Luiz Otavio Cavalcanti

Política é a arte do possível. Ou seja: em política pode acontecer tudo. Inclusive o que os atores nela envolvidos sejam capazes de produzir. Até o improvável.

Na Segunda Guerra Mundial, o então primeiro ministro inglês, Winston Churchill, enfrentou praticamente sozinho os tanques panzers de Hitler. Durante quase três anos. Porque o povo norte americano não queria conversa com guerra. E o presidente, FDR, Franklin Delano Roosevelt, não quis confrontar a vontade popular.

Em 1941, os japoneses desfecharam inesperado ataque contra o porto estadunidense em Pearl Harbor, no Pacífico. Destruíram uma dezena de navios. E provocaram a indignação do país. Dia seguinte, o Congresso americano aprovou declaração de guerra contra o Império do Sol Nascente. A partir daí, Churchill passou a contar com apoio dos Estados Unidos.

Na primeira eleição, após o fim da Segunda Guerra, Churchill foi derrotado. Era a última coisa que os britânicos imaginavam que aconteceria. Talvez o eleitorado inglês estivesse cansado de face tão dolorosamente identificada com a guerra. Como a de Churchill.

Na França, em 1958, a crise política se abateu sobre o país. Os políticos correram a pedir ao general De Gaulle que assumisse o poder. Foram à casa do militar em Colombey les deux Églises. De Gaulle respondeu que aceitaria com uma condição. Sob uma nova Constituição. Que lhe desse condições institucionais de conduzir a República. Os políticos aceitaram a exigência.

De Gaulle, então, pediu a Michel Debré (que viria a ser primeiro ministro) um projeto de Constituição. Que se transformou na Quinta República francesa. Quando ninguém esperava, um general inspirou uma Carta Constitucional, foi eleito presidente e dirigiu o destino dos franceses.

Estados Unidos, novembro de 2016. O empresário Donald Trump, com auto de falência reconhecido, acusado de assédio sexual, usando vocabulário de baixo calão, elege-se presidente da República. Derrota Hillary Clinton, representante do establishment americano.

Sua trajetória foi inacreditável. Começou a campanha como candidato desacreditado. Enfrentando a máquina do Partido Republicano. Descartando a experiência dos irmãos Bush. E demolindo as bases mais orgânicas dos republicanos. Focou o discurso num populismo inusual. E aplicou a demagogia nos estados que sofriam o processo de desindustrialização. Vai tentar a reeleição em 2020.

Esses três fatos históricos são exemplares. Mostram que o improvável pode se inserir na agenda da política. Para o bem. Ou para o mal. Esta consideração me ocorreu porque ouço todo mundo dizer que a polarização, no Brasil, vai se acentuar. Com a soltura do ex presidente Lula.

Ora, o que vejo, de um lado, é o governo Bolsonaro enclausurar-se no obscurantismo. Na política ambiental, na política educacional e na política cultural. Para citar três aspectos desoladores da esfera pública do país. No caso da política da cultura, é incompreensível anexar a pasta ao turismo. E exaltar um gestor que agrediu uma das mais admiradas atrizes do teatro e do cinema brasileiros.

O Ministério da Cultura tem notável tradição que deve ser preservada. E cultivada. Que começou com Gustavo Capanema e o gênio de Mario de Andrade. E foi enriquecida com tom profundamente brasileiro por Aloísio Magalhães.

De outro lado, o que observo é um testado líder de esquerda, ex presidente da República, aprisionar-se no discurso Goebellsiano de negação de fatos. Que se aprofundaram em metástase na administração pública do país. E se estenderam a outros países do continente.

É a derrogação política de biografia que notabilizou talentoso metalúrgico. Que soube aprender a arte de lidar com o poder. Mas que se deixou encantar pelas sereias de falsa burguesia corrupta. Infiel, ela, às melhores tradições mercantis da lex mercatória italiana.

Negar tornou-se dogma. E resgatar fatos transformou-se em inconveniência política. Uma pena. Porque a social democracia brasileira tinha duas vertentes igualmente promissoras: PSDB e PT. Que não se uniram por causa da rivalidade paulista entre FHC e Lula.

O discurso do ex presidente, no momento em que deixou a prisão, é hino ao passado. É invocação ao atraso. Com repetição de termos sem noção de modernidade. E de coragem. Discurso medroso dos acontecimentos. Impregnado de ataques às fragilidades do adversário. Nada de objetivamente construtivo. Muito de melancólica subjetividade.

A população brasileira está atenta ao que se passa no país. Percebo isto nas perguntas que recebo nas salas de aula. Consequências desgastantes de discursos radicais, que se opõem, são reais. Correm o risco de se anularem com o correr do tempo. Por causa de mútuas acusações. Subtraindo credibilidade aos atores. E acrescentando dúvidas aos perfis de líderes populistas extremados.

Novos líderes podem assinar edição de outra política. Trazendo novos conceitos. Construtivos. E não ofensivos. Defendendo ideias contemporâneas do futuro. Políticas focadas no emprego para jovens entre 18 e 24 anos. Na diminuição da desigualdade entre ricos e pobres. No estímulo à escolaridade/produtividade. Na excelência à educação.

O país quer uma chance para o equilíbrio. Deseja dar oportunidade a projeto que represente a ética. Baseado na invenção de esperado humanismo.