Jair Bolsonaro é um idiota, um idiota com uma pulsão destrutiva e uma visão política medíocre voltada para a proliferação de armas, o combate no terreno dos costumes e o desmonte dos valores democráticos e civilizatórios. Mas, como é que uma nação moderna, urbana, com uma base econômica forte e com instituições democráticas elege um idiota como chefe de Estado? A combinação de determinadas circunstâncias históricas e alguns acasos podem explicar este estranho e peculiar fenômeno de um presidente da República, democraticamente eleito, com graves limitações cognitivas e fixações patológicas.

A história está repleta de mudanças surpreendentes e inesperadas que decorrem das circunstâncias e de eventos imprevisíveis e grande impacto[1], e que levaram ao poder figuras desprezíveis, psicopatas e idiotas[2]. Que circunstâncias e quais eventos críticos permitiram a eleição de um idiota como presidente da República do Brasil? Na segunda década do século XXI, a sociedade brasileira vivia uma profunda desilusão política, com um desprezo crescente pelos políticos, reforçada pelas denúncias generalizadas de corrupção e negociatas, agora envolvendo o candidato do PT – Partido dos Trabalhadores, que foi eleito no passado com o discurso de combate à corrupção. O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que ganhou evidência com as narrativas de retirada de milhões de brasileiros da pobreza, e pelo crescimento da economia, montou uma eficiente máquina de corrupção para financiar um projeto de poder. A Operação Lava Jato, com a prisão de grandes empresários e líderes políticos, incluindo o próprio Lula, evidenciou a degradação da política brasileira, e estimulou o desprezo da população pela política e pelos políticos em geral, o ressentimento e a decepção de segmentos médios da sociedade com a mentira moralista do PT, que agora desnudou a sua semelhança com todos os outros partidos políticos.

O governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff para a presidência da República criaram uma polarização política no Brasil com o discurso – nós e eles – e com a busca acintosa e arrogante pela hegemonia da esquerda. Por outro lado, o PT e os partidos e lideranças de esquerda, na sua maioria, passaram a atuar na simples rejeição das reformas estruturais e na focalização no terreno liberal dos direitos civis (que tão injustamente abominavam) e, particularmente, associados às questões identitárias. Este deslocamento do confronto ideológico para os movimentos identitários foi acompanhado de medidas e propostas carregadas de intolerância, transformando causas justas em afirmações agressivas e fanáticas. Não foram poucos os intelectuais hostilizados com violência e os eventos impedidos de realização pela patrulha dos grupos identitários.

A polarização foi escancarada para além dos espaços políticos pela resistência dos evangélicos, cada vez mais fortes e influentes, a estes aspectos culturais e comportamentais dos movimentos identitários: o aborto, o feminismo, o casamento de homossexuais, a educação sexual, as novas formas de família, o movimento negro, o orgulho gay e os transexuais. Com raras exceções, o confronto ideológico no Brasil deslocou-se da esfera social e econômica para o terreno difuso e não menos explosivo dos direitos civis, formando bolhas segmentadas da sociedade, barulhentas e intolerantes, verdadeiras patrulhas que silenciam e desqualificam os eventuais críticos.

As circunstâncias que antecederam as eleições de 2018 combinam ainda uma profunda recessão econômica provoca pelo governo da presidente Dilma Rousseff, sua orientação voluntarista e estatista e sua indiscutível incompetência. A crise econômica mundial de 2008 foi um evento que ampliou as dificuldades do seu governo, mas os equívocos de política econômica e as medidas populistas na gestão das estatais levaram à recessão, ao desemprego, à pobreza e à falência do Estado, desmontando o discurso de Lula e do PT, de construção de um “Estado de bem-estar social” no Brasil. O desastre do governo Dilma provocou uma forte desconfiança do empresariado no PT (antes satisfeito com o governo Lula) e, por extensão, em outras lideranças de esquerda ou centro-esquerda. E o impeachment da Presidente Dilma acentuou a polarização política no país, na medida em que quase todos os partidos de centro e centro-esquerda aprovaram o seu afastamento do governo.

Bolsonaro nunca teve sequer uma vaga ideia em relação aos grandes desafios do Brasil (em quase 30 anos de mandato parlamentar), menos ainda uma proposta de desenvolvimento nacional, limitado na sua capacidade intelectual e visão de mundo restrita a interesses corporativos, armamentismo e questões comportamentais. O fenômeno Bolsonaro resulta da sua capacidade de catalisar a revolta dos segmentos conservadores, destaque para os evangélicos, com as mudanças nos costumes e nos comportamentos, e a insatisfação geral da sociedade com os políticos (embora ele fosse um velho político do baixo clero). A sua mediocridade como deputado permitiu que o eleitorado o visse como um não-político, e livre dos escândalos de corrupção que se abateram sobre todos os partidos políticos no Congresso.

Nestas circunstâncias, formou-se uma profunda polarização política, que levou Bolsonaro a ser o escoadouro de uma corrente dispersa dos eleitores que rejeitavam os políticos, abominavam a corrupção, detestavam o PT e a esquerda identitária. No meio de uma crise econômica e diante da sua total ignorância dos reais problemas nacionais, Bolsonaro fez uma manobra política que criou uma miragem para atrair os empresários: o “Posto Ipiranga”. Ao entregar ao economista Paulo Guedes a responsabilidade pela formulação e gestão da política econômica, abandonando suas próprias concepções estatistas e corporativistas, o candidato do PSL – Partido Social Liberal  comprometeu-se com um conjunto de reformas estruturais liberais que correspondiam aos anseios dos agentes econômicos do Brasil.

