Paulo Gustavo

Guimarães Rosa – escritor e diplomata.

Guimarães Rosa não foi só o maior escritor brasileiro do século 20, mas igualmente um brilhante diplomata. Da diplomacia, parece ter trazido para a literatura uma voz toda sua, impregnada de inovação linguística, diversidade idiomática e de um tom que nada tem de enfático e altissonante, a exemplo da voz confessional daquele que talvez seja o mais emblemático dos seus narradores: o jagunço Riobaldo, protagonista, como se sabe, de uma obra tão lírica quanto épica e metafísica: “Grande Sertão: Veredas”, em cujo texto mais de um crítico já enxergou uma inovadora interpretação do Brasil.

Mesmo com toda a discrição mineira e “oficial” que o caracterizava, Rosa, em uma das suas poucas entrevistas, justamente a que restaria mais célebre e citada — a que concedeu ao crítico alemão Günter Lorenz — não parece poupar os políticos ao afirmar que “A política é desumana, porque dá ao homem o mesmo valor que uma vírgula em uma conta. Eu não sou um homem político, justamente porque amo o Homem”. Logo a seguir, instado a falar sobre seu gesto de salvar judeus da mão da Gestapo, volta a criticar os políticos: “Um diplomata é um sonhador e por isso pude exercer bem essa profissão. O diplomata acredita que pode remediar o que os políticos arruinaram. Por isso, agi daquela forma e não de outra”.

Deixemos por ora o grande escritor de lado e fiquemos com a recente realidade política brasileira. Em seu importante livro “A diplomacia na construção do Brasil 1750–2016”, Rubens Ricupero nos ensina que, nos anos recentes, apenas Itamar Franco e Dilma Rousseff foram “menos atraídos, por temperamento, pela política externa’” e que Sarney, Collor, Fernando Henrique e Lula “ocuparam os melhores espaços da diplomacia”, exercendo, cada um a seu modo, uma diplomacia presidencial. Enfim, há presidentes que, para o bem e para o mal, têm o gosto das relações exteriores, enquanto outros seriam por assim dizer “introspectivos” …

No caso de Jair Bolsonaro, salvo melhor juízo, a política externa está sendo um daqueles casos em que Rosa enxergou a ruína política. Conduzida na prática pelo próprio presidente, pelo seu filho Eduardo Bolsonaro e pelo ministro Ernesto Araújo, tal política refoge, como já sugerem vários analistas, às melhores tradições do Itamaraty. Imantados a uma ideologia ultraconservadora e acicatados por ímpetos radicais, inclusive contra os Direitos Humanos e o direito das minorias, o ilustre trio vem desafiando o bom-senso e a própria tradição diplomática brasileira. À falta de ideias e propostas, lançam chamas e provocações que deixam em guarda os que acreditam na diplomacia como valor civilizatório e democrático, pois, como disse o ministro Ricupero no seu livro há pouco citado: “Para isto serve a diplomacia: dar aplicação concreta ao valor da paz e da confiança recíproca”.  Mas é evidente que o perfil autoritário e desconfiado do presidente pouco ou nada tem a ver com o “soft power” da melhor diplomacia e muito menos com qualquer “confiança recíproca”. Também por isso corremos o risco de sinistras aventuras, com desagradáveis e nefastas consequências para o País.

O presidente, que lê com devoção o Coronel Brilhante Ustra, poderia ler, ainda que em fragmentos, para melhor digestão, o nosso, este sim realmente brilhante, Guimarães Rosa, quando diz, por exemplo, pela boca de Riobaldo, com a sabedoria da vida e do jogo diplomático, a seguinte frase: “Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”. Isto supondo que se quer o bem!  De qualquer forma, claro está, pelo andar da carruagem, que, no Itamaraty ou alhures mundo afora, nossos diplomatas terão muito trabalho pela frente e que na medida do possível alcançarão vitórias anônimas para mitigar de alguma forma as ruínas por vir ou anunciadas. Oxalá.