O Brasil chora quase 300 mil vítimas fatais da Covid-19 ao longo de um ano de pandemia. Como se cem torres gêmeas do World Trade Center tivessem desabado no Brasil neste período. Ou se mil aviões, cada um com trezentas pessoas a bordo, tivessem se espatifado no solo, de março do ano passado até o dia de hoje. Como se, a cada dia, lêssemos nos jornais a notícia trágica de 2,7 desastres aéreos no território brasileiro. Estimando, por baixo, que ao menos seis pessoas sofrem diretamente a dor da perda de cada vítima, seriam quase dois milhões de brasileiros chorando a morte de seus parentes e afetos.
E o Brasil lamentando a perda dos idosos com suas histórias, experiências e saberes, dos trabalhadores que estão produzindo riqueza, e dos jovens e crianças que iriam construir o futuro da nação. A segunda onda, liderada pela variedade P1, mais transmissível, possível maior letalidade, e com impacto forte na população jovem, está apenas começando, com hospitais superlotados e doentes morrendo sem atendimento. O número de mortos diários pela Covid-19 já ultrapassa 2.800 (chegou a 2.840 no início desta semana), quase o desastre de dez aviões no mesmo dia, jogando o Brasil na lamentável e dramática liderança mundial.
O ritmo de vacinação segue lento, e ainda limitado aos trabalhadores da saúde e aos mais idosos, prioridade das prioridades. Até agora, apenas 10,4 milhões de brasileiros receberam a primeira dose das vacinas, menos de 5% da população. Em média, estão sendo vacinados 365 mil brasileiros por dia, de modo que, para aplicar uma única dose nos quase 200 milhões que ainda não estão protegidos, será necessário mais um ano e meio de trabalho, desde que não faltem vacinas.
Os epidemiologistas estimam que o Brasil precisaria acelerar o ritmo de vacinação para aplicar dois milhões de doses por dia (5,5 vezes acima do ritmo atual), para cobrir a população brasileira até o final do semestre, com ao menos uma dose. Mesmo neste caso, que parece difícil, considerando a limitada disponibilidade de vacinas, até lá será fundamental o reforço das medidas de isolamento social (lockdown por algumas semanas), para conter o descontrole atual e conscientizar a população para a necessidade da proteção e dos cuidados individuais (máscara, higiene e distanciamento).
Infelizmente, a tragédia já está contratada. Podemos e devemos reagir com rigor e competência, apesar do presidente negacionista, para impedir que novos “aviões” carregados de brasileiros continuem a espatifar-se no chão.
Não foi o acaso e não foi imprevisível. Essa tragédia que é o colapso dos hospitais públicos e privados estava prevista e foi anunciada a quem não tapou olhos e ouvidos. Mas ninguém prestou atenção em taxas de transmissão superiores a 1 e o efeito multiplicador. E cada um na sociedade continuou achando que “comigo não vai acontecer”. Mesmo sabendo das equipes de saúde cansadas, dos intensivistas exaustos, dos médicos assustados.