Quem será o próximo Chanceler da Alemanha? Depois de 16 anos de relativa continuidade, em que Angela Merkel foi reeleita várias vezes, dessa vez o resultado está em aberto. Merkel continua sendo de longe a figura política mais popular da Alemanha, apoiada por mais de dois terços do público alemão, mas anunciou já no final de 2018 que não se candidataria de novo e deixou a presidência de seu partido, União Democrata Cristã, CDU na sigla em alemão. Fará o sucessor?

A eleição parlamentar será este domingo 26 de setembro, mas é provável que se passem meses antes de termos um novo governo. Na eleição passada, as negociações duraram meio ano para chegar à grande coalizão entre conservadores (CDU/CSU) e socialdemocratas (SPD), e ao texto do programa comum de governo e designação de ministros. Tripartite, como deve ser este ano, a coalizão será mais complicada. Analistas políticos de vários matizes têm repetido que continuidade com estabilidade é a preferência dos alemães. Mas qual dos candidatos representa continuidade? E ela é possível?

Cada um dos três candidatos atuais já esteve na frente da corrida em algum momento deste ano. Quando o partido ambientalista, o Verdes, lançou pela primeira vez uma candidatura própria, Annalena Baerbock, provocou tal entusiasmo que disparou até perto de 30% nas pesquisas de opinião, à frente dos outros candidatos. Tal euforia durou poucos dias de abril: o Verdes voltou ao 3º lugar, e debatem-se os porquês. Inclusive por que não aumentou sua audiência com as catastróficas inundações neste verão, que poderiam ter voltado mais atenção para a mudança climática. Parece que a dureza da reconstrução e o luto que perdura nas áreas atingidas não deixam margem pra política. Mesmo assim, a importância do Verdes, que dobrou seu tamanho desde a eleição passada, é um fenômeno alemão, não acontece do mesmo modo em outros países europeus.

Até então quem estava à frente nas intenções de voto era Armin Laschet, o candidato do CDU, que voltou a ficar na frente depois do breve surto do Verdes. A campanha, em geral sem novidade, voltada para questões internas e com menção apenas indireta a relações internacionais, era até monótona. Mas a pouco mais de duas semanas do dia da votação acabou a calmaria.

Desde que as pesquisas de opinião revelaram que o candidato da União CDU/CSU, Laschet, tinha sido ultrapassado por seu parceiro de coalizão do partido socialdemocrata (SPD), o vice-chanceler e Ministro das Finanças Olaf Scholz, sobram ataques e contra-ataques. Até corre na justiça o caso de um distrito que pediu a retirada de cartazes com os dizeres “Hängt die Grünen”, considerado um chamado à violência contra o Verdes: ”hängen”, em alemão, tanto pode ser dependurar quanto enforcar.

O famoso estilo consensual de Merkel, que absorveu no governo propostas dos socialdemocratas – em favor do aumento do salário-mínimo, contra a elevação da idade mínima de aposentadoria, pelo desmonte das usinas de energia atômica – levou a que Scholz sugerisse ser ele, e não Laschet, o mais apto a substituir Merkel e garantir continuidade. E de fato é percebido como personalidade pragmática, de muita experiência, que opera com racionalidade e de modo controlado, no centro do amplo espectro socialdemocrata. Seu prestígio pessoal ultrapassa o do seu partido, como é, aliás, notório no caso de Merkel.

Até o início de setembro, Merkel parecia ter escolhido se aposentar sem participar da campanha para seu sucessor. Mas quando começou a se espalhar a percepção de uma possível vitória da social-democracia com Scholz, Merkel decidiu-se a ajudar seu partido CDU. Por acordo prévio entre a Chanceler e os candidatos, convocou-se uma sessão do Bundestag dia 7 de setembro, com ordem do dia “A situação da Alemanha”. (https://www.bundestag.de/dokumente/textarchiv/2021/kw36-de-situation-deutschland-849630)

No que possivelmente será sua última fala ao parlamento, Angela Merkel fez primeiro um balanço de seu governo em que tratou de clima, digitalização, a necessidade de igualar o padrão de vida entre região leste e oeste, entre cidade e campo. Só houve barulheira quando passou à campanha.

Segundo ela, a ida às urnas seria uma “escolha da direção em tempos difíceis”, o voto seria uma escolha entre dois caminhos: ou um governo do SPD com o Verdes, “que considera o apoio do Esquerdas, ou pelo menos não o exclui”, ou um governo CDU/CSU com Laschet no comando. Houve agitação na plateia, começo de vaias e aplausos, entusiasmo do pessoal da Union e indignação no lado mais ou menos à esquerda. Merkel levantou os olhos do pódio em breve pausa, e veio o parêntesis: “ora, só estou dizendo a verdade”. Típico Merkel. E prosseguiu: tal governo garantiria “estabilidade, confiança, moderação e centro”. (Minha tradução livre do quase confucionista “Stabilität, Verlässlichkeit und Mass und Mitte”).

A aparição no Bundestag foi um nítido apoio a Laschet, num contexto em que este está em risco até por sua falta de popularidade dentro do União CDU/CSU, quando o pessoal desse partido pode optar por ficar em casa no domingo, já que o voto na Alemanha não é obrigatório. Merkel de novo ajudou seu partido quando foi junto com Laschet a Stralsund, numa espécie de visita de despedida ao distrito que ela representa há 31 anos no Bundestag. Foi muito mais aplaudida que ele. Ela pediu votos para CDU/CSU “para contribuir para a prosperidade da Alemanha … e  a garantia de sua segurança”. Laschet voltou ao que lhe parece um perigo, “rot-rot-grün”, vermelho-vermelho-verde, a alusão a uma coalizão SPD e Verdes que inclua o Esquerdas. Quer que Scholz se comprometa a não incluir o Esquerdas em qualquer acordo. Outras vezes tem dito que a política ambiental do Verdes e do SPD prejudica a indústria alemã.

