Sérgio C. Buarque

As críticas do presidente eleito Jair Bolsonaro ao programa “Mais Médicos” são, no geral, exageradas e simplistas. Mas a decisão do governo cubano de suspender o programa, de forma unilateral e intempestiva, constitui uma desproporcional e indevida hostilidade e uma agressão diplomática ao Brasil. Embora o contrato do Brasil com Cuba seja o resultado da simpatia ideológica do governo do PT-Partido dos Trabalhadores com o regime cubano, não se pode negar o mérito da cooperação, menos ainda a contribuição dos médicos cubanos no atendimento em áreas não atendidas pelos profissinais de saúde brasileiros. A qualificação profissional dos médicos cubanos tem sido o principal questionamento de Bolsonaro e da comunidade médica brasileira, na medida em que, pelo contrato, os cubanos não estão obrigados à revalidação dos seus diplomas no Brasil. Bolsonaro antecipou na campanha e vinha repetido depois de eleito que pretendia rever o acordo exigindo, entre outras coisas, a revalidação dos diplomas dos médicos enviados por Cuba. Embora seja uma justa preocupação, é importante lembrar que os médicos cubanos são contratados pela OPAS-Organização Panamericana de Saúde (instituição respeitável vinculada à OMS-Organização Mundial da Saúde), intermediária no acordo do Brasil com Cuba. Como uma forma de cooperação internacional, cabe à OPAS atestar a competência profissional dos médicos envolvidos no programa, o que tornaria desnecessário um processo de revalidação interno.

Diante de declarações do futuro presidente brasileiro, Cuba perdeu a serenidade conveniente nas relações diplomáticas, rompendo unilateral e grosseiramente um contrato assinado entre dois Estados. É certo que Bolsonaro vinha anunciando sua intenção de rompimento das relações diplomáticas com Cuba; mas Bolsonaro ainda não é o Presidente da República, e não pode decidir sobre os programas assinados no passado por outros chefes de Estado. Com a retirada às pressas dos médicos cubanos, Cuba não deixou espaço para qualquer negociação com o governo brasileiro que permitisse uma transição capaz de evitar os transtornos da suspensão brusca do atendimento médico à população brasileira. O governo brasileiro está encaminhando uma solução emergencial com a convocação de médicos brasileiros que, se bem sucedida, demonstraria que o Brasil não precisa da cooperação do governo cubano. O mais grave de tudo é que a reação deselegante do governo cubano oferece argumentos e motivações adicionais para que, ao assumir o governo, Bolsonaro concretize sua intenção de rompimento de relações diplomáticas com Cuba. Lamentável resultado da insensatez de brasileiros e cubanos.