A incontinência verbal de Jair Bolsonaro, com suas repetidas agressões ao bom senso e à civilidade, cria um clima inquietante de discórdia e conflito na sociedade brasileira, e está maculando a imagem externa do Brasil, tudo ao contrário do que se esperaria de um Presidente da República. No mais recente dos seus pronunciamentos arrogantes e desrespeitosos, ele agrediu a memória do pai do presidente da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, militante morto pela repressão da ditadura militar, ultrapassando todos os limites da decência e do respeito humano, e provocando uma onda de indignação na sociedade. Quando, na defensiva, depois de duras e amplas críticas às suas afirmações absurdas, ele respondeu – “Eu sou assim” – demonstrou, mais uma vez, que ainda não se deu conta do cargo a que foi alçado, sabe-se lá por qual sarcasmo da História. Não entendeu ainda que não é mais apenas aquele insignificante e histriônico deputado do “baixo clero”. Em vez de propagar ódio e desprezo, como Bolsonaro tem feito reiteradamente, um chefe de Estado tem a responsabilidade de reduzir tensões e conflitos, negociar e construir consensos. Pior que seu descontrole verbal, contudo, são algumas graves iniciativas e sinalizações, como o desrespeito ambiental, a proposta de expansão do garimpo nas reservas indígenas, a desmoralização da política externa, com a grotesca indicação de seu filho Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira em Washington. O mais recente tropeço de Bolsonaro foi o cancelamento de audiência agendada com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, numa clara demonstração de desinteresse pelo acordo MERCOSUL-União Européia, ao mesmo tempo em que mostrava a preferência por um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Se não é possível calar a boca de Jair, faz-se necessária uma reação da sociedade contra as absurdas iniciativas e decisões do Presidente.
Vejo a cada dia como menos possível uma reação da sociedade, como propugnado pelo editorial. É como se o mundo tivesse recalcado um legado animal por décadas, por trás do biombo do convívio democrático, nem sempre palatável a todos uniformemente. Certa dose de voluntarismo dos chefes, quando não de obtusidade, é tida como ingrediente inerente ao receituário da autenticidade. E isso tem colado. Essa turma tem aprendido a jogar o jogo em cima das falhas de marcação da democracia representativa e fatura no contra-ataque. Eis que agora chegou a vez de Boris Johnson no Reino Unido (com um nada de voto popular), sequioso de esfacelar a Europa a todo custo.
Por vezes e não raro, o escrutínio democrático leva ao governo um político falastrão, tosco, boquirroto, demagogo, rude, histriônico, corruto etc.
Apesar de indignado – enquanto as instituições forem preservadas e não ocorra crime que fundamente um impeachment -, o cidadão paga esse preço à democracia para mantê-la.
Paradoxalmente, não se deve torcer para que as coisas piorem, pois quanto mais ampla e profunda é a crise, mais fértil o terreno para a (re)emergência de tais tipos. Contudo, a contundência da crítica – como neste editorial – nunca deve ser amainada.
O Presidente Bolsonaro continua com a mesma postura e atitudes de quanto era deputado federal. O que é, no mínimo, lamentável.
Pensar, esperar e/ou desejar que a faixa presidencial mudaria seu comportamento e posições, contrárias aos Direitos Humanos e a Democracia, é ingenuidade política.
Que a parte final do editorial possa ganhar corpo (“faz-se necessária uma reação da sociedade contra as absurdas iniciativas e decisões do Presidente”) na academia, no que resta de mídia crítica (e não alinhada ao projeto de negação da cidadania plena e ativa), nos movimentos sociais e nos pedaços de partidos políticos que não se renderam ao bolsonarismo.