Guimarães Rosa não foi só o maior escritor brasileiro do século 20, mas igualmente um brilhante diplomata. Da diplomacia, parece ter trazido para a literatura uma voz toda sua, impregnada de inovação linguística, diversidade idiomática e de um tom que nada tem de enfático e altissonante, a exemplo da voz confessional daquele que talvez seja o mais emblemático dos seus narradores: o jagunço Riobaldo, protagonista, como se sabe, de uma obra tão lírica quanto épica e metafísica: “Grande Sertão: Veredas”, em cujo texto mais de um crítico já enxergou uma inovadora interpretação do Brasil.
Mesmo com toda a discrição mineira e “oficial” que o caracterizava, Rosa, em uma das suas poucas entrevistas, justamente a que restaria mais célebre e citada — a que concedeu ao crítico alemão Günter Lorenz — não parece poupar os políticos ao afirmar que “A política é desumana, porque dá ao homem o mesmo valor que uma vírgula em uma conta. Eu não sou um homem político, justamente porque amo o Homem”. Logo a seguir, instado a falar sobre seu gesto de salvar judeus da mão da Gestapo, volta a criticar os políticos: “Um diplomata é um sonhador e por isso pude exercer bem essa profissão. O diplomata acredita que pode remediar o que os políticos arruinaram. Por isso, agi daquela forma e não de outra”.
Deixemos por ora o grande escritor de lado e fiquemos com a recente realidade política brasileira. Em seu importante livro “A diplomacia na construção do Brasil 1750–2016”, Rubens Ricupero nos ensina que, nos anos recentes, apenas Itamar Franco e Dilma Rousseff foram “menos atraídos, por temperamento, pela política externa’” e que Sarney, Collor, Fernando Henrique e Lula “ocuparam os melhores espaços da diplomacia”, exercendo, cada um a seu modo, uma diplomacia presidencial. Enfim, há presidentes que, para o bem e para o mal, têm o gosto das relações exteriores, enquanto outros seriam por assim dizer “introspectivos” …
No caso de Jair Bolsonaro, salvo melhor juízo, a política externa está sendo um daqueles casos em que Rosa enxergou a ruína política. Conduzida na prática pelo próprio presidente, pelo seu filho Eduardo Bolsonaro e pelo ministro Ernesto Araújo, tal política refoge, como já sugerem vários analistas, às melhores tradições do Itamaraty. Imantados a uma ideologia ultraconservadora e acicatados por ímpetos radicais, inclusive contra os Direitos Humanos e o direito das minorias, o ilustre trio vem desafiando o bom-senso e a própria tradição diplomática brasileira. À falta de ideias e propostas, lançam chamas e provocações que deixam em guarda os que acreditam na diplomacia como valor civilizatório e democrático, pois, como disse o ministro Ricupero no seu livro há pouco citado: “Para isto serve a diplomacia: dar aplicação concreta ao valor da paz e da confiança recíproca”. Mas é evidente que o perfil autoritário e desconfiado do presidente pouco ou nada tem a ver com o “soft power” da melhor diplomacia e muito menos com qualquer “confiança recíproca”. Também por isso corremos o risco de sinistras aventuras, com desagradáveis e nefastas consequências para o País.
O presidente, que lê com devoção o Coronel Brilhante Ustra, poderia ler, ainda que em fragmentos, para melhor digestão, o nosso, este sim realmente brilhante, Guimarães Rosa, quando diz, por exemplo, pela boca de Riobaldo, com a sabedoria da vida e do jogo diplomático, a seguinte frase: “Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”. Isto supondo que se quer o bem! De qualquer forma, claro está, pelo andar da carruagem, que, no Itamaraty ou alhures mundo afora, nossos diplomatas terão muito trabalho pela frente e que na medida do possível alcançarão vitórias anônimas para mitigar de alguma forma as ruínas por vir ou anunciadas. Oxalá.
O poeta Paulo Gustavo lançando luz sobre as trevas em que hoje vivemos, e como sempre de forma brilhante.
Obrigado, caro Glivio.
Paulo, o presidente não leu Proust. Por isso, ele não aprendeu.
Excelente artigo ????
Obrigado, Maria Cristina.
Excelente comentário !!!
Ele só leu livros técnicos de Educação Física kkkk.
Abraço
Paulo, as coisas estavam piores e doravante-mente foram piorando. O Brasil não é para principiantes. Vamos beber alguns Chopps no Rio! Só assim rir pra não chorar
Valeu, amigo!