Paulo Gustavo

O Ministério da Educação, quem não sabe? é gigantesco em tamanho e orçamento. Também é notório que a sua máquina colossal tem uma alma política. E alma política é tudo de bom e de útil para os poderosos do dia. Noutras palavras, é um dos mais vivos ministérios do país. Vivíssimo, como diria o personagem machadiano. Dir-se-ia que tem uma vasta capilaridade junto ao tecido social da nação. Não é pra menos, já que seu foco, por suposto, é a formação do cidadão, desde a aurora da vida até o auge de sua vida intelectual. Assim, o ministério tem alma sobretudo porque, por assim dizer, forma as almas. (Como as forma ou tem formado já é uma outra, mas não menos importante questão.)

A chamada “crise de gestão” no MEC é possível que tenha tanto de má gestão quanto de impacto ideológico. Por isso, não será por acaso o sofrimento do MEC neste início de governo de extrema-direita. A meu ver, nada mais emblemático: a aparente falta de tato é porque o tato do governo tem novas digitais. É no MEC que está instalada a arena da batalha cultural. É nele que o governo sabe que enfrentará seus inimigos mais reais ou fictícios. Afinal, não é novidade para ninguém que a maioria dos professores universitários está politicamente à esquerda, como também não é novidade que o idealismo dos jovens é um combustível inflamável a ser neutralizado. Nesse ponto, com relação à formação da juventude, o presidente não poderia ter sido mais explícito ao afirmar, quando da posse do ministro Weintraub, que deseja ver os jovens fora da política, isto é, na prática, fora de qualquer atividade que seja oposição. Isso parece apenas um desejo inspirador, quando na verdade é uma meta a ser implementada. Um ponto programático.

A crise do MEC é uma crise que está apenas começando. E, como já disse, vai além da gestão e terá conflitos inarredáveis. O governo quer um MEC sem a alma que ele hoje possui, quer a alma que ele, governo, quer implantar, e isso a começar pela alienação institucionalizada que é a ausência da Política. Conhecemos esse filme. O governo não quer estudantes e professores livres, mas um rebanho passivo que se prostre diante de seu poder. Falta combinar com o rebanho! Que ninguém se iluda: o presidente tem ideias fixas e já demonstrou que não as deixa de lado. Dirão que é um ideário simplista e ultraconservador. Dirão que é obscurantista. Mas o presidente dará de ombros e seguirá em frente porque antes de construir, como já afirmou, é preciso destruir. Nessa destruição, filha do fanatismo, joga-se fora a criança com a água suja da bacia.

Sim, é muito emblemático e significativo que seja o MEC o ministério-problema. O presidente já sinalizou que deseja uma educação com valores militares. Nada mais confortável e cômodo que estudantes e professores em ordem unida, obedientes e reprimidos como também o desejava, a seu modo, o professor Aristarco do famoso livro de Raul Pompeia: “O Ateneu” (Vejam como a boa literatura é subversiva!). Claro está que o presidente volta no tempo preconizando que tanto governar quanto educar significa sobretudo reprimir. A meta é clara: retroceder sempre que possível. Para tanto, não faltam pretextos ancilares, a exemplo do fantasma do comunismo e de seus “avatares”: o petismo e os demais partidos de esquerda, sem esquecer o assombroso fantasma do chamado “marxismo cultural”. Afinal de contas, para Bolsonaro, o ideal é uma democracia totalmente desidratada de qualquer veleidade à esquerda e progressista; uma democracia “desdemocratizada”. Ora, por mais que o presidente invoque um “mandato divino” e uma missão “transcendental” para seu governo, a sua cruzada está fadada ao fracasso, uma vez que democracia pressupõe pluralismo e diversidade. A realidade termina por desqualificar quaisquer acessos de purismo e esterilização. As bactérias estão cada vez mais resistentes. O tempo dos expurgos já terá passado.

Como certo personagem de um conto de Guimarães Rosa, Bolsonaro sempre vê “o mal em carne e osso”. Isso diz muito do que passa por sua cabeça e do que se projeta no seu modo de agir e governar. Que não nos iludamos: o MEC, por toda a sua dimensão e suas características, é a joia da coroa para a chamada pauta “dos costumes”, muito mais que o ministério comandado pela “terrivelmente cristã” ministra Damares. Como disse há pouco um jornalista, o ministro Abraham Weintraub é um Vélez turbinado. Daí que rezar fora do novo catecismo será pecado a ser expiado após ser talvez bem espiado. A pretendida gestão “técnica” e “tecnocrática” talvez não passe de uma cortina de fumaça. A verdadeira, salvo melhor juízo, é outra, e sobre isso o novo ministro já disse a que veio.

Nessa atmosfera efervescente, consola mencionar as ponderadas palavras do ministro General Santos Cruz ao afirmar, em recente entrevista, que são muito poucos no País os radicais, tanto de esquerda quanto de direita. Mesmo assim, vale lembrar que o presidente e seu mais novo ministro estão no segundo grupo, que, se é habitualmente pequeno, hoje conta com as prerrogativas do poder, o que de imediato o agiganta.

Paulo Gustavo