05 de setembro de 2018
Al?m da indigna??o contra o descaso dos governos, que s?o a causa primeira da destrui??o de um de nossos mais valiosos patrim?nios culturais, o que mais acrescentar?
Elio Gaspari, em sua coluna da Folha, com justa raz?o irritou-se com as declara??es do Ministro da Cultura, S?rgio de S? Leit?o, queixando-se da falta de aten??o do conjunto da sociedade para defender a cultura nacional. ?A sociedade nada teve a ver com o inc?ndio. Os respons?veis foram os diretores e reitores da Universidade Federal do Rio de Janeiro?. Josias de Souza afirma que h? um cinismo sobre as cinzas do Museu Nacional. ?Temer deu de ombros para a tentativa do diretor do museu, Alexandre Kelner, de ser recebido no Pal?cio do Planalto?. Mas n?o deixou de nomear o governo Dilma Rousseff. Desde o seu primeiro mandato, o Museu Nacional n?o recebia nem a totalidade dos R$ 520 mil anuais que deveriam custear sua manuten??o, rubrica que baixou para 427 mil em 2014, e 257 mil em 2015.
Quando Elio Gaspari faz a compara??o de nossos museus com os de outros pa?ses, esquece um fato importante. Naqueles pa?ses, os governos criam e inauguram museus, por?m a chamada sociedade civil tamb?m os assume, por esp?rito c?vico, de educa??o cultura, desde crian?as, com o intuito de algum benef?cio fiscal. Doa??es que n?o s?o de pouca monta.
Visitei, logo depois de inaugurada, a High Line em Nova York. Existia um elevado ferrovi?rio na ?rea portu?ria daquela cidade, que vinha sendo desativado aos poucos, desde que o transporte de caminh?es passou a substituir o ferrovi?rio. Em 1999, a Prefeitura de Nova York decidiu que iria demolir o que sobrava desse elevado. Por?m dois residentes das proximidades, Joshua David e Robert Hammond, criaram a associa??o ??Amigos do High Line? e conseguiram impedir a destrui??o. Atrav?s dessa associa??o, juntaram recursos para iniciar as obras, visando a transformar aquela ?rea elevada em uma esp?cie de museu aberto, com acesso gratuito. S? depois dessa iniciativa, o governo municipal assumiu, deu continuidade e ampliou o espa?o da High Line.
No Brasil, algumas t?midas iniciativas despontam, sobretudo na cidade de S?o Paulo. O inc?modo Minhoc?o pode vir a ser algo semelhante.
Roberto da Matta, colunista do Estad?o, questiona onde est?o os milion?rios brasileiros ? formados gratuitamente nas nossas universidades p?blicas ? para ajudar na reconstru??o do museu. Pergunte, professor, por que Jorge Paulo Lemann, um dos homens mais ricos do Brasil e do mundo, fundou o ?Lemann Visiting Scholars and Fellows? em Harvard, e n?o na USP, por exemplo? Anos depois, talvez tendo recebido cr?ticas, criou no Brasil uma Funda??o Lemann, com a finalidade de melhorar a educa??o p?blica aqui, seguramente uma esmola em face de seu programa em Harvard.
Nossa cidadania de brasileiros, perpassando todas as classes sociais, est? longe dessa tradi??o de contribuir para institui??es p?blicas. Mas, por outro lado, delas se espera tudo. E o que de errado acontece ? sempre culpa do governo.
Ontem, no tr?nsito da Avenida Agamenon Magalh?es, ouvia a R?dio P?blica do Recife, a Frei Caneca FM. Nela, um depoimento muito me tocou. N?o lembro o nome da mo?a respons?vel por um dos museus do Recife, n?o dava para anotar com o carro em movimento. Ela dizia algo muito simples. Que as fam?lias aproveitassem o feriad?o de Sete de Setembro para come?ar j? a valorizar os museus. Seria a melhor forma de prestar homenagem ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, que o fogo destruiu. Levar as crian?as. Despert?-las para o valor do nosso patrim?nio cultural.
Ser? que ? isso o que fazem as escolas p?blicas e privadas? Ou aproveitam a trag?dia para macaquear o que as redes sociais est?o publicando ? exaust?o: culpar esse ou aquele lado pol?tico (que se reduziu a ?n?s? e ?os outros?) pelo desastre? A ideologia tomou conta de nossas escolas e das universidades p?blicas brasileiras, que formam os professores do ensino b?sico. H? um marxismo atrasado e superado pelos fatos, que preconiza a constru??o de uma sociedade socialista para substituir o neoliberalismo. At? l?, o comprometimento se reduz ? difus?o de muita ideologia e poucas iniciativas cidad?s. Nesse terreno, estamos a anos-luz de atraso, em rela??o aos pa?ses que valorizam seus espa?os de cultura.
