O discurso não pode mudar a cada momento. É fundamental que se tenha um mínimo de coerência. Perde-se a credibilidade, abandonam-se os princípios. As circunstâncias não podem ser o fator determinante de atitudes, de modos de agir.

29 de maio de 2021, cerca de meio milhão de pessoas, em 80 cidades do País, vão às ruas protestar contra as políticas negacionistas do atual governo federal e seus impactos mórbidos na população. O motivo é justificável.  Mas o método é totalmente inadequado.

Assume-se a mesma conduta que se critica. Por mais que se tente evitar aglomerações, elas ocorrem. Com isso, perde-se o discurso, cai-se na vala comum justamente do que não queremos. O princípio de busca de preservação da vida é ignorado. Alguns tentam justificar com um argumento totalmente falacioso. “O Presidente é pior que o vírus.” Isso é argumento que permita colocar em perigo vidas?

Recife, no mesmo dia. A passeata sai rumo à Avenida Dantas Barreto. Na ponte com a Boa Vista, a tropa de choque. Em posição de ataque, em filas estruturadas, com gás de pimenta e balas de borracha. Pacificamente os manifestantes se aproximam. Um ataque desmedido, em que dois cidadãos, que nem faziam parte dos protestos, acabam perdendo uma vista. Violência descontrolada, sem nenhum significado, a não ser demonstrar poder. De quem é a responsabilidade?

O Governador e sua Vice dizem não ter responsabilidade. Aliás, dizem que o Governo não autorizou. Anunciam punições severas contra os soldados e o comandante do batalhão na rua. Interessante notar que existe uma sala de comando de operações, onde estavam Secretário e auxiliares deste Governo, além de comandantes da Polícia Militar. Não foram consultados? Foi uma definição espontânea da guarnição na rua? Difícil de acreditar. Mais fácil colocar a culpa no pelotão.

Segunda feira, dia 31. Leio o Jornal do Comércio. Mantem, faz anos, uma coluna negacionista, que procura sempre justificar qualquer loucura do atual máximo mandatário do País. Neste dia, em atitude totalmente irresponsável, coloca em xeque a eficácia da vacina chinesa do Butantan. Citando dois ou três casos, procura desacreditar o uso da vacina e sua eficácia. Diz até que o governo federal está repensando seu uso. Num momento em que é fundamental ampliar a vacinação e fazer com que mais pessoas sejam imunizadas? Uma maneira de gerar pânico na população e levar muitos a evitarem seu uso.

Em momento algum se afirmou a eficácia 100% de qualquer vacina. Tem-se clara sua importância e a diminuição substancial de casos graves e de mortes após a segunda dose. Felizmente, no mesmo dia, sai o resultado de um teste feito numa cidade do interior de São Paulo, que comprova que vacinando três quartos da população consegue-se voltar ao estado normal de atividades. A irresponsabilidade de questionar as vacinas, apenas para atender a interesses conjunturais de ordem política, deveria ser severamente rechaçada, até pelo próprio órgão de imprensa.

Hoje, dia 1 de junho, uma médica convicta de métodos comprovadamente ineficazes para combater os efeitos da doença do corona vai ganhar o principal palco atualmente existente no País. Provavelmente, defenderá aguerridamente o uso de substâncias sobejamente demonstradas que podem ter efeitos colaterais bem perversos. O cenário foi armado: criar confusão de discurso, permitir questionar atitudes responsáveis frente à crise sanitária que enfrentamos, é o objetivo.

Alegar imparcialidade e isenção parece ser mais um ataque contra a coerência. Dia 2 de junho, no palco da CPI, chamados 4 ditos especialistas. Dois pela ciência, dois pelo tratamento precoce e pelo uso de substâncias ineficazes comprovadamente. Evidentemente, a embate não será nada técnico, ficará no campo da política. Defensores de um lado e de outro procurarão aproveitar os de “notório saber” para colocar mais dúvidas na cabeça da população. Se não há consenso, tudo é válido. O Presidente pode ter alguma razão, pensarão aqueles que assim desejarem pensar. Embaralham-se os argumentos, são diluídas as provas reais. Devemos ter explícito que não é o local para o discutir de teses de saúde pública. Não há como partir para confrontar, com métodos corretos, teses antagônicas, no espaço de tempo disponível e no ambiente em que ocorre a Comissão Parlamentar. O caos estará armado.

Para onde nos direcionamos, vemos que conjunturas e interesses imediatos são os principais direcionadores de nossa elite dirigente. O estrutural é relegado a um segundo plano. Não se pede muito aos senhores decisores, apenas coerência para que não mudem, a cada instante, de posição, levados pelos ventos que mais os favorecem em cada situação.