Editorial

“A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude”.  Se tomarmos como verdade o que escreveu Machado de Assis, nunca a virtude foi tão homenageada como na última sessão de nossa Corte Suprema.  Excluindo a firme argumentação do relator, o sereno e oracular discurso do ministro Barroso e o caloroso pronunciamento do seu colega Fuchs, o que se viu, principalmente, foi uma pantomima de senhores teatralmente ofendidos pela suposta violação do direito de defesa de notórios cidadãos de nossa pobre república.  Um deles chegou a proclamar que, em defesa do regime democrático, não se sensibilizava pelo argumento “ad terrorem” do ministro Barroso, ao alertar para as implicações da medida a ser tomada sobre todo um processo, que já se fez histórico, de moralização da nossa política e da justa punição aos criminosos de colarinho branco.

Discutia-se na sessão a validade de uma sentença judicial em que houve, na fase final do processo, a delação de um corréu da qual não se deu ao acusado delatado vistas para uma nova defesa.  Apesar de o ministro relator ter enfatizado, em seu voto, que não há dispositivo legal estabelecendo essa regra, que a delação de um réu não o converte em parte acusatória, nem tem validade se não está calcada em provas – já examinadas em fase processual anterior, em que se deu plena oportunidade de defesa ao acusado. E criou-se uma “novidade hermenêutica”, pela qual podem vir a ser anuladas todas as sentenças já prolatadas em situações semelhantes: nova oportunidade de defesa teria que ser dada ao réu, em caso de delação na fase final do processo.

Enfim, o combate feroz à Operação Lava Jato, que vem envolvendo o Legislativo e a cúpula do Judiciário brasileiros, parece próximo do sucesso.  Ligações ilegais de conversas entre procuradores e juízes são divulgadas, o “pacote” de medidas para combater o crime é mutilado, a lei contra “abusos” de autoridades é aprovada.  Parlamentares e altos magistrados escarnecem do povo, revoltado com a histórica impunidade dos corruptos e corruptores, como “nunca antes, neste país”.

Aguarda-se ainda a “modulação”, ou os “temperamentos”, do acórdão, em que se vai esclarecer se a regra terá efeito retroativo, e em que condições, o que pode representar o golpe de misericórdia na luta contra a corrupção no Brasil.  Conhecendo-se, como se conhece, o perfil do presidente do STF, tudo pode acontecer.