Eurico Pinkovsky

Veleiro

Tive a grata satisfação de conhecer o Zanzibah e nele velejar,  por ocasião da tradicional regata Aratu-Maragogipe, em 2019. Para um neófito em águas baianas, um espetáculo singular, com a participação de mais de 250 barcos. O cenário foi tão deslumbrante, que não me atrevo a comentar, seguramente cometeria erros imperdoáveis. A Bahia de Todos os Santos (e quase todos os pecados), por onde singramos, é encantadora, e, com as suas águas mornas em constante variação de tons verdes e azuis, convida a todos que por ela passam a repetir a visita.

O Zanzibah é um veleiro monocasco, de 32 pés, fabricado pela Delta, renomado estaleiro gaúcho, reconhecido pelo seu primoroso padrão de acabamento, e associado a projetos marinheiros, como costumamos chamar  aqueles barcos que suportam bem o mar aberto. Com esses predicados, facilmente qualquer um se apaixonaria pelo Zanzibah.

O Zanzibah pertence aos amigos Marcos Duarte (MD) e Eduardo (Edu). MD participou conosco da Refeno, em 2018 (no Jahú 2) e em 2019. Edu, apenas em 2019, a bordo do nosso querido Zagaia. No final do ano passado, fomos convidados a participar da regata Salvador – Ilhéus, no Zanzibah. Sem titubear, aceitei na primeira chamada. Como antecipei, declinar do convite para velejar pelas águas da Bahia de Todos os Santos é opção quase impossível.

A largada, impecavelmente organizada pelo Yacht Clube da Bahia (YCB), ocorre em águas abrigadas da Bahia de Todos os Santos (BTS), por onde podemos avistar o imponente farol da Barra e, na medida em que se avança rumo a Ilhéus, consegue-se ver o litoral de Salvador, quase de forma panorâmica, outro cenário belíssimo.

A regata é a mais longa do circuito baiano de vela oceânica, cerca de 120 milhas náuticas separam Salvador de Ilhéus. Por essas águas singramos, passando inicialmente a Ilha de Itaparica, o Morro de São Paulo a boreste, seguida pela baia de Camamu, Itacaré e diversas outras praias de rara beleza.

Infelizmente, passamos por fora, com pouca terra à vista, de onde as belezas da costa, ao logo da regata, não puderam ser perfeitamente admiradas, ficando no imaginário de quem participou os encantos desses lugares.

Em compensação, fomos retribuídos de diversas formas: no mar de fora, por uma água de azul intenso, à noite, por uma linda lua clara. Além disso, tempo bom, mar calmo e ventos brandos ao longo de todo o percurso, possibilitando muita conversa, risadas e até atualizar o banho vencido de um tripulante audacioso.

A escolha dos tripulantes para essa regata foi outro destaque, que não poderia deixar de ser aqui registrado. Os amigos MD e Edu convidaram a mim, Paulo Collier  (representando a turma de Recife) e Allan (Bidu), para concluir a parte baiana. Foram também convidados os amigos Leonides (Leo do Zen) e Paulo Almeida (do Avatar), que, lamentavelmente, por motivos de força maior, não puderam participar. Não poderia haver equipe melhor para a regata, com pessoas conhecidas, entrosadas e em perfeita harmonia.

Com amigos a bordo, até a alimentação foi motivo de brincadeiras. A combinação de amendoim, sanduíches e cerveja foi uma preocupação constante, levando a tripulação a constatar a intensificação dos movimentos peristálticos em determinado marujo, pelo elevado poder destrutivo de seus flatos…a capacidade de dormir e acordar em frações de segundos, de outro tripulante, jamais foi esquecida…a desatenção do timoneiro ao rumo, preocupado em registrar fotos nas redes sociais, era motivo de bagunça geral. A mim, que estava na proa, coube um susto logo na largada: escutei gritos da tripulação “saia, saia, saia”, e, no alto da minha ignorância, não sabia para onde sair…eis que “saia” era simplesmente colocar a barra da genoa (vela de proa) para dentro do guarda-mancebo (proteção de cabo de aço instalada nas bordas do veleiro). Depois desse episódio, a bagunça ficou instituída a bordo.

E foi com esse saudosismo que corremos a regata. Cientes da venda do Zanzibah, aproveitamos ao máximo todos os momentos de confraternização no veleiro. Nenhuma brincadeira com os tripulantes foi deixada em branco, potencializando o clima de total descontração a bordo. Esse magnífico convívio é que traz vida aos barcos, levando a acreditar que eles têm alma.

A chegada em Ilhéus, nas primeiras horas da manhã do sábado, é outro ponto alto da regata. O Iate Clube de Ilhéus (ICI) preparou uma festa maravilhosa, onde todos se confraternizaram, puramente ao modo dos velejadores, sempre de forma simples, mas altamente acolhedora.

Já de volta, em escala no aeroporto de Salvador, tive uma outra grata surpresa. Enquanto fazia um lanche na loja de saladas, encontrei a simpática e gentil baiana que há um tempo me atendia, na antiga pizzaria do aeroporto. Com o seu peculiar e cativante sorriso, associado ao carinho nato dos soteropolitanos, ela me perguntou:

– “Oxente, doutorzinho”, o senhor por aqui de novo?

– Vim me despedir de um amigo, lá em Ilhéus…

– E é? Pois eu também vou me despedir do senhor, estou me aposentando esta semana, vou cuidar dos netos e aproveitar os “restos de vida” que Deus me der…

– Então me traga o cafezinho de sempre… e quero um abraço!

Encerro desejando vida longa à jovem senhora, cujo nome cometi o pecado de nunca gravar, tendo ela sempre me tratado de forma afetuosa, e com um sorriso que jamais esquecerei. E quanto ao Zanzibah, que Eolo continue a proporcionar os melhores ventos a esse fantástico veleiro!