Maurício Costa Romão

Antes do Plano Real, durante o processo de hiperinflação, a moeda nacional estava sendo repudiada pela população por haver perdido suas três propriedades básicas: reserva de valor, unidade de conta e meio de pagamento.

Para acabar com o regime de inflação alta e dar estabilidade à moeda, a reforma monetária implantada pelo governo à época compreendeu, basicamente, duas etapas sequenciais:

(a) instituição de um indexador contemporâneo, a URV, unidade de referência corrigida pela inflação vigente e com a qual se buscava reduzir a memória que a indexação introduz em todo processo inflacionário crônico;

(b) transformação da URV, após seu uso generalizado como indexador de contratos, na moeda do país (o Real), a qual, por construção, surgiria forte, com poder aquisitivo estável, e restaurada das suas três funções básicas que lhe conferem aceitabilidade geral.

O programa de estabilização foi um grande sucesso (após 11 tentativas frustradas entre 1979 e 1992) e merece todas as reverências ao completar agora em julho seus 25 anos de existência.

Um subproduto do Plano, menos lembrado do que sua engenhosidade como programa de desindexação da economia, foi seu impacto imediato sobre a distribuição de renda e a pobreza. Com efeito, o programa de estabilização promoveu uma fulminante cessação de pagamento do imposto inflacionário por parte da população.

Tal imposto, em linguagem simples, representa a perda em poder de compra do dinheiro por não se ter condições de protegê-lo da corrosão inflacionária, aplicando-o em ativos reais e nas quase-moedas (poupança, CDB, FAF, títulos governamentais, etc.).

O estamento mais pobre da sociedade é, naturalmente, o mais vulnerável ao “recolhimento” compulsório desse imposto, de que resulta ser o regime de inflação alta o mais perverso possível para este segmento da população.

Cessada a inflação, essa classe desprotegida vê-se, subitamente, favorecida por elevação do seu poder de compra, o que equivale a um aumento de renda real (a par de outras vantagens inerentes ao próprio processo de estabilização: transparência de preços relativos, acirramento da concorrência, reinstituição da programação orçamentária, etc.)

As implicações desse fenômeno sobre a distribuição de renda e a pobreza são imediatas: aumento da renda real média dos pobres, retração da incidência da pobreza e melhoria do perfil distributivo de renda.

Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) referentes aos anos de 1993 e 1995, retratando a transição do período de inflação alta para o Plano Real, são deveras eloquentes a esse respeito para o Brasil.

Com efeito, naquele curto período a renda real média dos pobres aumentou de 0,580 salários mínimos, em 1993, para 0,682 salários mínimos, em 1995. A proporção de pobres na população (a incidência da pobreza), involuiu de 41,4% para 32,3%, no mesmo lapso de tempo, e a desigualdade de renda melhorou, tendo o Coeficiente de Gini diminuído de 0,603 para 0,593.

Com o fim da alta inflação, houve, portanto, grande mobilidade econômica e ascensão da população vulnerável ao mercado de consumo. Pena que descuidos do governo no que concerne ao déficit fiscal comprometeram o dinamismo da economia e impediram que essa inclusão social fosse mais extensa e duradoura. Ainda assim, o Plano Real é uma conquista histórica de todos os brasileiros!

————————————————————————

Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. [email protected]