Clemente Rosas

Leônidas, o diamante negro.

Das vinte copas do mundo de futebol realizadas até hoje, só não vivi as três primeiras: 1930, 34 e 38.  Mas da última delas tive notícia, pelas resenhas do meu pai, sobre o brilho dos nossos dois heróis:  Domingos da Guia, o baluarte quase intransponível na defesa, e Leônidas, o “diamante negro”, que deslumbrou a Europa com as suas “bicicletas”, recurso até então desconhecido, e, num dia de chuva, realizou a proeza de fazer um gol dispensando as chuteiras.

Em 1950, eu tinha dez anos, e ouvi o jogo final pelo rádio, no amplo terraço lateral da casa de minha avó, protegido do sol poente por trepadeiras floridas.  E assisti ao espetáculo doméstico do meu tio Danilo, poeta, boêmio e comunista (o primeiro da família), entusiasmadíssimo ao gol de Friaça, e esmorecendo aos poucos, com o empate do Uruguai e o desfecho inesperado, trágico, o grande trauma nacional, que o deixou em profunda depressão.  (Tio Danilo morreu poucos anos depois, em acidente de carro, ao voltar de um dia de libações alcoólicas na Praia Formosa.  Deixou filhos pequenos e uma viúva, jovem e bonita, cuja viuvez foi mantida até a morte).

Em 1954, ao ser restabelecida a transmissão radiofônica na Paraíba, o Brasil já perdia por 2 a 0.  A Hungria, o melhor time daquela copa, com o inesquecível Ferenc Puskas, nos meteu um 4×2, foi arrasando todo  mundo, e só perdeu, na final, para a Alemanha, um resultado que sempre me pareceu injusto.  Em 1958 veio a glória inesperada, com um time cuja linha de ataque havia sido quase totalmente modificada ao longo da competição (só Didi, o “príncipe etíope”, foi mantido), e abrigava um garoto de 17 anos.  Mais surpreendente ainda: o técnico, o gordo Vicente Feola, dormia durante os treinos.  E tivemos ampla vitória (5×2) sobre a equipe da França, onde pontificava Juste Fontaine, até hoje o maior goleador de todas as copas.

Em 1962, com Pelé fora do time por distensão na coxa, devemos a taça a Garrincha, o “bow-legged little man”, como o rotulou um jornalista americano.  Ele superou suas próprias características: fez um gol com a perna esquerda e outro de cabeça.  E esse espetáculo já pude ver filmado, pela televisão em preto e branco, no Rio, com os companheiros da União Nacional dos Estudantes Aldo Arantes, Marco Aurélio Garcia e Roberto Amaral.  Em 1966, com o país sob ditadura militar e o time desestruturado, tivemos a pior apresentação brasileira naquele certame, em qualquer época.  Ao ponto de Pelé, duramente caçado em campo, afirmar que seria a sua última participação.

Felizmente, mudou de ideia, e tivemos a catarse de 1970, já com transmissão ao vivo e em cores.  Nas competições seguintes, 74 e 78, perdemos por eventualidades diversas, mas sem deslustre.  Em 1982, com uma equipe talvez melhor que a de 70, deixamos a vitória escorrer pelos dedos, por excesso de confiança e desconcentração.  Em 86 e 90, novos tropeços.  Em 1994, ganhamos, mas sem brilho, pela pusilanimidade do técnico Parreira.  Se ele tivesse tido a coragem de escalar Ronaldinho – então com 17 anos, como Pelé em 1958 – no segundo tempo da partida final contra a Itália, em que os italianos já não se aguentavam nas pernas de cansaço, não teríamos de esperar pelo erro de Roberto Baggio, na cobrança dos pênaltis.

A surpresa da final de 98 permanece inexplicada, e a burocracia do futebol brasileiro deve ao país esta satisfação: o que realmente aconteceu com o “Fenômeno”? Minha impressão é de que se trata de algo que não se quis revelar, por mesquinhas razões de conveniência.

Em 2002 ganhamos bem, sem controvérsias, com Ronaldinho Gaúcho, em “folha seca” digna do velho Didi, vencendo o arqueiro germânico, considerado o melhor da competição.  Em 2006, de novo a tibieza de Parreira, insistindo em manter no time o veterano Cafu, já sem pernas para acompanhar as investidas dos atacantes adversários, e Ronaldo Gorducho, visivelmente fora de forma, nos levou à derrota.

Em 2010, a copa da África, fomos muito bem, tendo Lúcio, com sua cara rústica de camponês, na defesa, e Robinho, com suas “pedaladas”, no ataque.  Duas casualidades nos tiraram a taça das mãos.  Na primeira, o goleiro Júlio César, numa saída infeliz para colher uma bola “centrada” na área, chocou-se com o nosso zagueiro, deslocando-se os dois, e a bola, livre, livre, quicou no chão e entrou.  Na segunda, a mesma maldita bola encontrou a cabeça de um holandês, que nem precisou pular para metê-la em nossas redes.

As limitações dos holandeses, que não eram melhores do que nós em 2010, embora tivessem brilhado, com o seu famoso “carrossel”, em 1974 e 1978 (copas que lhes foram tomadas, à última hora, pela Alemanha e pela Argentina), revelaram-se no jogo final, em que os espanhóis lhes deram um verdadeiro baile.  Pareciam os nossos, os ibéricos, na descontração e na desenvoltura…

De 2014, não dá para falar.  A agressão criminosa a Neymar, e sua temporária invalidez, roubaram a alma do time, resultando no vergonhoso 7×1, só comparável à tragédia de 1950.

E agora?  Qualidade de jogo temos, e o histórico da atual seleção é claramente positivo.  Mas, como disse o ministro Armando Falcão, de sombria memória, o futuro a Deus pertence. É esperar, torcendo, para, no momento certo, celebrar.  Ou chorar.