Elimar Pinheiro do Nascimento

A maioria dos articulistas políticos brasileiros na grande imprensa insiste que, em face do grande desgaste do governo Bolsonaro, a possibilidade do impeachment ou um golpe “branco” dos militares para retirarem o presidente do poder estão dadas. É logo ali. Para alguns, o general Mourão já pode tirar as medidas para fazer o terno da posse. Parafraseando o “bananinha”, filho do Presidente, não é mais uma questão de se mas de quando. E, de fato, na última semana, com a fuga do “nunca ministro da educação” e, sobretudo, a prisão de Queiroz e as declarações “adoidadas” do seu advogado as condições degradaram-se. Sem dúvida pioraram, mas não partilho desse otimismo. Gostaria. Para dar adeus ao presidente é preciso mais. Por exemplo, que o Queiroz ou sua mulher delatem as relações da família Bolsonaro com as milícias e, provavelmente, com o assassinato da Marielle Franco. E que o Centrão decida recuar, com receio de desgaste em vésperas das eleições municipais de 15 de novembro próximo. A prova do meu pessimismo? Entre outras, o resultado da pesquisa do Poder360 realizada entre os dias 22 e 24 de junho, cinco dias depois da prisão de Queiroz. Nada mais e nada menos do que 41% de aprovação ao governo. O mesmo resultado de 15 dias antes. Isso é que é resiliência.

Já argumentei em artigo anterior[1] que precisam ser preenchidas cinco condições de um impeachment no Brasil, segundo as duas experiências anteriores. Primeira, o presidente precisa ter um apoio irrisório da opinião pública. Não é o caso. Na maioria das pesquisas de opinião mais de um terço dos brasileiros aprova o governo de Bolsonaro. Segundo o blog Poder360 de 12 de junho, apenas 48% são a favor do impeachment. Sentindo que a sua base está se estreitando, ele se prepara para utilizar o mesmo instrumento do PT: vai buscar criar uma bolsa-família mais potente, provavelmente com outro nome. Assim, fecha o caminho da opinião pública a um impeachment.

Ser derrotado nas ruas é a segunda condição. Esta batalha mal começou. A vitória da oposição parece certa, mas promete ser irrelevante. Explicarei em seguida.

Terceiro, é preciso que Bolsonaro tenha a mídia contra si. Ele está criando apoios na mídia que os seus antecessores, Collor e Dilma, não conseguiram. Além de contar com uma grande penetração nas redes sociais, mantém, com relativo sucesso, a estratégia de isolar os grandes veículos (O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo), por meio de restrições de publicidade, apoio a outros veículos (SBT, Record, CNN) e, sobretudo, de sua desclassificação. O novo ministro da comunicação é uma prova cabal disso, genro que é do dono da SBT. O feitio mediático e grosseiro do presidente pauta a mídia situacionista e a narrativa dos seus adeptos nas redes sociais. Apesar de todas as barbaridades que tem cometido, permanece a sua imagem de valentão, o “mito” que luta contra o establishment político, que o povo detesta.

Quarto: apesar de todos os desastres o presidente não perdeu o apoio do empresariado. A sua ofensiva contra o isolamento social para enfrentar o coronavirus, contra todo o bom senso sanitário, é a arma para manter este apoio, e só ele a utiliza. Agora, alguns governadores cederam à tentação e começaram a flexibilizar o isolamento social no momento de ascensão do contágio do coronavirus, na contramão da ciência e do que pregavam há um mês. Caem em contradição e em descrédito, além de provocar mortes adicionais.

Finalmente, as iniciativas para ganhar o apoio do Centrão retiram as condições de que ocorra o impeachment na disputa final, que se trava no Parlamento. O presidente precisa do apoio de apenas 173 deputados e o Centrão, sozinho, tem mais do que isso. Portanto, não há chance de aprovação caso o processo seja aberto. Sabedor das coisas, o Presidente da Câmara dos Deputados nem pisca o olho quando lhe falam de impeachment. Só falta perguntar: No Japão?

Conclusão: o impeachment é apenas um sonho acalentado pelos intelectuais democratas, sem chances de vingar imediatamente. Claro que mudanças conjunturais podem ocorrer, mas hoje as chances são inexistentes.

