível? Onde aprenderam? Machado de Assis, no conto “A cartomante”, nos fala dos “óculos de cristal que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos”. Por sua vez, e a seu modo, Guimarães Rosa parece dizer o mesmo ao escrever que “ser poeta é já estar em experimentada sorte de velhice”…
Em seu ensaio “O poeta e o fantasiar” (1908), Freud se fez praticamente as mesmas perguntas acima, acrescentando com típica inquietação e curiosidade: “Nosso interesse neste caso só cresceu devido à circunstância de que o próprio poeta, quando perguntado a respeito, não nos fornece nenhuma informação ou nenhuma que seja satisfatória […]”. Para o criador da psicanálise, essa “inconsciência” do poeta acerca dos seus achados é deveras instigante. Como sabem os leitores, Freud verá na fantasia do poeta um sucedâneo do brincar da criança, reconhecendo que “É mais difícil observar o fantasiar das pessoas [elas o ocultam e dissimulam] que a brincadeira das crianças”. Em seguida, partindo do pressuposto de “que quem é feliz não fantasia”, Freud afirma que os desejos insatisfeitos é que são as grandes forças impulsionadoras das fantasias. O poeta passa a ser visto como um sonhador diurno que, mediante suas fabulações (formações substitutivas) e prazerosa exposição estético-formal, liberta-se de tensões interiores. O inconsciente seria, assim, uma fonte poderosa de criação, um “professor” a sugerir temas e gostos, não só desgostos….
A poesia, portanto, “se aprende” e é apreendida como uma vivência pessoal que obriga o poeta a buscar uma nova linguagem (criadora de metáforas, como diria Aristóteles). E, como nenhum poeta ou criador é uma ilha, essa busca está cercada e muitas vezes até tutelada por espíritos afins. Das afinidades e influências, não escapam nem mesmo os mais importantes e geniais poetas. É uma busca que refoge aos lugares-comuns e à própria escola. Uma busca libertária, por assim dizer, mas sempre em dialética tensão com a própria tradição.
Curiosamente, encontro não em um crítico ou literato, mas no guru e pai da moderna ciência da gestão, Peter Drucker, em seu ótimo livro “Desafios gerenciais para o século XXI”, esta constatação reveladora: “[…] os escritores de primeira em geral não aprendem ouvindo e lendo, mas, sim, escrevendo. Como esta não é a maneira pela qual as escolas lhes permitem aprender, eles tiram notas baixas. E ser forçado a aprender da maneira que a escola ensina é um inferno para eles, além de puro sadismo”. É isso mesmo. Nesse sentido, são geralmente irônicas e pitorescas as histórias que muitos autores sempre contam quando se lembram dos seus dias de escola. Dias de desapontamento…
O “aprendizado” da poesia tem, portanto, a ver com outros “jogos de linguagem” (Wittgenstein) que não os habituais e os encontrados na seara pedagógica e no rotineiro cotidiano. Como no caso da própria filosofia para o chamado “segundo” Wittgenstein, o das “Investigações Filosóficas”, julgo, a propósito, que a poesia só passa a existir “quando a linguagem entra em festa” (o que mereceria uma exposição mais alongada, mas não oportuna para um simples artigo como este).
Não obstante a verdade do poeta “que nasce”, é importante vermos, por outro lado, que há, sim, aprendizado. E este aprendizado, como bem lembrava o meu mestre, poeta e crítico César Leal, passa pela consciência de que, em nossa sociedade, todo poeta se insere numa instituição ocidental milenar chamada Literatura. É nesse fluxo histórico que terá suas raízes e seu ecossistema. Daí que Horácio tenha exortado os poetas a também serem estudiosos, não devendo se contentarem apenas com a inspiração. E não serão os testemunhos e os exercícios da razão que desmerecerão as obras, pelo contrário: a palavra libertadora da poesia parece mesmo não poder prescindir de tal aprendizado. Nada, porém, estará garantido se não houver uma potência criadora a nos revelar novas visões e novos símbolos universais, pois, como observou Freud, “o próprio poeta gosta de reduzir a distância entre o que lhe é singular e a essência humana em geral”. Mas não é exatamente que o poeta “goste de reduzir” essa distância, reduzi-la ou eliminá-la é inerente à sua natureza.
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