O general Joaquim Ignacio Cardoso chegou, ao Recife, logo depois da Segunda Grande Guerra. Homem simples, usava bondes, andava sempre à paisana e acabou morrendo sem saber que um parente (FHC) chegaria a ser presidente da República. Sem nem ter sido militar! Estatura mediana, vermelho como camarão assado, bigode e cabelos brancos, até poderia ser confundido com o barão do Rio Branco. Foi dele a ideia de criar, por aqui, uma Liga Pernambucana contra o Analfabetismo. Logo nomeando, como seu cobrador oficial, um esfogueado tribuno popular, crismado como Samuel Vieira e mais conhecido pela alcunha de Gravata Encarnada. Mantendo-se, tal Liga, com multas de mil réis, cobradas por cada vez que um cidadão errasse o nome da rua – algo, aliás, naquela época bem frequente. Que a Prefeitura do Recife trocava, todos os dias, nomes antigos por datas oficiais ou figuras que representassem o poder.
Rua da Concórdia, por exemplo, passou a ser Marquês do Herval. Nova era Barão da Vitória. Imperatriz, Dr. Rosa e Silva. Crespo, Rua 1º de Março. Imperador, Rua 15 de Novembro. Conta-se até que uma professorinha pediu ao bravo general: “Moro na Rua Imperial, dou classe na Rua da Palma, tenho que atravessar a Campina do Budé, passando pelas Ruas Direita e das Hortas, não seria possível uma escola mais perto?” Só para ouvir , como resposta, que Imperial passou a ser Rua 89. Campina do Budé virou Viveiro do Muniz. Palma, Paulino Câmara. Direita, Marcílio Dias. Hortas, Coronel Suassuna. Logo sapecando, na coitada, multa de cinco mil réis.
Espaços públicos ganham nomes de mulheres, homens e suas circunstâncias, amigo leitor. O que reforça nossas relações com eles. E devem ser preservados, para ganhar eternidade. Mas nossas elites políticas, por se considerarem entidades superiores, continuam usurpando esses nomes. Lembro do recifense Manuel Bandeira, nascido na Rua das Venturas (hoje Joaquim Nabuco); que, na sua Evocação do Recife, vaticinou: “Rua da União…/ Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância./ Rua do Sol (tenho medo que hoje se chame dr. Fulano de Tal)”. O que desde muito tempo já vem acontecendo. E não está certo, perdão. Por mais méritos que possam ter – e usualmente têm, de fato – os grandes homens a serem homenageados.
A Av. Beira Rio está sendo esquartejada. Pedaço por pedaço, num desenho ilógico. O D.O. deste sábado, 08/05, publicou seus novos destinos: um para o ex-deputado Oswaldo Coelho; outro, ao jornalista Geneton Moraes Neto; e, mais um, ao pai do Prefeito. A bela avenida vai perdendo seu nome, ao sabor dos interesses políticos. Tenho certeza, que se o querido amigo Eduardo pudesse opinar, quanto a esta lei, teria preferido manter, como antes, seu nome original. Para receber homenagem (justíssima, vale dizer) depois, em qualquer outro lugar, novo, que viesse de ser construído. Na sua falta, o filho deveria ter feito isso. Fez o contrário. Não tem sentido, que Eduardo já é imortal em nossos corações.
Pobre do Capibaribe, o Cão Sem Plumas de João Cabral de Melo Neto, “Aquele rio/ Está na memória/ Como um cão vivo/ Dentro de uma sala”. Um cão cada vez mais retalhado. Imagino quem receberá os próximos nomes, ali. E temo por outros espaços. Inclusive as Avenidas Caxangá e Boa Viagem que, por serem longas, podem receber nomes de um caminhão de autoridades. E até já antevejo, Marco Zero Governador… Deus nos proteja. No fundo, amigo leitor, mudar esses nomes acaba sendo um ato de traição. A nossas tradições e a nossa cultura. É triste.
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