Vicente Lobão era um sujeito muito popular. Goleiro, juiz de futebol, leão de chácara, foi quase tudo no Recife. E anunciou que seria candidato a vereador. Poucos duvidavam dessa eleição. Mas seus planos acabaram atrapalhados por um pequeno acidente. Resumindo, no São João de 1959, ele morreu. Esmaragdo Marroquim, Diretor de Redação do JC, destacou Severino Pedrosa para tirar foto desse lamentável acontecimento. Pedrosa, na época, era presença obrigatória em todos os casamentos da cidade. Com sua máquina Laika, seus tiques nervosos e sua imensa capacidade em causar confusão. Como nunca teve pressa, nem nos casamentos, chegou tarde. O corpo já tinha ido embora do local. Esmaragdo quase teve um infarto. “Seu Pedrosa, pegue Mata-Sete e só volte aqui com uma foto do morto. Loooogo!!!” Mata-Sete era um desses faz-tudo que estão em todas as redações. Tomou garupa na lambreta de Pedrosa e foram, os dois, para o Pronto-Socorro (o Restauração da época), então na Fernandes Vieira. O necrotério ficava em uma entrada lateral. O corpo, inerte e solitário, jazia sobre a lousa fria.
Gorduchão, Vicente era mais pesado que devia. Demais, para os braços franzinos do pobre Mata-Sete. Sem contar que, depois de algumas horas, todo corpo endurece. É o rigor mortis, como dizem os entendidos. Pedrosa subiu em dois banquinhos, um sobre o outro, e anunciou ao acessor a estratégia: “Eu grito Vá, você dá um golpe de caratê na barriga do homem, ele se inclina um pouco para frente, então você mete um pescoção na nuca dele, se abaixa, e eu tiro um 3×4”. Dito e feito. Só não contavam é que, no fim da operação, precisamente na hora em que o flash pipocou, o morto desse um berro monumental, “Uuaaaaiii”. E saísse correndo pelas ruas. Era o vigia.
O resto dessa história ficamos sabendo aos poucos. Esmaragdo ficou sem sua foto. Pedrosa quebrou a perna, coitado, ao cair dos bancos. Mata-Sete virou pai-de-santo. Com fama de ter mãos milagreiras, capazes de ressuscitar defunto. E o vigia se queixou, numa delegacia, de ter sido covardemente agredido. Mas seus agressores nunca foram localizados. Só o pobre do Vicente Lobão cumpriu, religiosamente, seu destino de defunto. Sem sequer uma foto. Perda inestimável para a democracia brasileira. Nessa noite, entre bandeiras, fogos e fogueiras, um grande balão colorido subiu aos céus. E nunca mais voltou.
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