Editorial

Aos poucos, na medida em que anuncia a composição do seu ministério, o presidente eleito Jair Bolsonaro vai mostrando o perfil político e ideológico do seu governo. Os sinais são muito contraditórios, alguns positivos e outros bastante preocupantes, o que reflete os conflitos internos na própria base política do presidente, e as tensões entre a sua ideologia e a complexidade do Brasil real. As contradições são normais em todo governo. Mas sempre podem provocar disputas e imobilismo na condução política do Brasil, mesmo sem considerar as próprias dificuldades que o novo governo terá na formação de uma base parlamentar sólida. Se a escolha de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça sinaliza positivamente que o novo governo patrocinará o combate à corrupção e ao crime organizado no Brasil, o futuro ministro das relações exteriores, o diplomata Ernesto Araújo, ameaça levar o país de volta aos tempos sombrios da guerra fria e da paranoia anticomunista.  Araújo é um defensor fanático de uma aliança privilegiada com os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, visto como o salvador do ocidente contra a globalização e a influência da China. Às voltas com o fantasma do marxismo, o futuro ministro rejeita a globalização e nega a existência das mudanças climáticas, o que pode levar ao isolamento diplomático e à desastrosa retirada do Brasil do Acordo do Clima, com grande prejuízo para a imagem externa do país e para as exportações brasileiras. Todo o contrário da orientação liberal de Paulo Guedes, ministro da área econômica, favorável à abertura externa da economia, com ampliação do comércio mundial de forma pragmática, e sem mediações ideológicas ou estreitas adesões geopolíticas. Que tem contado com a aprovação de Bolsonaro, tanto nas declarações em favor do ajuste fiscal, das reformas estruturais, principalmente da Previdência, da privatização de estatais e da abertura externa da economia, quanto na formação de uma equipe econômica consistente e afinada com o liberalismo do novo ministro.  Em todo caso, a verdadeira cara do governo depende da forma como o presidente vai administrar o conflito entre ministérios de tendências tão diferentes, e da sua capacidade para negociar apoio político no Congresso, para a aprovação de projetos controversos e impopulares.