No começo de setembro, quando começa esta polarização, ocorre um evento que completa o ambiente favorável à eleição de Bolsonaro: a facada no abdômen, durante a campanha em Juiz de Fora, provocando três lesões no intestino delgado e uma lesão numa veia do abdômen, gerando forte hemorragia. Apesar da gravidade, levado às pressas para a Santa Casa de Misericórdia, o candidato sobrevive e se recupera depois de quatro cirurgias. De acordo com médico da Santa Casa, em cem casos com semelhante gravidade apenas uma pessoa se salva, resultado de algumas coincidências raras: a rapidez do atendimento, a experiência dos médicos do hospital local e, principalmente, os dois centímetros à esquerda da veia cava inferior, por onde passou a lâmina.  Segundo Doutor Antônio Luiz Macedo, se a faca tivesse rasgado esta veia cava “nenhum cirurgião conseguiria resolver”. Na pesquisa eleitoral realizada alguns dias antes (Ibope) do incidente, Bolsonaro já tinha 22% dos entrevistados, percentual que saltou para 28% apenas duas semanas depois (18 de setembro), e não parou mais de crescer, chegando a 32% nos primeiros dias de outubro. Muito provavelmente, a vitimização, misturada com a teoria da conspiração difundida pelas redes sociais, acusando os “comunistas” de tentarem matar o presidente que, a esta altura já era comemorado como o mito da direita brasileira, deu o impulso eleitoral que faltava a Jair Bolsonaro.

Os acasos viabilizaram a sua eleição. A inesperada facada e a sua sobrevivência em condições tão especiais amplificaram a sua visibilidade, despertaram um sentimento popular de empatia pela vítima e de confiança na sua resistência, além de tê-lo poupado dos debates com outros candidatos, escondendo a sua idiotice e total ignorância da realidade brasileira. A convalescência o protegeu das críticas dos concorrentes e da exposição da sua fragilidade cognitiva e política. Os seus concorrentes ajudaram, jogando-se numa disputa ferrenha pelo segundo lugar, deixando Bolsonaro correr solto e, desta forma, consolidar sua posição.

A polarização política que se intensifica no segundo semestre de 2019 termina dando um impulso adicional à candidatura de Bolsonaro. Na medida em que crescem as intenções de voto no candidato do PT, o idiota ganha adesões dos segmentos sociais que não admitem a volta deste partido ao poder. As pesquisas mostram como os dois extremos vão capitalizando o eleitorado brasileiro. Em agosto, quando os candidatos foram oficialmente registrados (Lula já não era candidato), Haddad tinha 4% das intenções de voto e Bolsonaro já estava com 20%; o candidato do PT inicia uma trajetória de crescimento, com um primeiro salto em 18 de setembro, quando alcança 19% das intenções de voto. No mesmo período, como provável resposta ao melhor desempenho de Haddad, as intenções de voto de Bolsonaro avançam para 28%, com a estabilização ou queda de todos os outros candidatos (dados do Ibope).

O segundo turno consolidou a radicalização e a polarização política, com a disputa entre Bolsonaro e o candidato do PT, Fernando Haddad. Àquela altura, o antipetismo era tão forte quanto o antibolsonarismo: na pesquisa de 23 de outubro para o segundo turno, a rejeição a Haddad chegava a 41% dos eleitores (frente a 31% das intenções de voto) enquanto Bolsonaro tinha uma rejeição de 40% e 37% de intenções de voto). Por isso, é possível dizer que a polarização se manifestava na alta rejeição aos dois candidatos, com os brasileiros tendo que escolher mais contra que a favor de algum dos candidatos. A polarização política de rejeição das duas forças radicalizadas ajudou a eleger Jair Bolsonaro. Algumas pesquisas no final do primeiro turno mostravam que, mesmo com o crescimento de Haddad, outros candidatos, especialmente Ciro Gomes, teriam maior condição de derrotar o candidato da extrema direita num eventual segundo turno.

A eleição de Bolsonaro pode ser explicada pelas circunstâncias peculiares na história do Brasil e pelos incidentes e acasos referidos acima, mas os resultados poderiam ter sido bem diferentes, se os atores centrais tivessem assumido outras posições e adotado outras decisões. Os acertos eleitorais e as mentiras da campanha de Bolsonaro teriam convencido parte do eleitorado da sua pretensa luta contra a corrupção e do seu tardio liberalismo econômico. Vale lembrar que, embora tivesse o menor tempo para propaganda eleitoral nos meios de comunicação de massa, a campanha de Bolsonaro soube utilizar com muita competência a internet e as redes sociais com modernos instrumentos de propagação das suas mentiras. Do outro lado, a dispersão de muitos candidatos que, embora convergissem no respeito à democracia e aos valores civilizatórios, se agrediam e atacavam, nem sempre de forma ética, acentuou a polarização do segundo turno entre o antibolsonarismo e o antipetismo. E Fernando Haddad deu a contribuição final para a eleição do idiota, buscando apoio incondicional dos outros candidatos e partidos, sem uma disposição real de negociação de uma aliança política, para não falar nas manobras destrutivas utilizadas na campanha contra Ciro Gomes e Marina Silva. Mais uma vez, o hegemonismo petista prevaleceu, sobrepondo-se aos interesses maiores do Brasil. Assim se elege um idiota à presidência da República.

[1] Nassim Nicholas Taleb, no seu livro “A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável” mostra como a história é fortemente influenciada por eventos imprevisíveis (e até improváveis, quando observado antes) com impactos relevantes sobre o futuro.

[2] Não se pode esquecer que Adolf Hitler tornou-se primeiro-ministro porque o seu partido, o NSAPD-Nationalsozialistische Arbeiterpartei Deutschalands, explorando o ovo da serpente e utilizando de intimidação política, tornou-se a maior bancada do Reichstag possibilitando a formação de um governo de maioria com apoio de partidos conservadores.