Revolução dos Cravos – arte de rua em LIsboa.

 

PORTUGAL, 1974. A Revolução dos Cravos, contra o Estado Novo de Salazar, era iminente. O sinal para o levante militar seria dado, ficou acertado, pela Rádio Renascença. A única, então, ouvida em todo o país. Por ser da Igreja Católica, contando com as boas graças do sistema. E tudo teria início quando tocasse a música Canta, Canta, Amigo, de José Macedo. Ocorre que, na hora determinada, descobriu-se não haver esse disco por lá. E a solução foi improvisar usando Grândola, Vila Morena, uma conhecida canção de protesto de Zeca Afonso. Tocada, sem parar, durante horas. Todos entenderam. E na manhã seguinte, já 25 de abril, Portugal era um país liberto. Com o povo festejando, nas ruas. A letra diz “Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena”. Como deve ser, na Democracia. O povo ordena.

BRASIL. Duas vezes o povo já externou sua vontade, com as elites fingindo não ouvir. A primeira, em 06/10/1963. Com um Referendo (assim nomeou a Lei de Antecipação, em lugar do correto Plebiscito), cumprindo o Ato Institucional (art. 25). E o Parlamentarismo teve míseros 16,88% dos votos. O povo preferiu ser Presidencialista. Mais tarde, as elites voltaram a tentar na Constituição de 1988; ao determinar (art. 2º das Disposições Transitórias) que o eleitor definisse forma (República ou Monarquia) e sistema (Parlamentarismo ou Presidencialismo) de governo. Em 21/04/1993, deu-se o segundo Plebiscito. Com a Monarquia tendo 10,2% e o Parlamentarismo só 24,6% dos votos. Já está decidido, senhores. Sem que o Congresso possa mais alterar nada. É Cláusula Pétrea. A menos que o Supremo, hoje sem respeitar nenhum limite, diga o contrário. Um dos ministros até defende, publicamente, a mudança. Mesmo sabendo que talvez tenha que votar esse assunto, por lá. Em qualquer país maduro, seria caso de impeachment. E o truque é rebatizar a trama trocando o nome para “Semi-Presidencialismo”. No fundo, apenas outra roupagem para o mesmo Parlamentarismo. Como se Maria, só por se registrar como José, passasse a ser homem.

O Plebiscito nasceu, na Roma Antiga, como “um instrumento da Democracia Direta”, palavras de Bobbio (Dicionário de Política). E deve ser respeitado. O povo deve ser respeitado. Pior é que os argumentos, usados agora, são os mesmos. Antigos. E de quinta categoria. Fico apenas nos 2 mais recorrentes. Um é que impede um déspota, no poder. Sem considerar que os governantes mais sanguinários do século XX não foram Presidentes, mas Primeiros Ministros: Hitler, Mussolini, Salazar, Kadafi. O outro é que o Primeiro Ministro seria mais facilmente substituível. Esquecendo que o Congresso, de onde viria esse Primeiro Ministro, é o mesmo que acaba de colocar 10 bilhões à disposição dos partidos, para as eleições do próximo ano. Ninguém confia. Talvez algum dia, no futuro, hoje não. Sem contar que quase metade dos deputados e senadores responde a processos por corrupção. Entre eles o presidente (mulher e 3 irmãos presos) e o relator (réu 8 vezes, no Supremo) dessa CPI da COVID, pela Grande Mídia convertidos em arautos da moralidade, só mesmo rindo.  O jornalista Igor Maciel (Jornal do Commercio), nessa terça, resumiu bem: “O golpe está aí. Primeiro você ajuda a eleger comprometidos com você. Depois, implanta um sistema no qual são eles que decidem quem terá o poder”. Nossas imponentes elites, em vez de chegar ao poder pelo voto, preferem mesmo é o golpe. Não está certo. Vale a pena lembrar a Revolução dos Cravos, senhores, “O povo é quem mais ordena”. Isso.