Luiz Otavio Cavalcanti

No Império, o costureiro da nação foi José Bonifácio. Patriarca da Independência. Coordenador da unidade nacional. Gestor da resistência aos revoltosos pernambucanos, baianos, gaúchos. Além de tutor do adolescente Pedro II. Quando seu pai voltou a Lisboa para defender o trono português.

Na República Velha (1889/1930), os civis, com o verbo, montaram o discurso da proclamação republicana. E os militares, com a espada, entronizaram o novo regime. Na República Nova (1946/1954), o tiro que matou Getúlio foi espoleta que botou os tanques na rua, em 64. A partir da doutrina de segurança nacional. Formulada na Escola Superior de Guerra. Na geladeira da guerra fria dos anos 50. Que situava o Estado brasileiro como fiador de política intervencionista.

Observa-se permeabilidade fecunda entre o pensar e o fazer político. Com a moldura de comunhão social, fornida na alternância entre voto e ditadura. E assim segue a nau da continuidade histórica. Com mais amadurecimentos. E com menos explosões. Esse é o lúcido aprendizado da democracia. Nos silêncios do Marquês de Olinda como no brilho de Joaquim Nabuco. Na ambiguidade de Getúlio como na rara habilidade de Juscelino.

Discorde-se do método de agir de Trump. Mas ele mudou rapidamente a condução da política americana diante do coronavírus. Quando viu o tamanho do iceberg. Amaciou a voz. Deu espaço ao vice presidente. Tratou educadamente os jornalistas nas coletivas.

O presidente Bolsonaro começou a pagar o preço de seu comportamento bizarro. Ele erra em dois pontos: primeiro, no desprezo à liturgia do cargo. Ele banaliza a presidência da República. A propósito, nos anos 80, visitávamos uma comunidade pobre no Ibura. O carro do prefeito, preto, lustroso, estacionado, atraiu o interesse dos presentes. Eu fiquei ouvindo comentários. Um dos jovens disse:

– Carro bonito. Ainda vou ser prefeito para ter um desse.

Como disse o carnavalesco Joãozinho Trinta, pobre gosta de luxo, quem gosta de pobreza são os intelectuais.

O segundo erro do presidente é o seguinte: ele quer ser, ao mesmo tempo, governo e oposição. Ele quer governar sem perder o discurso de oposição. Quer usar a caneta das verbas, sem perder o verbo crítico de oposicionista.

Por isso, ele confraternizou com os apoiadores na porta do palácio. Porque, no fundo, ele queria se desligar do vírus. Querendo transmitir ao público um suposto distanciamento do corona virótico. Errou redondamente. Porque o presidencialismo pede a presença do chefe.

O panelaço foi a fatura apresentada ao dúbio presidente. Que insiste em politizar as entrevistas. Em polemizar com jornais e jornalistas. Compare-se as condutas de Trump, Macron e Bolsonaro. O comportamento do presidente brasileiro é juvenil. Sua insegurança é tal que ele reivindica elogios à escolha de membros da equipe.

Aliás, a extensa capacidade de criar conflitos dos Bolsonaro vai deixando rastros. Internos e externos. Agora, foi o deputado Eduardo Bolsonaro. Que atacou a China. Envolvendo o governo chinês e a origem do coronavírus. A China é simplesmente o maior parceiro comercial do Brasil há dez anos. Mais uma vez, o vezo ideológico atrapalha o país.

Por outro lado, empresa de pesquisa registrou a queda das fake news nas redes sociais. É o medo social. É o senso de compartilhamento da tragédia. Estamos caindo na real. A vida tem açúcar. E também sal. Na prática, estamos todos no mesmo barco. Ninguém vai desembarcar sozinho do navio.

O corona trouxe muitos danos. Sociais e econômicos. E produziu uma pedagogia: a população está na frente da economia. É preciso salvar pessoas antes de qualquer coisa. O governo da vida exige cumprir o estatuto da emergência. Com os mais pobres, os trabalhadores informais. Com os que estão na margem da estrada.

Para terminar, tomemos um pedaço de poesia, como estandarte para subtrair o corona. Pedaço de poesia, vindo dos tecelões de Minas, especialistas em coser palavras, como um deles, chamado Paulo Mendes Campos:

“Há muito, arquiteturas corrompidas, frustrados amarelos e o carmim de altas flores à noite se inclinaram sobre o peixe cego de um jardim. Velavam o luar da madrugada, os panos do varal dependurados; usávamos mordaças de metal, mas os lábios se abriam, se beijados”.