O “tópos” das relações entre o intelectual e o poder sempre rende reflexões e autorreflexões, mesmo entre aqueles que tiveram uma passagem fugaz pelo poder. É o caso do ex-ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, que passou apenas seis meses à frente do MEC e que recentemente lançou o livro “A pátria educadora em colapso: reflexões de um ex-ministro sobre a derrocada de Dilma Rousseff e o futuro da Educação no Brasil”. Embora o viés dilmista do seu autor, a obra merece ser lida não só pelo que desvela de um governo já isolado da sociedade como pelas propostas e análises do educador Janine Ribeiro.
Como muitos hão de se lembrar, a indicação do ex-ministro em março de 2015 agradou a um amplo espectro político, sendo vista com entusiasmo não só por seus próprios pares como pelas cabeças pensantes do País. Nada, em tese, melhor do que um bom educador na pasta da Educação. Janine substituiria Cid Gomes, a quem elogia no livro pelo excelente programa de alfabetização implantado no Ceará enquanto fora governador. Entre a saída de Cid Gomes, registra o autor talvez um tanto ingenuamente, e o convite para a pasta, um colega seu da Capes “deslanchou uma campanha no Facebook com uma página chamada ‘Janine no MEC’”. Feliz com a boa repercussão da página na rede social, ele conclui que “Deve ter sido a primeira vez no Brasil, não sei se no mundo, que se fez uma campanha pela rede social a favor da indicação de um ministro”. Mal sabia o filósofo que sua passagem seria tão rápida quanto uma simples “curtida”. Assim inicia a primeira parte do livro, homônima do seu título: “A Pátria Educadora em colapso”.
O colapso começaria pelo equivocado e pretensioso slogan escolhido pela presidente para o seu segundo mandato. Ao que parece, conforme Janine, tal lema fora gestado no próprio Palácio do Planalto “sem que se consultasse o ministério” logo no início do segundo Governo Dilma. Naturalmente, é óbvio, isso colocava o MEC numa posição de ainda maior relevância (e numa “vitrine” ainda mais visível) do que a que já possui. Num ano de cortes orçamentários, inclusive na Educação, a fragilidade real e publicitária do slogan ficava mais do que exposta: dava um mote para o governo se tornar um desmoralizado alvo da mídia.
Desapontado e ao mesmo tempo esperançoso com o governo, como é público que já se encontrava antes de assumir o MEC, Janine, sempre bem intencionado e equilibrado nas suas posturas de novel gestor, vai fazendo o que pode para lidar com as duras realidades da gestão federal e da política. Repassando em retrospectiva seus poucos êxitos e seus próprios malogros, não hesita em assumir um tom de autor de autoajuda. A inexperiência como gestor (como desgraçadamente costuma acontecer em vários escalões da máquina estatal) leva-o a aprender algumas verdades sobre a gestão pública (“Não adianta dar uma ordem. Você precisa averiguar o tempo todo se ela está sendo cumprida.”). O tom moral, mas não moralista, leva-o a refletir que “Se você não puder dizer toda a verdade (e na política nem sempre se pode), pelo menos evite mentir”. No entanto, a percepção conflituosa é praticamente inarredável: “Para um intelectual, um cientista ou um pesquisador é diferente [da visão dos políticos]. A verdade não é meio para atingir um resultado político (por nobre que seja). É um fim em si”.
Enfrentando, por um lado, as demandas políticas (e aqui não devemos esquecer que o MEC é um ministério inescapavelmente político) e, por outro, a escassez de recursos da crise já instalada, sem falar dos problemas internos do gigantesco ministério que assumiu, Janine, ao desfiar seu rosário de mágoas, também nos vai dando lições sobre a Educação com que sonhamos e o imenso hiato que dela nos separa, e isso numa linguagem simples e acessível ao grande público, marcada por um tom generoso e compreensivo com as circunstâncias em que trabalhou a favor do País. Esse tom generoso estende-se à presidente, a quem dedica todo um capítulo — “Dilma, o enigma”, em que reflete sobre a personalidade, a psicologia e a visão política da mandatária deposta. Mas, ora “rude”, ora “carinhosa”, a presidente, ao fim e ao cabo, pouco dispensou a seu ministro a atenção que ele merecia, como aliás fez com tantos outros assessores. Sua demissão, que ele soube por terceiros (!!!), terá sido não outro “enigma”, porém, sim, uma desagradável surpresa, acionada pela força da política mais rasteira e de um poder não menos pedestre, já precarizado pelo foco único da salvação da própria pele. Assim, mais uma vez o País (melhor dizendo, o Estado) desperdiçou um dos seus melhores talentos.
Na segunda parte do seu livro — “A pátria precisa se educar” —, Janine reúne algumas de suas principais propostas para a Educação no Brasil. São pensamentos, supomos, como aqueles de Machado de Assis em famoso soneto: “idos e vividos”. Eles parecem nos dizer que Educação não deve ser apenas projeto de governo, mas programa de Estado. Programa criativo, esperançoso e democrático. Todavia, ai de nós, ao fim da leitura de “A Pátria Educadora em colapso”, nos fica a imagem melancólica do grande samba de Cartola: “O mundo é um moinho”. Assim, alargando o verso de Machado pra falar das reflexões e dos pensamentos de nosso autor, talvez possamos dizer que estes são idos, vividos e moídos… Oxalá encontremos Quixotes pra vencermos os moinhos dos desacertos e dos desencontros.
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