Há ainda três fatores, que não considerei no artigo anterior. O primeiro é a divisão da oposição. Ela não consegue nem assinar um pedido conjunto de impeachment. Outro exemplo: manifestos recentes, como o “Estamos Juntos”, clamam pela unidade, a que o presidente do PT responde “estou fora”, pois, segundo ele, “não tem mais idade para ser Maria-vai-com-as-outras”. Traduzindo: de iniciativa que eu não dirija, não participo. Por outro lado, os seus adeptos chamam aqueles que abandonam o barco bolsonaristas de “ratos”, ao invés de recebê-los de braços abertos, estimulando outras desistências. O que é de uma estupidez política sem tamanho. Lembra os comunistas dos anos 1930, que elegeram os socialistas, e não os fascistas, como os seus principais adversários e acabaram na cadeia ou mortos. Sem oposição ampla e unida as chances de impeachment diminuem.

O segundo fator que não considerei, por ser inédita, é a presença dos militares. Com ou sem consciência, eles embarcaram numa canoa furada. Por obscurantismo político ou oportunismo estão se tornando, gradativamente, escudos do capitão. A presença dos militares no governo, porém, tem a sua contrapartida. A tendência é degradar a imagem do Exército, com aumento de contradições internas. Afinal, os militares no governo, queiram ou não, estão se tornando fiadores de atos de desobediência civil, como a manifestação na Esplanada de 14 de junho, logo após o decreto do governo do DF proibindo manifestações naquele local. Estão se tornado fiadores de atos criminosos do próprio presidente ao incentivar a invasão de hospitais, colocando em riscos pacientes, pessoal médico e os próprios invasores. E tantos outros, como o decreto do ex-ministro da Educação, “em fuga” para os Estados Unidos. É verdade que alguns militares de alta patente do Exército não estão satisfeitos de ver a sua instituição sendo usada desta maneira e começam a pressionar uma saída honrosa. O que se acelerará caso se comprove as relações da família Bolsonaro com as milícias no Rio de janeiro. Contudo, há muitas críticas à ação do STF e muitas reticências em relação ao Congresso. Sentimentos arraigados no seio da população.

O terceiro fator é a estratégia presidencial com o intuito de desgastar as instituições democráticas e permanecer no poder. Nenhum de seus antecessores tinha uma estratégia desta natureza. Ela se desdobra em várias táticas. Uma, tem sido acirrar propositalmente o desapreço ou mesmo o ódio ao STF, com o intuito claro de inibir um judiciário excessivamente ativo nas ações contra a sua chapa eleitoral, a sua família e os seus aliados. Esta postura se alimenta do baixo apreço do Judiciário por parte do senso comum da população. Segundo o Poder 360 apenas 23% aprovam o STF.

Essa tática se articula com outras, como os esforços para ter consigo uma força armada oficial (PMs) e não oficial (milícias, membros de segurança privada e apoiadores fanáticos). Ela será fundamental no enfrentamento de rua. Assim que as manifestações opositoras crescerem, grupos armados infiltrados criarão situações violentas para justificar situações de excepcionalidade. As PMs, por sua vez, tenderão a tomar partido, como já ocorreu em São Paulo, nas manifestações de 08/06. Esse contingente armado servirá para inibir organizações e manifestações da oposição. O objetivo é criar de um lado o medo e de outro, o caos, para justificar ações de ruptura constitucional. Não se sabe se Bolsonaro terá forças para manter este caminho e se os militares o seguirão ou ficarão na oposição, isolando-o.

De toda forma o desgaste sofrido pelo Presidente tende a colocá-lo na defensiva. Os primeiros sinais de bandeira branca foram levantados na semana passada. Contudo, não tenho clareza dos seus desdobramentos.

Como bloquear essa estratégia se o impeachment não é viável agora? Provavelmente está será uma luta de longa duração. Ela tem uma batalha decisiva nas eleições municipais de 15 de novembro. Derrotá-lo é essencial, o que demandará uma postura magnânima de todos partidos políticos democratas. Será possível?

 

[1]  Impeachment Inviável, Será? Penso, logo duvido, 01/05/2020.