Maurício Costa Romão

Sufragista presa durante protesto em favor do voto da mulher em 1907 – Inglaterra.

A baixa representatividade das mulheres nas posições de poder político é uma dura realidade das democracias contemporâneas e se deve à conquista tardia de seus direitos políticos.

No Brasil, por exemplo, somente a partir de 1932 é que as mulheres conquistaram o direito de votar e serem votadas. Mas foi apenas após a redemocratização, na década de oitenta, que as mulheres tiveram maior participação no contexto político do país, porém ainda com baixíssima ocupação de cargos majoritários e diminuta representação no Legislativo.

Uma tentativa de reverter o quadro de sub-representação no Legislativo foi encetada através da Lei nº 9.504/1997, que instituiu cotas de gênero, obrigando partidos e coligações a preencherem um mínimo de 30% e um máximo de 70% de candidaturas de cada sexo.

A essa justa conquista das mulheres, somaram-se recentemente duas outras, ambas fundamentais: uma, do STF, que equiparou a repartição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha à cota de candidaturas femininas por partidos e, outra, do TSE, que reservou às mulheres o mínimo de 30% de tempo para propaganda eleitoral.

Almejava-se, assim, que a disputa eleitoral tivesse um mínimo de equilíbrio relativo entre sexos, não dando margem à predominância excessiva de um sobre outro, como ainda hoje ocorre.

A reação dos partidos políticos a esse maior empoderamento legal para as mulheres não tardou. No ano de 2019 tramitaram no Congresso quatro projetos de lei, três da Câmara e um do Senado, todos eles acabando com as cotas de 30% das candidaturas e, por conseguinte, afetando a atual distribuição do fundo de financiamento de campanhas.

O do Senado, que não teve admissibilidade na CCJ da Casa, é paradigmático. Justifica a revogação do dispositivo legal das cotas sob o argumento de que tal exigência tem ensejado o preenchimento dos percentuais pelos partidos de forma fraudulenta (uso indevido dos recursos do fundo de campanha), popularizadas como candidaturas “laranjas” [PL 1256/19, Senado Federal, ad litteram]:

Como a prática tem demonstrado, o percentual mínimo de participação feminina previsto na lei se apresenta elevado diante da dificuldade de encontrar candidaturas femininas viáveis. O quadro se mostra ainda menos positivo quando se constata que mulheres têm sido compelidas a participar do processo eleitoral apenas para assegurar o percentual exigido, numa prática que se convencionou denominar candidaturas “laranjas”.

Quer dizer, a culpa do ilícito passa a ser imputada ao estabelecimento legal da cota e não ao partido malversador. Uma completa inversão de valores, cujo objetivo é penalizar as mulheres no seu direito conquistado.

Em reação ao extremismo das alas congressuais que querem extinguir as cotas as mulheres respondem com outra extravagância, não menos radical:  ressuscitar na Câmara a PEC 134/2015, que acrescenta um novo artigo, o de número 101, ao Ato das Disposições Transitórias da Carta Magna, reservando vagas no Parlamento às mulheres.

As vagas seriam garantidas ao sexo feminino, nos Parlamentos dos três níveis federativos, nas três legislaturas subseqüentes à promulgação da emenda, na proporção não inferior a 10%, 12%e 16% das cadeiras, respectivamente.

O argumento das proponentes é o de que a política de cotas tem sido importante, mas não tem modificado substancialmente o quadro de sub-representação feminina no Parlamento.

Por exemplo, embora nas duas últimas eleições haja aumentado a representação feminina na Câmara dos Deputados, de 10% em 2014 para 15% em 2018, o Brasil ocupa a longínqua posição de nº 154 no ranking de participação das mulheres no Parlamento no rol de 174 países (ONU Mulheres, 2017).

É óbvio que não se reverte esse quadro de distorções histórico-culturais pulando etapas, passando do direito às cotas de candidaturas – etapa notoriamente incompleta – para o direito a vagas parlamentares, sob pena de maiores frustrações.

Antes de tudo é preciso reconhecer que o estabelecimento das cotas e as discussões feministas inclusivas concentraram-se no Congresso Nacional. E foi nesta instância que o debate ficou praticamente adstrito nesses 20 anos de instituição do aparato legal das cotas, com pouca ressonância externa.

Nas dimensões requeridas para um processo de transformação cultural de tal envergadura a discussão, portanto, ficou deveras encapsulada, não ganhou as ruas, em termos de mobilização nacional (nem, tampouco, a legislação foi derivada de reclamo imposto pelas ruas, como a Lei da Ficha Limpa, por exemplo).

O movimento das mulheres não teve divulgação coordenada, não foi às escolas, nos seus vários níveis, mostrou-se muito tímido nos partidos, promoveu pouco engajamento de instituições (por exemplo, os municípios com instâncias de políticas para mulheres – muitas delas voltadas para questões de violência sexual, discriminação, feminicídio, etc., não para formação política, diga-se – eram 20% em 2018, praticamente o mesmo percentual de 10 anos atrás, segundo o IBGE).

O resultado está aí, visível: persiste um enorme alheamento político-partidário-eleitoral das mulheres. Basta dizer que na última eleição para vereador no Brasil, o TSE registrou mais de 14 mil mulheres candidatas que receberam zero votos, ou seja, nem as próprias candidatas votaram em si mesmas.

A luta das mulheres precisa ser repensada enquanto estratégia de maior inclusão do gênero na política. A etapa de defesa do contingente feminino no Congresso, dos encontros acadêmicos, do desfilar de dados de menor participação da mulher em cargos legislativos e executivos, foi importante, teve seu tempo. A ofensiva de agora exige mais escala em conscientização, mobilização e participação.

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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. [email protected]