Norberto Bobbio.

Há sete anos, precisamente em 19 de setembro de 2013, publiquei nesta revista eletrônica o texto “Velho, eu?”, fazendo considerações sobre penas e consolos da velhice.  Estava com setenta e três anos, tempo razoável para uma avaliação de ganhos e perdas, sem mágoas ou lamentações. A crônica – ou artigo, como preferirem – ficou várias semanas na lista dos assuntos mais comentados, que se fazia à época, recebendo quarenta e duas glosas. Foi um balanço existencial que posso considerar bem sucedido, marcado pelo otimismo, ou pelo “realismo esperançoso” de que fala Ariano Suassuna, e que tenho como filosofia de vida.

Não era minha intenção voltar ao tema, agora aos oitenta anos, não fosse o AVC – Acidente Vascular Cerebral que, sem qualquer prévio aviso, me acometeu em junho passado, impondo-me doze dias de internação hospitalar, ainda com a intercorrência de uma trombose venosa, que resultou em implante de filtro na veia cava da perna direita. E eu, que me vangloriava de minha condição física, nadando, caminhando, jogando tênis de praia, fiquei mais de um mês com os membros do lado direito do corpo paralisados, passando a cumprir um paciente processo de recuperação motora, já que, por algum destino caprichoso, minha cabeça, em nenhum momento, foi afetada.

Do tempo de hospital, as lembranças são sobretudo de desconforto, sem incidentes de dor física significativa. O maior suplício foi mesmo o aparelho de ressonância magnética, que não aconselho ninguém a encarar sem estar “dopado”: por quase meia hora, imobilidade total, confinamento, ruído ensurdecedor, contínuo ou intermitente – não poderia apontar qual o pior.  Depois disso, só as circunstâncias de não poder sair da cama, receber cuidados pessoais penosos, comer refeições insípidas, tudo, no entanto, amenizado pelo apoio e pela presença dos familiares. Sou grato à minha mulher e filha, que estiveram sempre ao meu lado, como também aos profissionais a quem estive entregue.

Em casa, contei com os serviços de um “cuidador” por uns dois meses, enquanto me deslocava em cadeira de rodas e precisava de ajuda até para me levantar da cama.  Mas logo pude recuperar a minha mobilidade, caminhar, voltar a comer com a mão direita, sempre com a valiosa ajuda de fisioterapeutas a quem também devo reconhecimento.  E agora, posso dizer que já reconquistei o que, para mim, era essencial: poder nadar sem qualquer limitação, fazer longos passeios à beira-mar, digitar meus escritos. Verdade que a mão direita ainda está um tanto perra, bem como a perna se revela lenta para movimentos laterais ou de acomodação. Mas continuarei a exercitá-las, na esperança – talvez veleidade – de uma plena recuperação.

Que lição de vida posso ter aprendido deste incidente, de todo inesperado e, até certo ponto, inexplicável?  Tomei por empréstimo o título do texto de Norberto Bobbio, o grande pensador, mas faço, a esse propósito, uma ressalva.  Bobbio deixa transparecer, na descrição minuciosa das limitações de sua velhice, aquele traço psicológico que uma amiga francesa, especialista na matéria, chamou de “l’amertume de la vieillesse”.  Não é o meu caso. O gosto de viver e a curiosidade pelo que está por vir remanescem, incólumes.

Registro, como arremate, uma reflexão definitiva: em nenhum momento, ao longo destes seis meses, passou pela minha cabeça a eventualidade da morte. O que me leva a fazer coro ao poeta Manuel Bandeira: quando a ”indesejada das gentes” chegar, vai encontrar a casa limpa, a mesa posta, e cada coisa em seu lugar.

P.S PARA QUINCA BRITO, PARCEIRO DE VIVÊNCIAS NOSOCÔMICAS, REVISOR IMPENITENTE