João Rego

Macunaíma, herói preguiçoso, safado e sem caráter. ( Grande Otelo no filme Macunaíma, 1969)

Vejo, com frequência, pessoas duvidando de que estamos em um regime democrático, com um olhar crítico e cético sobre os partidos políticos, onde um grupo de caciques, quase todos com relações promiscuas com o grande capital – principalmente em períodos pré-eleitorais – dominam o jogo político. Como é possível confiar em tais mecanismos de representatividade, diante de tanto descalabro?  Ou então lançam dúvidas sobre o poder judiciário:  “Ah! Esse STF, sempre tomando decisões ao sabor de interesses inacessíveis para nós, pobres mortais!” Isto, sem falar na brutal desigualdade social que, impermeável ao tempo,  singra  em nossa história, qual uma nave dos insensatos, parindo, geração após geração,  uma população de desassistidos, com destino já selado pela inacessibilidade ao ensino de qualidade, principal mecanismo para romper os grilhões da vulnerabilidade  social.

Democracia,  um valor universal – principalmente após a queda do Muro de Berlim – é o legado cultural de uma nação. O nosso é um legado de valores políticos, marcado por regimes autoritários, capitalismo de compadrio, que vê o Estado como mais um património para suas estratégias empresariais, onde a corrupção é a palavra-chave para implementá-las, cavando, de forma profunda, a perversa vala das desigualdades.

E nós, cidadãos comuns, com seu cotidiano ocupado pelo trabalho, os impostos e a família, qual é o nosso papel nesse negócio chamado democracia?  Ironicamente, somos sujeito – quando damos forma à classe política, por meio do voto – e objeto, ou vítima, se preferirem, quando temos nossas vidas – do nascimento até a morte – afetadas por decisões dessa elite política que escolhemos para nos governar. E por que países como Noruega, Suécia e outros, como as grandes democracias europeias, nos parecem funcionar tão bem? A resposta, se é possível resumir em uma variável, vem da formação da cultura política de seu povo, forjada a ferro e fogo, tendo o cidadão no centro do processo decisório, e o Estado menos vulnerável ao acossamento das elites. Isso não cai do céu, é uma conquista permanente!

Com as manifestações de rua de junho de 2013, algo de muito importante começou a acontecer. Setores da sociedade civil foram às ruas marcar, de forma violenta, sua insatisfação contra o status quo. Depois, na esteira da Operação Lava Jato, vieram as manifestações em favor do impeachment de Dilma, dando, de quebra, espaço a extrema direita. O bolsonarismo é uma onda antidemocrática que, surfando nas ondas do antipetismo, chega ao poder com o que há de mais abjeto em um sistema político: a intolerância à diversidade humana e o uso da violência contra tudo aquilo que lhes é diferente. Estes dois atributos são seus principais “recursos intelectuais”.

A este fenômeno – a guinada abrupta do eleitorado saltando de um petismo corrupto para uma direita neomedieval- ,  dei o nome de “o pêndulo da irracionalidade”.

Foram nossas escolhas que moldaram este cenário de extrema dificuldade para o ambiente democrático. As instituições estão sendo testadas no limite, e caberá a nós, eleitores, fazermos as escolhas que ajudem a quebrar essa danosa polarização entre lulistas e bolsonaristas, substituindo a paixão irracional que dividiu o país pela racionalidade – fazendo  uso da razão para distinguir onde estamos sendo capturados pela falsas narrativas ideológicas – elevando a qualidade das nossas escolhas nas próximas eleições.

Sim, vivemos em plena democracia, nossa democracia, brasileira como a feijoada e a jabuticaba, com todas as severas limitações de eleitores e líderes,  e um Estado oneroso, ineficiente e corporativista, os quais, em conjunto a fazem funcionar. E será com ela que teremos de seguir nossa história, pois sem ela instala-se o caos e a barbárie do autoritarismo, já experimentado por nós, décadas atrás. No autoritarismo, fenecem os valores civilizatórios, os partidos e a sociedade civil são esmagados pelo peso da bestialidade humana, concentrada na mão do tirano.