Ingenuidade acreditar em uma neutralidade no projeto de educação de um país. Ele está sempre ligado à concepção ideológica das elites que o governam, às suas ambições e visões de mundo.

1995 a 2002, Governo Fernando Henrique Cardoso. Seu Ministro, Paulo Renato Souza. Uma visão de mundo em que o “viralatismo” impera. As elites e a alta classe média com ambições calcadas em modelos dos países centrais, seja de consumo, seja de formação e ascensão social. Para a classe média baixa, o medo da pauperização. O modelo tenta dissociar o ensino superior formal do ensino técnico. Duas linhas paralelas, não podem se cruzar. A pesquisa não é valorada, afinal seguiremos o “mundo desenvolvido”. O ensino público não é relevante, o setor privado pode substituí-lo sem ônus para o Estado. Privatizar é a palavra de ordem, mesmo para segmentos estratégicos.

Como consequências, um êxodo enorme de pesquisadores para fora do país, nenhuma universidade ou escola técnica criada pelo Estado, nenhum aumento salarial, falta de bolsas para incentivar jovens, desestimulando os poucos que ainda se dedicavam ao ensino superior e técnico, aposentadorias precoces dos professores mais qualificados.

E isso era feito com plena consciência. O ex-Ministro declarou posteriormente:

” O ensino técnico passou a atender a quem realmente tinha interesse em obter uma qualificação para o mercado de trabalho – em geral, pessoas oriundas dos segmentos de menor renda, para apoiar a expansão da educação profissional.”  (Folha de São Paulo, 15/09/2006)

A separação de classes era nítida, a intencionalidade era patente, não se escondia que apenas os da classe superior poderiam chegar ao topo e almejar orientar os destinos da nação. Mesmo porque poderiam pagar por isso e até mandar seus filhos ao exterior.

Concepção completamente distinta da que foi implementada no período dos governos do Partido dos Trabalhadores. Houve uma expansão extraordinária das universidades e escolas técnicas no país, novos “campi”, novas universidades. Para que se tenha uma ideia, foram criados 173 “campi” e 18 universidades, passando de 500 mil matrículas em 2003 para 930 mil em 2014. Uma interiorização significativa dessas iniciativas, permitindo que a educação superior fosse real vetor para o desenvolvimento nacional, para a inserção das classes médias baixas e dos espaços urbanos, que até então eram esquecidos. As escolas técnicas aprofundaram sua inclusão no ensino superior, e mais, foram incentivadas a oferecerem formação em pós-graduação, permitindo efetivamente que a escolha profissionalizante fosse valorada igualmente pela sociedade. Criaram-se perspectivas para as classes menos favorecidas terem condições de vislumbrar a ascensão social.

Em entrevista desta semana, o Ministro de Educação de um governo excludente afirmou:

“As universidades deveriam ser para poucos”. E aprofundou: “Acho que os institutos federais no país serão a grande vedete no futuro.  Tem muito engenheiro, advogado, dirigindo UBER porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda grande.”

A declaração não é um erro de momento, nem um deslize individual. Reflete o projeto de país que está no ideário ideológico do atual governo. Atrás dela está a noção de privatização do ensino, de menosprezo da ciência e da tecnologia, refletido nos recursos a eles endereçados, de descaracterização das universidades como centros de reflexão e produção de conhecimento. Mesmo para os institutos federais, a função é apenas de formação de mão de obra para segmentos do mercado. Não é necessário ter qualificação e autonomia para se inserir num mundo em transformação, teremos que ser uma sociedade orientada pelas necessidades do mercado, teremos que atender a suas exigências e aceitar os caminhos que a nós forem impostos pelos países centrais, de preferência os do Ocidente.

Em momento algum se questionou por que não há emprego qualificado,  por que se abriu mão de uma dinâmica em que começávamos a ser competitivos e voltávamos a ter o respeito e a admiração internacionais. Não se discutiu como nos desindustrializamos em anos recentes, e voltamos a ser um país primário-exportador. Pior, aponta-se para aceitar essa situação, e apenas nos acomodarmos. Não há nenhuma preocupação com um projeto que tente, minimamente, dar legitimidade a um processo nacional com soberania.

Esta postura na área educacional, segregadora de grande parte da sociedade brasileira, volta a mostrar um caminho quase de castas, em que aqueles que nasceram afortunados continuarão os dominadores e privilegiados, e a grande maioria será rechaçada, sempre ameaçada pelo poder constituído, por um possível caminho de pauperização, que faz com que se tenha medo de se posicionar contra os caminhos escolhidos pelos  governantes.

Em palavras, sem muito rebuscado, é esse o projeto atual para a Educação.