Moiras, tecendo os fios do destino – autor desconhecido

 

Aula da quarta feira. Cinco horas da tarde. Chego à faculdade. A várzea exibe o verde habitual. Vacas pastam seu paciente ócio. O céu é uma moldura. Azulíssima. Anunciando o 22 de setembro, inauguração da primavera. Não é boato, como diz o poema de Drummond.

“Chegou a primavera? Que me contas! Não reparei. Pois afinal de contas, nem uma flor a mais no meu jardim, que aliás não existe, mas enfim,

Essa ideia de flor é tão teimosa, que no asfalto costuma abrir uma rosa”.

Faltam onze dias para a eleição. Penso no país. A maneira como ele tem sido tratado. Como a população tem sido tratada. Menos comida, trabalho precarizado, pouco zelo com educação de qualidade. Mais armas, mais verbas secretas, mais desmantelo fanático.

O que se espera de um governo? Três coisas: modos, verbo e fazeres. Modos, como se sabe, é educação. Principalmente quando se é autoridade. No exterior. E deve dar exemplo. O aposentado, Chris Harvey, diante do barulho do comício na frente da Embaixada brasileira, em Londres, reclamou: “Esse é o dia do funeral da Rainha! Demonstrem algum respeito.” Que vexame.

Verbo, como de praxe, é comunicação limpa. E, no caso de autoridade, sem termos chulos. Sem expressões de baixo calão. Pois, o falar é uma mensagem a outro que deve conter, no mínimo, cortesia. E ofender? Principalmente jornalistas mulheres? Cumprindo o ofício de perguntar. O problema é quando a autoridade é autoritária. Porque não gosta de indagações que desvendem segredos, privilégios, barganhas.

Fazeres, ao lado de modos e de verbo, é o coração do governo. Já dizia Hannah Arendt: política é agir, é o agir conjunto. O conceito de governar não se traduz em construir mais. Há o que fazer. Em termos de qualidade, eficiência e eficácia. Quando o conceito de fazer abrange o manter, o conservar, o melhorar, o aprimorar. Por exemplo: a saúde. Por que o governo diminuiu 20% os recursos do SUS? Outro exemplo: por que o governo diminuiu as verbas da educação no orçamento de 2023? Ainda outro exemplo: por que o governo amputou os meios com os quais a FUNAI e o IBAMA cumpriam suas funções de fiscalizar quadrilhas na floresta?

Talvez o fazer aprimorado, a manutenção melhorada, venha a ser o melhor fazer. Mas, o que choca é a naturalização da falta de foco para o interesse público. E o bloqueio de qualquer investigação sobre indícios de corrupção. Por Procurador geral que, no modo absorto, procura uma abstração mental. Na impossibilidade física de cometer uma abstração material.

Uma frente democrática

Olhando o horizonte dos fatos, percebe-se uma nova arquitetura política. Os regimes autoritários devem ser enfrentados por meio de frentes democráticas. Que incorporem os democratas. De direita e de esquerda. Tudo junto e misturado. Foi o que fizeram espanhóis no Pacto de la Moncloa. Foi o que fizeram franceses da Quinta República. Foi o que fizeram Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Mario Covas, no Brasil.

É a mesma costura social-democrata que está produzindo o tecelão Luís Inácio Lula da Silva. Temos, no país, dois Partidos social-democratas: o PSDB e o PT. Que não se uniram, antes, por causa de rivalidade paulista. Mas, que se juntaram, agora. Sob égide nacional. Com uma vantagem sobre o modelo europeu: associa o trabalhismo inglês e a economia social alemã. Num estandarte só: a chapa Lula / Alkmin.

Insere-se nessa paisagem um elemento fundamental: a visão contemporânea ambientalista de Marina Silva. A chanceler do Meio Ambiente. A defensora da floresta. Flor que é caule. Escudo e semente. Para completar, o coringa, Henrique Meireles. A perícia da gestão responsável. Banco Central, secretário, ministro.

Uma frente democrática busca três objetivos estratégicos:

  1. Isolar o fanatismo das extremas, direita e esquerda. Que deformam os processos constitutivos do regime democrático;
  2. Fortalecer o espaço do centro político. Centro político significa equilíbrio. Esta é a calibragem virtuosa da política: equilíbrio de Poderes, de direitos e de deveres. Usando a pedagogia do respeito. Ao outro. Às instituições;
  3. Abrir caminho para a democracia, tout court, combatendo o anticientificismo vacinal, o anticientificismo eleitoral das pesquisas e da urna eletrônica. Na prática, extirpar o preconceito, que separa, e o juízo troglodita, que agride.

O presidente Bolsonaro não é político. E não é de direita. É militante da extrema direita. Política é lidar com conceitos. Não é disseminar armas. E exercer retórica de ódio. A direita, politicamente, carrega consigo tradições, pensamento conservador. Noções oriundas do liberalismo de Locke. As ideias liberais são netas de Montesquieu, de Norberto Bobbio e de John Dewey. Inteiramente discutíveis no plano intelectual. Não tem nada a ver com a defesa de tortura. E de ditadura. Por isso, é preciso tecer os fusos da reconstrução nacional. Com os fios desarmados dos amorosos. Que não tem ódio. Nem medo.