Luiz Otavio Cavalcanti

Os Aleijados, de Pieter Bruegel (1525 – 1569).

Pronto. O Brasil voltou à Idade Média. Temos três sinais à vista: primeiro, famílias carentes, antes invisíveis, tomaram, aturdidas, forma nas ruas, em busca do óbolo oficial. Segundo, informalizados, os vendedores de biscates, ocultaram-se no comércio informal dos desconcertos urbanos. Terceiro, economia estagnada, com investimentos em queda, empurra o desemprego para o breu da incerteza.

De outra parte, o Estado mostra operação esconsa. Com estrutura defeituosa, exatamente nos setores onde a ação social é mais reclamada. Na educação, ao invés de educador, um ativista. Na saúde, ao invés de médico, um militar paraquedista.

Com 2,8% da população mundial, o Brasil exibe 12% de óbitos por covid 19. E 14%, de infectados. O desmatamento da Amazônia triplicou nos últimos dois anos. E o déficit fiscal alcança R$ 600 bilhões, este ano.

Somos ou não somos medievais?

O grau de desigualdade social atingiu perfil imoral. Porque certifica, ao mesmo tempo, fragilidade na coesão da sociedade. E, metálica incapacidade política para democratizar a riqueza.

A elite política brasileira não consegue olvidar seu narcisismo. Só consegue enxergar a si própria. Alimentando privilégios que engordam seus contra cheques. E as classes abastadas exageram, em consumismo invencível, o desfrute suntuoso.

O populismo transcendente

Somos incapazes de promover reformas sociais?

O autoritarismo populista virou fenômeno global. Vai de Donald Trump a Orban. Reinaugura seus espaços de Bolsonaro a Erdogan. A democracia exauriu suas possibilidades de atender carências sociais. O regime democrático esgotou-se pela via fiscal. E, com isso, abriu caminho para a demagogia dos populistas.

A retórica, no Brasil, tornou-se adereço de mau gosto. Porque hipócrita, vazia. De direita ou de esquerda. A esquerda perdeu as bandeiras nas contas off shore da corrupção. E a direita esqueceu o senso liberal no intervencionismo prepotente do Capitão.

Não é possível sair da vida confinada para a contínua desigualdade de adolescências abjetas. Não é possível escapar do confinamento sanitário para permanecer suportando a iniquidade de foros especiais. Não é admissível conviver com políticas de combate ao tráfico que matam 14 crianças em cinco meses. Em suas próprias casas.

O que é mais fatal para o futuro do Brasil: o covid ou a inépcia da indiferença moral ? Onde recuperar o reformismo social de Joaquim Nabuco e a responsabilidade republicana de Celso Furtado?

A beleza inalcançada

Será que o Brasil consegue voltar a ser o Brasil?

O Brasil, aos olhos do mundo, sempre foi bonito. Por sua música. Por sua ginga. Por sua distraída vontade de levar a vida. Pelos poemas de Drummond. Pela sensibilidade de Jobim. Essa é uma perda irreparável.

A ciência está colocando países europeus em patamar admirável de qualidade de vida. A biotecnologia nos torna longevos para testemunhar a beleza do cinzel de Portinari. Ou para nos indignarmos com o tráfico de influência que inibe pena aos poderosos.

Esta é a era do avanço tecnológico. Na qual superamos a distância com aulas virtuais. E a telemedicina salva vidas com recursos remotos da digitalização. Paralelamente, os brasileiros precisam aprender a construir um consenso. Em torno de si próprios. E de seu destino. Reaprender com a mediação de José Bonifácio. E com a inteligência política de Juscelino. Ou o Brasil constrói o consenso do futuro ou continua na Idade Média.

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