Clemente Rosas, aos 80 anos, caminhando na Praia Formosa, Paraíba.

 

A receita que nos propõe Carlos Pena Filho para vencer a solidão – entrar no acaso e amar o transitório – não parece fácil de seguir. Como amar a labilidade daquilo que, como a areia, escorre entre nossos dedos?

Esta reflexão me vem ao perceber quanto é, na verdade, efêmero o sossego que me apazigua a alma neste refúgio da Praia Formosa, onde me instalei, para não mais sair, já se vão quatro anos.  Está em construção avançada um edifício em três blocos, de quatro e dez andares, apenas após uma pequena casa à esquerda da minha morada.  Uma vez construído, abrigará mais de cem famílias de veranistas ou habitantes permanentes.

Ao mesmo tempo, anuncia-se a venda, em lotes, do que resta do sítio que foi do meu tio, hoje pertencente a um norueguês conservacionista e sua esposa, uma francesa simpática.  Os donos envelheceram, não passarão mais os verões neste paraíso tropical que tanto apreciavam.  E teremos que dar adeus a um pomar de cajueiros, mangueiras e coqueiros que hoje nos servem quase como uma extensão do quintal.

A construção, situada a sotavento da nossa casa, não incomoda tanto.  A poeira não nos chega, e os sons perturbam menos que a alvorada extemporânea do galo do vizinho.  Mas não posso esquecer que, daqui a um, dois anos, terei um fluxo de aproximadamente quinhentos banhistas, ruidosos e bisonhos, no meu retalho de praia.  E as minhas caminhadas e braçadas não mais contarão com o mesmo sossego.

Hoje, caminho quilômetros em praia quase deserta.  Nos meses fora da temporada de verão, quando menos de 20% das casas permanecem ocupadas, defronto-me apenas com poucos pescadores que lançam suas tarrafas, ou recolhem suas redes de espera, às vezes pejadas de sardinhas.  Eventuais banhistas solitárias, que expõem seus corpos seminus às carícias da brisa e beijos do sol, não molestam o caminhante, bem ao contrário.

O que devo esperar, no entanto?  O amigo vento, contrariamente ao que diz a modinha, pode afagar multidões, mas não mais procurará por mim.  Virá poluído pela fumaça de cigarros e fogareiros improvisados, palavrões de “peladeiros”, buzinas e roncos de automóveis, canções pornográficas de extremo mau gosto.  É para onde o acaso e o transitório nos levarão, amantes da natureza, pobres espécimes diferenciados, remanescentes da infeliz espécie humana predadora.

Não adianta sonhar com a criativa e ingênua proposta do poeta popular Jessier Quirino, que nos convida a voltar para o passado, onde se tem muito mais futuro.  Melhor conformar-nos com a dolorosa constatação do poeta maior Jorge Luís Borges, formulada nos dois últimos versos do seu belo soneto “El Instante”:

El hoy fugaz es tênue y es eterno

Otro cielo no esperes, ni otro infierno.