Mural Fernando Pessoa – street art Lisboa.

 

Noites dessas conversei, sobre nosso futuro, com o amigo Fernando Pessoa. Desencantado, comecei dizendo já ter perdido as esperanças num país limpo. Pouco mais limpo, ao menos. Ele pareceu compreender (Lisbon Revisited, 1926), “No fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei/ Fogem desmantelados, últimos restos/ Da ilusão final”. Pediu que explicasse. Relatei então que, na última eleição, parte dos brasileiros teve a ilusão de que pudéssemos construir uma nova ordem ética. Para que corruptos e corruptores ao menos hesitassem, antes de tentar enriquecer. Pediu que não desistisse (Desassossego), “Matar o sonho é mutilar nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso”.

Ocorre que nada sobreviveu. O projeto Anti-Crime foi abandonado. Ninguém cuidou dele. Nem mesmo, no Congresso, figuras endeusadas pela Grande Mídia. E o país vive, impotente, a vitória daqueles que se apropriaram do patrimônio público – Partidos, parlamentares, bolsos amigos. O Centrão fez parte disso. E, agora, é quem dá cartas. A pá de cal foi a indicação do novo Ministro do Supremo. Coerente com o desmonte da Lavajato que vem sendo feito, a mando, pelo Procurador Geral da República. Trata-se de alguém que deu sucessivas declarações contra essa operação. E que sequer assume compromissos com a prisão em Segunda Instância. Para piorar, vem apoiado por notórios ministros, no Supremo, que se dizem garantistas (só mesmo rindo). Pela OAB de Brasilia (pode?), advogados de réus importantes (e ricos), políticos processados (muitos), por aí. O triunfo da impunidade. Não tem como dar certo.

O Presidente, a esse descalabro, responde com uma frase medíocre: “Ou confia em mim ou não confia”. Perdão, Presidente, não dá. A contradição com o discurso anterior, da sua eleição, é cruel. Qual a razão da mudança?, eis a questão. Difícil precisar com certeza. Mas é inevitável considerar que a proteção dos filhotes está no centro dessa decisão lamentável. Pessoa insistiu (poema sem título), ainda, “Por que/ Esperar?/ Tudo é/ Sonhar”. Mas lhe disse que abandonamos, já, todas as ilusões, o último alento, a derradeira esperança. O amigo encerrou a conversa na sua natural ambiguidade. Primeiro, ao dizer (O Marinheiro) que “Nenhum sonho acaba”. Depois (Sonho), resignado, “Se tudo é sonho/ O sonho é nada”. Seja, pois. E este sonho, de um outro Brasil, não existe mais.