Difícil saber se Merkel conseguirá conquistar votos para Laschet. Por ora a ordem é Sholz, Laschet e Baerbock, cada um com algo mais/algo menos de 1/5 do eleitorado (25%, 22% e 15% respectivamente). O Verdes começou a apresentar-se como 3ª via, mas ninguém acredita que chegará a chanceler. O liberal FDP, que subiu depois de abril, tem algo como 12% ou 13%. AfD, Alternativa para a Alemanha, o partido anti-imigrantes e crítico agressivo que agora acusa o governo de “iniciar a próxima onda de imigrantes”, do Afeganistão, chega a uns 10%. E o Esquerdas, defensor de um estado do bem-estar social mais generoso e da saída da Alemanha da OTAN, não passa muito das 5%.

Para formar um governo de maioria, os partidos terão que negociar uma coalizão que tenha mais de 50% do número total dos parlamentares. Depois das eleições parlamentares de 2017, longas negociações chegaram a uma coalizão entre os dois maiores partidos, os conservadores (CDU+CSU) e os socialdemocratas (SPD). É difícil que se forme de novo essa “grande coalizão”, a “Groko” (“Grosse Koalition”), cujo acordo de governo em 14 capítulos analisamos na “Será?” de 16/03/2018. O panorama político atual é bem mais fragmentado.

Os dois grandes partidos têm atualmente uma proporção menor dos votos do que há quatro anos e, nessa comparação com 2017, aumenta a proporção do Verdes e do partido liberal FDP. Assim, o mais provável é que se tente uma coalizão tripartite, mais ou menos confusa, dadas as diferenças nos programas dos partidos, em particular entre o Verdes e o FDP sobre política fiscal, ou entre SPD e FDP sobre política exterior, exigindo concessões significativas de parte a parte para chegar a um programa de governo comum.

Como é a votação no parlamentarismo alemão? A votação se dá por distrito e por partido. Há na Alemanha 299 distritos eleitorais, e como essas candidaturas individuais são por distrito, cada um deles tem sua própria cédula eleitoral com os nomes dos candidatos no distrito. O eleitor tem dois votos na cédula que lhe é entregue.

No primeiro voto, o eleitor escolhe entre os candidatos ao Bundestag em seu distrito, cujos nomes (e partidos) estão listados na cédula do lado esquerdo. Pode escolher apenas um. É eleito o mais votado por distrito e assim são escolhidos 299 membros do Bundestag. Outros 299 membros saem das listas dos partidos por estado; o número de cadeiras de cada partido no Bundestag varia segundo sua população de eleitores.

No segundo voto, à direita na cédula, o eleitor escolhe o partido. Só pode colocar duas cruzinhas na cédula, uma para seu candidato distrital, outra para o partido da sua preferência. Se colocar mais que isso o voto será anulado; colocar assinatura ou qualquer rabisco ou mensagem invalida o voto. O segundo voto, para o partido, é o que determina as percentagens de cada partido no Bundestag. A cláusula de barreira é 5%: para chegar ao Bundestag um partido precisa ter no mínimo 5% do total dos votos.

O Parlamento alemão teria, normalmente, 598 membros. Na prática pode ter mais que isso, chegou a mais de 700 em 2018, essencialmente devido a uma correção do código eleitoral em 2013. Sempre vigorou a regra de que, quando um partido obtém, pelos resultados do voto distrital, mais pessoas eleitas do que o número de cadeiras que lhe cabe na distribuição dos votos por partido, esse “excedente” é mantido no Bundestag. Considera-se injusto que essa escolha de pessoa para pessoa fosse anulada. Esses tais “excedentes” estavam ficando importantes, muito concentrados nos grandes partidos, causando desequilíbrio considerado injusto e, assim, em 2013, se aprovou que, no caso de ocorrerem na eleição “excedentes” para um partido, todos os demais partidos no Bundestag são “compensados” para reequilibrar a representação por partidos.

Como o 1º e o 2º voto na cédula não têm que ser do mesmo partido, o eleitor individual pode tentar um cálculo estratégico dependendo de qual coalizão ele quer “incentivar” ou ver concretizada. Dessa vez há muita especulação sobre coalizões possíveis. A grande coalizão, a chamada Groko, é “preto-vermelho”, o preto do União (CDU+CSU) e o vermelho da rosa que é símbolo dos socialdemocratas (SPD). Dado o assenso do Verdes, bem como o avanço do liberal FDP, cuja cor tradicional é o amarelo, surgiu a hipótese de uma coalizão “semáforo”, vermelho-verde-amarelo, difícil de antever concretamente dadas as diferenças entre o que cada um desses partidos defende. Outra hipótese é a coalizão apelidada “Jamaica”, preto-verde-amarelo, as cores da bandeira daquele país caribenho.

Depois das eleições de 26 de setembro poderemos discutir as coalizões viáveis e, mais concretamente, a necessária conciliação, levando em conta os programas e propostas de políticas públicas de cada partido. Por ora parecem bem confusas as coalizões hipotéticas. É possível também que o panorama fragmentado faça com que o eleitor desista de calcular as probabilidades de coalizão e vote simplesmente com seu partido preferido.