Beleza, Teresa!
Concordo com você em relação ao nosso “marxismo atrasado”.
Eu, que continuo um leitor atento de Marx, por exemplo, não tenho paciência de conversar muito tempo com alunos meus que continuam acreditando que todos os nossos males derivam do capitalismo, do neoliberalismo e de não-sei-que-mais…
Mas, aqui pra nós, prefiro reter do seu ótimo e bem informado artigo o que você diz sobre nossas “elites” econômicas.
Nunca tinha ouvido falar desse Jorge Paulo Lemann…
Aparentemente, é o tipo de gente que forma as nossas “elites”.
Como gostava de dizer nosso querido Fernando Mota, “o Brasil não é um país, é um bordel”…
Que saudades de José Mindlin!
Abração,
Luciano
Primeiro, que bom que você resolveu voltar do seu retiro! Tema triste, o de mais um passo do retrocesso do Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro querido e admirado, uma das cidades mais lindas do mundo. Você constata, com razão, que no Brasil há pouca filantropia. Em parte é porque existe uma cultura do “estado babá”: tudo tem que ser o Estado! Jogam lixo na rua e reclamam que não está ali o gari da Prefeitura para varrer! Mas, que eu saiba, o Museu do Futuro, no Rio, bem interessante, foi construído com dinheiro do setor privado. Haveria má vontade porque doações são reguladas de maneira altamente discutível, como o caso da Lei Rouanet? Ou porque falta organização de campanhas? (Eu recebo todo ano pedido da University of Cambridge, onde passei dois anos, e jamais recebi pedido da USP, de onde tenho meu título de Doutor cum laude.) E lembro outro obstáculo importante (ou preconceito?) quando o agente público não quer a participação do setor privado porque entende que isso reduz o seu poder. Estamos vendo isso com a UFRJ neste momento. Uma variante disso você deve ter visto na sua vida universitária (eu pelo menos vi na UNB e sei de casos na USP) em que um professor consegue dinheiro do setor privado para um projeto de pesquisa, e os colegas vão contra, até impedem por decisão do departamento, quando podem, sob a alegação de isso fere a independência da pesquisa científica na imaculada academia. É só o mal da inveja, pois não há motivo a priori para dizer que a pesquisa científica com dinheiro privado tem mais fraude ou interferência indevida que aquela feita com dinheiro público. Eu não atacaria um empresário por dar preferência a Harvard sobre a USP sem conhecer melhor os detalhes: sei lá para que atividade foi o dinheiro, e sei lá que destino a USP daria a uma possível doação. Aí começaria certamente a picuinha porque deu para esta universidade e não aquela, no Brasil. Quem doa deve ter a liberdade de escolher o projeto que vai apoiar. Interessante é o caso da BrazilFoundation, fundado por uma ex-colega de ONU, Leona Forman, que começou buscando fundos entre doadores nos Estados Unidos, para projetos no Brasil. Já encaminhou vários milhões de dólares para projetos sociais no Brasil.
Obrigada pelos comentários, Helga e Luciano. Acrescentaram e instigaram a uma réplica, que afinal é a finalidade deles nessa revista. Antes de tudo, Luciano, gostaria de lembrar que sem dúvida o empresário Lemann se destaca como elite econômica. Porém, elite somos todos que lemos e discutimos esses assuntos. Acho simples classificar elite, como faz o discurso chamado de esquerda no Brasil (sei que não é o teu), como “os outros”. Não somos uma elite empresarial como Paulo Lemann. Somos, no entanto, uma elite intelectual. Esse comportamento em relação á coisa pública no Brasil, como disse no artigo, perpassa todas as camadas da sociedade, inclusive nós.
Fui uma das beneficiárias do “Lemann Visiting Scholars and Fellows” de Harvard em 2000. E entendo, como Helga, que ele tenha escolhido essa universidade, onde estudou, e não uma qualquer brasileira. Lá ele certamente acompanha, através de assessores, o desenrolar do programa e sabe cada dólar onde é aplicado. A universidade americana tem instâncias específicas que cuidam dessas doações que se constituem em fundações. Imagine a burocracia de uma universidade pública brasileira? Todos nós conhecemos. Por outro lado, dou o exemplo de outra faceta da mesma questão. Quem não conhece e frequenta médicos e dentistas que têm preços diferenciados com ou sem recibo? Os que se acham de esquerda, têm o discurso pronto de que aqui no Brasil o governo não é confiável e ninguém sabe aonde vão parar as contribuições fiscais. E assim, la nave va.
Prezada Teresa,
Prezada Helga.
Depois de ler os comentários das duas, e pensando bem, retiro minha apressada crítica a um empresário brasileiro que prefere fazer doações a Harvard do que à USP sem conhecer as razões dessa preferência.
Abração,
Luciano